Máfia russa no Brasil, depoimento de um preso no Amazonas
As operações de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro da Máfia Russa no Brasil, até o momento, não passam de uma suposição, que transformou nossos policiais federais em agentes “russofóbicos”, e a vida dos turistas russos um inferno. Pelo menos é o que afirma o empresário e aventureiro Moris Wind ou Artemiy Semenovskiy (Артемий Семеновский).
Encontrei uma pérola sem preço: Рycckий Кokaиh b Бpaзилии – Рaзoблaчaem ЛoжЬ (Cocaína russa no Brasil – Explicando as mentiras), cujo autor se auto denomina representante do CPLCRB (ОКОРГБ). Sei que você sabe que o CPLCRB é o Comitê Público para a Libertação dos Cidadãos Russos no Brasil, então nem preciso te dizer.
A maneira como ele escreve me agrada, é como se estivesse contando um caso. O que deve ser novidade para os russos, para nós é uma velha história: como nasceu, e onde chegou o Primeiro Comando da Capital. Artemiy Semenovskiy não economiza tintas de cores fortes para descrever o PCC, o sistema carcerário brasileiro, e a Polícia Federal:
“Paroxismo engraçado: o próprio poder gerou e criou seu inimigo mais terrível, porque o PCC surgiu como uma reação ao caos da polícia, à desumanidade do sistema prisional, à indiferença de juízes e funcionários.” — até o russo já percebeu isso, mas nós queremos insistir mais no mesmo caminho para ver se chegaremos a um destino diferente.
Artemiy se interessa pela política brasileira, mas não parece ter uma ideia clara do que acontece por aqui, apesar de estar mais bem informado que eu — enquanto eu o entrevistava, ele comentou que a Dilma estava em St. Petersburgo. Eu fui conferir, e:“Dilma, na Rússia, ressuscita slides e se irrita com tradução de sua palestra”.
Governos desmoronando e uma polícia perdida e desmotivada, sem ter como controlar a criminalidade, pois prender um indivíduo significa colocá-lo dentro de uma organização criminosa na qual ele poderá determinar a morte do próprio policial que o prendeu. É assim em todos os estados, só muda a sigla da facção, e a virulência da gangue. — é a avaliação de Artemiy.
Nós brasileiros não aprendemos com o passado, mas Artemiy Semenovskiy, que é russo, vê aqui o que já aconteceu em sua terra com Lênin, ou na Alemanha com Hitler: a necessidade de um bode-expiatório. Para Artemiy a bola da vez são as facções criminosas, de preferência o PCC, mas para que o plano seja perfeito é preciso que o inimigo seja externo:
A Máfia Russa — cumpre duas funções: o inimigo externo, que não pode ser tocado e nem mensurado. E o atual governo ainda pode acusar o anterior de conspirar com a Rússia, pois os governos Lula e Dilma tentaram aproximação com o país. O inimigo perfeito, pois até os PCCs, por fazerem parte da sociedade brasileira, têm seus defensores.
Em uma campanha eleitoral o mérito das propostas dos candidatos não fará diferença, mas sim o poder de vender a ilusão que o inimigo imaginário possa ser contido, e para isso qualquer governo pode atacar um grupo minoritário. Para Artemiy a escolha já foi feita: desta vez serão as pessoas presas no sistema penal, e os russos.
Quando me deparei com o texto desse russo, achei que era um garoto que estava criando uma teoria da conspiração com o seu Comitê Público para a Libertação dos Cidadãos Russos no Brasil (CPLCRB), mas depois de dois dias de intensa pesquisa vi que realmente o cara ficou preso em Manaus e tem conhecimento de causa.
Agora, cabe a você analisar com o seu conhecimento, somado aos dados passados por Artemiy, e concluir se ele realmente tem razão, total ou parcial, nas conclusões as quais chegou. Quanto a mim, outro dia volto aqui para contar as aventuras e desventuras passadas por ele nesse caso, assim como de outros russos que estão presos no Brasil.
O Primeiro Comando da Capital teria julgado Bruno Marabel no Tribunal do Crime da facção PCC 1533 e o teria sentenciado à morte o jovem que matou em 2020 sua mãe e seu padrasto, a mulher com que com ele vivia e seus dois filhos de 6 e 4 anos.
El caso de Bruno Marabel “la casa del horror de Paraguay” | Criminalista Nocturno
Por ter sido torturado por agentes carcerários em na Penitenciária Nacional de Tacumbú, Bruno foi transferido para Centro de Rehabilitación Social (Cereso) de Itapúa onde teria sido alertado que sua vida estaria em risco. Devido a natureza de seus crimes, a organização criminosa PCC teria decidido que o jovem deveria morrer. Transferido novamente, agora para a Penitenciaría Regional de Concepción.
Citando Sérgio Luiz Souza Ribeiro Filho, crava que as instituições públicas deveriam assumir o controle da imposição de regras dentro dos presídios, algo que hoje está nas mãos das facções criminosas, em especial o Primeiro Comando da Capital.
Chama Leandro Menini de Oliveira para explicar que as organizações criminosas ganharam força nos presídios “ao longo dos anos, irá se intensificar ainda mais se não houver um posicionamento mais eficiente da estrutura de controle do Estado”.
Ari cita meio envergonhadamente, mas com uma pontinha de admiração, a doutrina do alemão Gunther Jakobs conhecida como Direito Penal do Inimigo, que prega em suma, a exclusão dos direitos fundamentais dos encarcerados.
Apesar de eu, particularmente gostar da ideia da família Bolsonaro cumprindo pena por seus crimes nesse sistema penal, eu luto para que ninguém, inclusive ela, seja privada de seus direitos básicos.
O PCC e a realidade do sistema carcerário brasileiro
Ari, no entanto, parece desconhecer a realidade carcerária, a história da facção PCC e da organização dos encarcerados no Brasil.
A facção paulista que dominou os presídios se contrapôs à política enrustida baseada na decrépita teoria Direito Penal do Inimigo, aplicada durante o Regime Militar e no governo de Fleury Filho em São Paulo, e que Ari parece ter uma ponta de admiração.
Durante a política populista de Fleury, cabeças rolavam no interior dos cárceres como protesto contra celas onde presos dormiam sentados, encostados uns nos outros sem banho, sequer de sol, só comiam os mais fortes e os estupros de encarcerados e familiares eram constantes.
Ari e tantos outros que hoje se mostram preocupados com o “controle do Estado” dentro dos presídios, fazem questão de esquecer que foi justamente a falta de “controle do Estado” que causou todo o problema.
O artigo cita a opressão carcerária apenas uma vez, para dizer que o PCC deixou de aplicar aquilo que prometia em sua criação, e a única vez que cita o problema da superlotação, termina com essa pérola:
“O contexto fático-social contemporâneo apresentado pelos presídios nacionais acaba por exigir do Estado uma maior eficiência em face do combate ao crime organizado no País, tendo em vista que as medidas adotadas até o presente momento parecem não ter surtido efeitos positivos”.
Direitos humanos, direitos fundamentais, higiene, condições carcerárias são questões totalmente ignoradas ou relativizadas no texto, em compensação o “controle do Estado” é citado onze vezes e “intervenção” aparece dezenove vezes.
Ari de Moraes Carvalho descobriu a roda, ou melhor, o celular
Foram 51 citações das comunicações telefônicas
Creio que seu texto foi uma ode aos governos do PSDB, do qual deve ser um grande admirador, visto que foram justamente os governadores tucanos paulistas que conseguiram eliminar quase por completo a presença dos celulares nos presídios através de um rígido controle e escaneamento das visitas — pleito que ele agarra com as duas mãos gritando a plenos pulmões que essa é a solução.
Há alguns anos, fui chamado a Delegacia de Polícia para dar explicações sobre esse site. Em determinado momento fui inquirido sobre qual seria a solução problema carcerário, ao que eu respondi que “essa é uma questão complexa, que exige uma solução complexa e interdisciplinar, se fosse algo muito simples, era só perguntar para o presidente Bolsonaro”
A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio – para efeito de comparação, em toda a última ditadura civil-militar, que durou 21 anos, 434 pessoas foram mortas pelo Estado.
Os Crimes de Maio — licença para matar
O Boletim Criminal Comentado de Junho 2020 cita o caso da chacina promovida por policiais como resposta aos ataques do PCC em maio de 2006 quando analisou a federação do Caso Marielle Franco;:
Há exatos dez anos, entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, pelo menos 564 pessoas foram mortas no estado de São Paulo, segundo levantamento da Universidade de Harvard, a maioria em situações que indicam a participação de policiais.
A maior parte dos casos, apontam pesquisadores, fazia parte de uma ação de vingança dos agentes de segurança do Estado contra os chamados ataques da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que se concentraram nos dois primeiros dias do período.
A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio, a maior do século 21 e talvez a maior da história do país – para efeito de comparação, em toda a última ditadura civil-militar, que durou 21 anos, 434 pessoas foram mortas pelo Estado.
Uma década depois do massacre de 2006, apenas um agente público foi responsabilizado pelas mortes. Condenado, ele responde a recurso em liberdade e continua atuando como policial militar.
O gritante número de assassinatos e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem ao movimento Mães de Maio, formado principalmente por familiares das vítimas do massacre.
Uma das milhares de história dos sobreviventes do Massacre de Maio de 2006
“Os jovens que entraram na cela comigo não sabiam como agir, já que era a primeira rebelião de muitos. Pedi para eles deitarem e abaixarem a cabeça. Fui o último a entrar na cela, quando um PM chegou na porta e me chamou. Nesse instante, um menino ao meu lado, nervoso, não havia tirado sua blusa e estava tremendo muito. Eu falei para ele tirar a blusa. O policial falou: ‘ô, ladrão’. Quando virei para ver o que era, ele disparou”.
É um orgulho para a Família 1533 ver sua ideologia se espalhar: a lei do certo pelo certo, na qual o errado é cobrado. No entanto, nem todos nos lembramos como tudo começou, mas foi mais ou menos assim, como eu, com a ajuda de Lavoisier, vou contar para você…
Como previsto por Lavoisier:
“Nada se cria, tudo se transforma”, seja na natureza ou na sociedade, e a facção PCC nada mais é do que um fenômeno social resultante de uma cadeia de eventos que transformou a energia de um impulso inicial — como em um pêndulo de Newton.
Tudo começou durante o Regime Militar…
Imagine uma mão soltando a primeira bolinha do pêndulo de Newton…
José Carlos Gregório, o Gordo, um dos fundadores da Falange Vermelha, nos conta:
Até então, dentro do presídio imperava a “lei do mais forte”, a do “todos contra todos” e a do “cada um por si”, mas o Estado soltou a primeira bolinha do pêndulo de Newton ao colocar os presos políticos juntos com os presos comuns do Rio de Janeiro.
Nasce a Falange Vermelha
A energia mecânica do impulso inicial se espalhou até que todos passaram a agir em harmonia, nascendo o primeiro grupo de encarcerados com consciência social dentro do sistema prisional brasileiro com um inimigo comum: os agentes repressores do Estado.
Desde então, dentro do presídio passou a imperar o “sozinhos somos fortes, unidos somos invencíveis”, “todos contra um”, e o “até a última gota de sangue”para defender os irmãos contra a opressão do Estado e dos outros presos.
Repare que, até aqui, o grupo que acabou vindo a se denominar Falange Vermelha buscava somente evitar os abusos do sistema prisional e seus agentes e dos presos mais fortes sobre os mais fracos, além de mediar, em paz, interesses e desavenças.
O correto seria defini-los como um grupo de prisioneiros, e não de criminosos, cujo pacto valia apenas dentro da muralha do Presídio da Ilha Grande. Ao sair, o egresso voltava a agir sozinho ou dentro de sua quadrilha por suas próprias regras e interesses.
A Falange Vermelha teve vida curta, mas deixou filhos, e, para manter o movimento, o Estado deu um novo impulso ao pêndulo: a violência policial nas ruas.
Nasce o Comando Vermelho (CV)
Os egressos do sistema prisional viram que a violência dos agentes do Estado acontecia também fora das muralhas, nas comunidades carentes a que eles pertenciam, e não se restringiam apenas aos criminosos: a covardia incluía trabalhadores, mulheres e crianças.
Agora eles sabem como agir.
Esses que saíram dos presídios passam a aplicar fora das muralhas o que aprenderam lá dentro: a força do “sozinhos somos fortes, unidos somos invencíveis”, “todos contra um”, e o “até a última gota de sangue”para defender os irmãos contra a opressão do Estado.
Nas comunidades cariocas, carentes de serviços públicos, os egressos se travestem de uma justificativa social e passam a ver e serem vistos como defensores dos mais fracos contra os mais fortes e contra a violência policial — síndrome de Robin Hood.
Assim nasce o Comando Vermelho sob o lema: “Liberdade. Paz. Justiça.”.
Diferente das normas de convivência da Falange, cujos conflitos eram negociados caso a caso, o Comando Vermelho cria um conjunto de regras fixas e válidas dentro e fora das trancas e que todos devem respeitar, independentemente da posição dentro da criminalidade.
O grupo criminoso estava restrito ao Rio de Janeiro, e, para manter o movimento, o Estado deu um novo impulso ao pêndulo: os perigosos presos paulistas.
Nasce o Primeiro Comando da Capital
Como besteira pouca é bobagem e os governos militares não fazem pouca bobagem, o governo de São Paulo, insuflado pelos generais de plantão, transfere para o Rio de Janeiro seus criminosos mais perigosos: assaltantes de bancos e sequestradores.
O embrião do PCC estava restrito ao Carandiru, e, para manter o movimento, o Estado deu um novo impulso ao pêndulo: o massacre dos 111.
A facção PCC após o massacre do Carandiru
Essa história ainda vai longe. Passo a passo, o Estado com a sempre atuante PMSP forneceu as condições favoráveis para a estruturação da mais eficiente organização criminosa da América do Sul.
Após o massacre, o Primeiro Comando da Capital se organizou e se fortaleceu na Unidade de Custódia de Taubaté, produzindo três documentos que definiriam o futuro das organizações criminais: Estatuto, Dicionário e a Cartilha de Conscientização da Família.
É um orgulho para a Família 1533 ver sua ideologia se espalhar: a lei do certo pelo certo, na qual o errado é cobrado. No entanto, nem todos nos lembramos como tudo começou, mas foi mais ou menos assim como eu contei para você.
Os pesquisadores mineiros, no entanto, querem saber
É nesse ponto que entram Willian Henrique, Caio Augusto e você, que talvez possa ajudá-los na busca por essas respostas:
Eles querem saber qual foi a estratégia adotada pela facção paulista para se tornar um modelo internacional de organização criminosa, e qual foi a sua influência nas outras facções brasileiras;
Eles querem saber qual é a importância do característico respeito à hierarquia e à disciplina dentro da organização criminosa na construção da facção PCC 1533 no imaginário popular; e
Eles querem saber qual é o impacto criado, na imagem da facção, da violenta aplicação de seu sistema de justiça, que utiliza meios bárbaros como:
desmembramento de um condenado enquanto o justiçado ainda está vivo;
o uso da cabeça arrancada de um inimigo morto para jogar futebol; e
filmagem da tortura, confissão ou troca de camisa, e morte.
Mas a pergunta que parece não se calar é: por que um grupo criminoso de grandes proporções chama tanto nossa atenção.
A pesquisa científica e os militares — hoje e ontem
A única resposta que William Henrique e Caio Augusto não precisarão buscar é sobre o responsável pelo sucesso da facção. Essa é conhecida: a mão que impulsionou a primeira bola do pêndulo de Newton e que nunca se omitiu de realimentá-lo com novos impulsos.
Lavoisier nos explicou a transformação de energia em movimento, e você pode ver essa teoria colocada em prática: o Primeiro Comando da Capital é uma daquelas bolinhas do centro do pêndulo, que foi impulsionado e também impulsiona.
Os pesquisadores mineiros parecem querer questionar a eficácia do “sistema penal e carcerário”, ignorando que as mãos que impulsionaram todos os movimentos aqui mencionados nunca se ocultaram sob o anonimato, tendo nome e patente conhecidas:
Os generais Newton Cruz e Golbery do Couto e Silva foram os idealizadores da transferência dos presos políticos para junto dos criminosos comuns, e depois dos presos mais perigosos de São Paulo para o Rio de Janeiro.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que eles estavam no caminho certo e pretende seguir adiante, aperfeiçoando ainda mais esse sistema, que esses pesquisadores parecem querer questionar com sua pesquisa científica.
A última lição de Lavoisier:
Jean-Baptiste Coffinhal e seu séquito de mentecaptos cidadãos parisienses gritaram para Antoine Laurent Lavoisier enquanto este subia à guilhotina para ter sua cabeça cortada:
Jair Messias Bolsonaro e seu séquito de mentecaptos “cidadãos de bens” gritarão para William Henrique e Caio Augusto:
O Brasil não precisa de pesquisadores, precisa de polícia nas ruas com licença para matar!
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
Dentre os convidados, o pesquisador Ubirajara Chagas Favilla do Instituto Brasileiro de Direito e Criminologia abordará a facção Primeiro Comando da Capital onde traçará o perfil da organização criminosa e seu real poder dentro e fora das muralhas carcerárias.
Se você não se recorda de Ubirajara, me permita lhe refrescar a memória.
O tempo, assim como o PT, passou e vieram a Lava Jato, Bolsonaro, Dória e Witzel que desdenham dos limites legais impostos sob o argumento do combate a um mal maior, e agora como fica e como essa nova política de abate está influenciando a facção Primeiro Comando da Capital?
O pesquisador colocava mesmo balaio de gato a facção PCC 1533 e as milícias, denominando-as como “organizações criminosas privadas”, que tinha como característica se utilizarem da violência para impor seu poder e domínio, em contraposição aos grupos criminosos políticos e econômicos.
As milícias seriam organizações “privadas” à parte das instituições públicas policiais e militares e dos grupos políticos?
A ligação dos políticos cariocas, incluindo a família Bolsonaro expuseram que a máquina pública sustenta e apoia as milícias, e essa utilizam equipamentos, logística e pessoal pagos pelo Poder Executivo.
O Primeiro Comando da Capital no Rio de Janeiro, assim como seu aliado Terceiro Comando Puro (TCP) e o que sobrou dos Amigos dos Amigos (ADA), enfrentam um novo desafio, enfrentar o Estado com seu braço miliciano – será esse um dos pontos a ser abordado por Ubirajara?
Bolsonaro, Witzel e Dória se elegeram sob a bandeira do combate ao Primeiro Comando da Capital e à outras facções, no entanto as politicas de encarceramento em massa e de impunidade para os crimes cometidos por policiais que prendem e matam crianças e qualquer um lhes pareça suspeitos estarão contribuindo para o enfraquecimento da organização ou, ao contrário, estarão conquistando corpos e corações para alimentar os grupos criminosos?
Esses são apenas alguns dos pontos espinhosos que Ubirajara terá que esclarecer durante o seminário no Rio de Janeiro. Se no passado era simples separar o joio do trigo, hoje o desafio está outro nível, quem participar dos debates verá.
Aposta na troca de conhecimento e experiências
Os organizadores da décima quarta edição do seminário mantiveram o formato das edições anteriores nas quais o debate mediado e a troca de experiências entre participantes, palestrantes, autoridades e pesquisadores, permitiram que pensamentos diversos encontrassem um ambiente fértil para conhecer de forma produtiva suas contraposições, permitindo que cada participante pudesse reavaliar suas próprias convicções.
Conheça os demais palestrantes e os tópicos abordados:
Colocando em dúvida as conclusões de pesquisadores e seus argumentos contra as alterações na legislação propostas pelo governo federal
A facção PCC 1533 entre o Impuro e o Puro
De certo, Bolsonaro e Sérgio Moro estão certos, e o tempo há de provar.
Eu não tenho dúvidas que a “voz do povo é a voz de Deus”, e foi o povo quem elegeu nas urnas Jair Messias Bolsonaro e nas ruas e nos corações Sérgio Moro; portanto, eles representam a vontade de nosso povo e, consequentemente, a de Deus.
As mudanças legislativas propostas permitirão o efetivo combate aos criminosos pelas ilibadas forças policiais nas ruas assim que forem retiradas as amarras que ameaçam os agentes da lei com punições por supostos abuso de autoridade.
O aparelhamento de um sistema carcerário rigoroso e a investigação criminal e financeira são as outras duas bases desse tripé que levarão ao solo as organizações criminosas como a facção paulista Primeiro Comando da Capital.
De certo, José e os outros estão errados, e o tempo há de provar.
Não venha Sandra Cristiana Kleinschmitt me dizer que a criminalidade se fortalecerá sob o império do liberalismo econômico proposto por aquele que foi eleito pelo povo e reverbera a voz de Deus. Cristina chega a afirmar que:
Não me venha Fabrício Potim me dizer que a trilha seguida pelo eleito, facilitando a compra de armas automáticas (incluindo as 9mm que até então eram de uso exclusivo das forças armadas):
com o encarceramento em massa e a maior rigidez prisional, o recrutamento de novos membros para a facção e sua doutrinação cresce exponencialmente;
com o “cidadão de bem” comprando armas, as biqueiras vão poder novamente se rearmar – em vários estados as armas hoje só estão disponíveis para missões;
com Flávio Bolsonaro no apoio, não há que se preocupar com o Coaf pesquisando as movimentações financeiras da facção; e
com o aumento da letalidade e da violência policial incentivada pelos governantes, a comoção gerada pela morte de inocentes possibilitará a criação de regras mais rígidas para controlar o trabalho policial.
Os que fomentaram o mal que nos atinge são aqueles que se apresentam como paladinos de nossa proteção: o memoricídio e a facção Primeiro Comando da Capital.
Recebi essa semana seu e-mail, no qual você pediu para que eu escrevesse sobre o tempo em que o sistema prisional ainda não estava sob o controle total da facção Primeiro Comando da Capital:
Mas não farei o que me pede, irmão.
Sem querer, você mexeu com minha sanidade ao desenterrar tristes lembranças, e agora, enquanto o respondo, sou tomado pelo frio, pela tristeza e pelo rancor que eu já havia deixado para trás.
Depois daquela noite em 1982, meus sonhos noturnos me abandonaram, e passei a sonhar durante o dia. Sobre isso, nosso amigo Edgar, quase nunca sóbrio, mas sempre com filosófica sobriedade, me disse que eu é que era um cara de sorte:
Desde que o frio, a tristeza e o rancor se abateram sobre os meus, eu nunca sei se o que vejo ou o que lembro é de fato real ou se é algo criado em minha mente por forças que eu não tenho como dominar.
Peço que desconsidere algum trecho que lhe pareça ter sido fruto de um desses sonhos diurnos forjados pelo caos que se tornou minha mente, ou então que lhe pareça que seja uma memória que jamais deveria ter sido resgatada das masmorras do passado.
O esclarecimento do crime pela Polícia Civil
Os garotos e o assassinato na chácara
Logo que voltei à cidade, por volta de 1980, vivi em uma chácara com uma mulher e seus três filhos. Formávamos um belo casal, e aquelas crianças faziam de nosso lar um lugar sagrado e feliz.
As crianças cresceram, e o mais velho, Lucas, acabara de fazer 18 anos, enquanto seus irmãos, Luciano e Luan, eram apenas um pouco mais novos – maldita hora em que eu brinquei numa noite dizendo que só faltava Lúcifer para completar a família!
Como sempre, às sextas-feiras, Lucas foi com Luciano até uma chácara não muito longe da qual morávamos, mas naquela noite houve por lá um assassinato – nunca saberemos ao certo o que realmente ocorreu, mas o dono da chácara foi morto.
Os garotos voltaram assustados e não conseguiam falar coisa com coisa – estavam em choque.
Assim como é hoje, na década de 1980, a polícia queria mostrar serviço, e no dia seguinte uma viatura veraneio preto e branca foi até a chácara para levar Lucas e Luciano à delegacia para ajudar a esclarecer o crime.
Nunca perguntei o nome daquele policial que levou os meninos, mas deve ter sido aquele que sem querer invoquei na noite anterior – Luciano não mais voltou vivo.
Sistema de (In)Justiça Pública
Polícia, MP-SP e Justiça: parceiros na injustiça
À noite, estranhamos que os garotos não voltavam da delegacia. Não tínhamos como chegar até a cidade, e Luan, o mais novo, seguiu a pé – era uma caminhada de pelo menos duas horas e ele não voltaria antes da meia-noite. Esperamos a noite toda.
No dia seguinte, a mãe dos garotos pegou uma carona com vizinhos. Na delegacia não teve notícias de Luan, informaram que Lucas confessou ter matado o dono da chácara para roubar seus pertences e que Luciano morrera:
Ao sair da chácara no dia anterior, a viatura não foi para a delegacia, e sim “fazer diligências com os garotos em uma fazenda”, e quando os policiais desceram com os garotos para “conversar” , Luan teria tentado pegar a arma do policial e foi morto.
Naquele tempo, o que o policial colocava no papel a Promotoria de Justiça aceitava (mais ou menos como acontece hoje); não havia audiências de custódia (instituídas em 2015), e os presos não eram enviados para os centros de detenção provisória (que nem existiam).
Meu sangue esfriou ao ler sua descrição do horror que eram as antigas “cadeias públicas” espalhadas por todas as cidades do interior e bairros da capital – milhares de homens enjaulados e empilhados, muitos sem julgamento, e outros tantos sem nem mesmo inquéritos (encarcerados provisoriamente pela capricho de algum político, empresário, ou delegado).
Me lembrou todas aquelas noites quando a mãe dos meninos voltava para casa contando os horrores que havia ouvido entre as mães e mulheres de prisioneiros que ficavam no entorno da delegacia – quando não eram enxotadas pelos policiais entre pilhérias como cães sarnentos.
Havia preço para tudo: ver o preso fora do dia da visita; deixar o “faxina” ou o carcereiro entrar com alguma coisa; e até mesmo a liberdade podia cantar, mas aí a conversa tinha que ser bem conversada, e não dava para nós.
Iniquidades sob os olhos vendados da Justiça
Estupro como empreendimento comercial no cárcere
Nesse ponto em que lhe escrevo, o frio, a tristeza e o rancor correm por onde antes fluía meu sangue, tudo porque você desenterrou lembranças de um passado que nunca deveria ter existido, mas que está cada dia mais perto de retornar, se não para mim, para outros.
Fico com ódio só de lembrar da noite em que a mãe dos meninos chegou chorando, pois soube que o garoto estava sendo usado como escravo sexual para que ela não fosse estuprada no dia da visita.
Quando ela relatou o caso para o carcereiro, ele se prontificou a retirá-lo da cela onde estava e colocá-lo em uma mais segura, mas pediu um dinheiro que não tínhamos, então deu de ombros.
Durante muitos anos, a mãe dos meninos ficou todos os dias em frente à delegacia para que dessem notícia de Luan, o mais novo, que havia sumido ao ir procurar os outros, e ficando lá, ela sentia que de certa foram protegia o filho que lá ainda estava preso.
Quando ela não retornava a noite, eu sabia que era por que a “tranca virou”, havia motim e algum preso iria morrer, para alegria da mídia que venderia mais jornais, dos políticos que apareceriam dando soluções mágicas ou do delegado que virava pop star.
Após o julgamento, se condenado, Lucas iria ou para a “Casa de Detenção do Carandiru” ou para a Penitenciária do Estado na capital, ambos depósitos pútridos de gente – havia outras 13 penitenciárias, mas os condenados daqui sempre iam para a capital.
Hoje, olhando para aquele tempo, vejo que o governador tentava humanizar o sistema prisional, mas a cultura do ódio havia degenerado o sistema como um câncer, alimentado por interesses políticos e econômicos enraizados na polícia durante o Regime Militar.
E mudanças culturais não ocorrem da noite para o dia:
O garoto viveu os piores horrores por quatro anos até seu julgamento, no qual foi inocentado – não havia provas, apenas a sua confissão, que foi colhida na delegacia e que apresentava contradições com a forma como o homem foi de fato morto.
Lucas foi torturado e preso por policiais que forjaram a sua confissão, mataram Luciano e sumiram com Luan que nunca fez mal a ninguém… e os responsáveis sequer tiveram que responder por seus crimes e pela tragédia que impuseram à família.
Maldita hora no qual brinquei que só faltava Lúcifer para completar nossa família! Ele não se fez de rogado, veio no dia seguinte em uma viatura veraneio preto e branca para destruir minha família e inundar de frio, tristeza e rancor minhas veias.
O Massacre do Carandiru como berço do PCC 1533
Da opressão do cárcere nasce a facção PCC
Na década de 1990, as revoltas explodiram nas “cadeias públicas” e no restante do sistema prisional brasileiro – a população carcerária não aguentava mais a opressão dentro do sistema prisional paulista, o que faz surgir a facção PCC 1533.
Carapanã: Viracasacas Podcast (em 1h11m11s do episódio 125)
Agentes públicos e gangues que agiam dentro do sistema prisional tiveram que se curvar diante de um grupo hegemônico e coeso, cessando a carnificina e a exploração.
José Roberto de Toledo, da Revista Piauí, nos conta com assombro como é essa nova realidade:
Lucas foi solto antes que a hegemonia do Primeiro Comando da Capital trouxesse para dentro dos cárceres a pacificação, e emparedasse o Estado exigindo melhores condições nos cárceres, como constava no Estatuto do PCC de 1997:
No total, 111 presidiários foram assassinados por 74 policiais, embora os presos feridos que pereceram depois nunca entraram na contagem, o que indica que cada policial teve pelo menos 1,4 cadáver para chamar de seu – apesar da atrocidade, 52 desses PMs foram promovidos.
Com a repercussão internacional do massacre e vendo que os presos não abandonaram a luta, ao contrário, recrudesceram-na, o estado de São Paulo passou a paulatinamente adotar políticas visando a criação de condições mais dignas dentro dos cárceres.
Castigo abstrato e castigo Concreto
Perdoando aquele que mata mas não perdoa
Tantos afirmavam que eu deveria entender a ação dos policiais que mataram Luciano, desapareceram com Luan, fizeram de Lucas um homem que hoje perambula pelas ruas catando latinhas, e enlouqueceram a mãe dos garotos que…
… eu aceitei e enterrei essas lembranças no fundo das masmorras da memória e não mais pretendia resgatá-las, perdoando e esquecendo o mal causado por aqueles assassinos, que por sua vez, não foram capazes de perdoar um garoto empinando pipa com uma paradinha na mão:
“Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.”
Para uns, o que aqueles policiais militares fizeram no Carandiru ou o que os policiais civis fizeram com os meninos foram crimes cujos responsáveis deveriam ter sido punidos, mas, para outros, não.
Para uns, o que aqueles garotos, que empinam pipas ou conversam nas ruas e praças e vendem drogas para quem os procuram, fazem deveria ter uma punição, mas, para outros, não.
Em algumas nações, esses policiais ficariam presos, isso se não fossem condenados à morte, enquanto em outras nações os garotos poderiam vender legalmente certas drogas em lojas.
O Primeiro Comando da Capital conquistou a hegemonia pela força, assim como as forças policiais mantêm sob controle a criminalidade com demonstrações de poder e crueldade. É o efeito dobradiça descrito pela pesquisadora Tarsila Flores:
A complexidade que envolve a referida situação repugna toda e qualquer tentativa na suposta identificação de um único responsável que dispare o gatilho da geração desse fenômeno.
Enquanto “cidadão de bem” torce para preso morrer, Cristo…
Um longo caminho separa a justiça carcerária
Desde que tudo isso aconteceu com os meninos, a realidade mudou muito à custa de rios de sangue, inclusive de inocentes.
A organização dos cativos em torno da facção Primeiro Comando da Capital, assim como governos que investiram na aplicação de metodologias humanistas na administração carcerária, conseguiu manter a fervura sob controle.
No entanto, ainda hoje há presos cuja totalidade da pena já foi cumprida, porém ainda se encontram nas dependências do cárcere, esperando o BI para cantar a liberdadeque deve ser feito por um advogado, profissional que, por vezes, aproveita mais essa oportunidade de lucrar com as famílias.
A iniquidade aumenta o grau de insatisfação e revolta dos internos no sistema prisional, o que não deve acabar tão cedo, afinal alguém tem que sustentar um milhão e cem mil advogados e mais cem mil formados todos os anos.
A sociedade é complexa e os interesses se opõem, isso é natural, algo da condição humana. Não há bons e nem maus, apenas pessoas que querem viver e lutam pelo seu espaço, e por isso que não vou escrever sobre o que você me pede, pois desenterraria antigas lembranças.
Eu escolhi por minha própria vontade enterrar a lembrança dos crimes cometidos por aqueles policiais, chancelados e protegidos por Promotores de Justiça e Juízes? Será que eu enterrei fundo aquelas lembranças por minha própria opção?
Giselle afirma que não. Eu fui apenas um entre milhares ao longo de nossa história, pois esse memoricídio acontece no Brasil desde a chegada dos portugueses, passando pela escravidão e pelo Regime Militar.
Doutrinando no esquecimento seletivo
Eu, Giselle, aquele policial que estava na viatura preto e branca que foi buscar os garotos e os profissionais da máquina prisional na década de 1980 éramos crias da Ditadura Militar.
“De alguma maneira, essas décadas produziram um esquecimento, sobre o presente de então, que agora é o nosso passado.”
A decisão de perdoar e esquecer tomada por nós que tivemos nossos garotos mortos, torturados, presos ou desaparecidos foi induzida pelo clima da “anistia ampla geral e irrestrita”, que se incorporou à cultura nacional pós abertura política e vige até hoje.
Políticos populistas prometem endurecer o sistema prisional e ampliar o poder dos agentes prisionais e policiais – sob os zurros de aprovação de jovens que nem tem ideia do que isso de fato significa.
Cada um desses garotos que zurram acredita estar protegido por sua bolha imaginária, como se Lúcifer se importasse se de fato eles são trabalhadores, estudantes ou vagabundos – assim como foi no passado, o Promotor e o Juíz acreditarão na versão que o policial apresentar.
Eu desejaria que você não tivesse tirado do fundo da masmorra de minhas memórias essas lembranças que envenenaram novamente meu sangue e minha mente, e, por isso, não vou escrever sobre o que você pede, mesmo por que não poderei escrever por algum tempo.
Hoje, dia dos pais, eu estava a caminho do cemitério para visitar o túmulo de Luciano, quando vejo Lúcifer,de óculos escuros, estacionando sua Hilux preta…
Desde que o frio, a tristeza e o rancor se abateram sobre os meus, eu nunca sei se o que vejo ou o que lembro é de fato real ou se é algo criado em minha mente por forças que eu não tenho como dominar.
Peço que desconsidere algum trecho que lhe pareça ter sido fruto de um desses sonhos diurnos forjados pelo caos que se tornou minha mente, ou então que lhe pareça que seja uma memória que jamais deveria ter sido resgatada das masmorras do passado.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
A utilização da Lei Antiterrorismo no combate ao Primeiro Comando da Capital e as demais organizações criminosas: uma opção na eterna batalha entre as trevas e a luz.
O criminoso por natureza foge da luz
Estamos na iminência de um período de trevas, mas eu, assim como a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, sempre preferi as sombras à luz.
Muitos, assim como eu, buscam o breu a fim de manter ocultas suas atividades criminosas, sejam em barracos nas periferias ou em processos judiciais nos gabinetes públicos e privados, mas, cada um a sua maneira, busca a penumbra.
Márcio Vinícius Nunes sugere que utilizemos a Lei Antiterrorismo 13.260/16 para inundarmos de luz o país em seu TCC para a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB):
Apesar do nome pomposo, o trabalho é bastante simples, sendo possível fazer sua leitura em poucos minutos, e diria que é assustadoramente primária a linha de raciocínio do autor do estudo.
Nele, Márcio Vinícius defende a utilização da Lei Antiterrorismo que, por sua natureza de “situação de exceção”, suspende em parte direitos individuais.
Em certo ponto, o autor chega a sugerir que é possível ignorar o abuso de poder por parte das autoridades.
Para validar seu ponto de vista, Márcio Vinícius cita como fonte a dissertação de Vera Lúcia Monteiro da Mota Melo, apesar de não apontar em que ponto da obra da autora essa tese é defendida:
O mais assustador é que Vera Lúcia tem um posicionamento diretamente oposto ao de Márcio Vinícius, colocando-se, enfaticamente, contra o desrespeito aos direitos humanos e o endurecimento dos processos investigativos:
Sendo assim, com o apoio da população e o silêncio do Judiciário, poderíamos jorrar luz nos recantos mais escuros, com apenas algumas concessões aos investigadores, tal qual aconteceu na Lava Jato ou acontece diariamente nas delegacias e periferias.
O acadêmico lembra que as organizações criminosas utilizam questões sociais para começarem “verdadeiras revoluções” armadas enquanto oprimem as populações que vivem sob seu domínio nas periferias das grandes cidades.
Seguindo o atalho proposto sugerido en passant por Márcio Vinícius desbarataríamos as milícias cariocas e seus aliados políticos que possuem arsenal suficiente para encarar de frente as Forças Armadas.
Nesse ambiente salutar proposto pelo pesquisador, Fabrício José Carlos de Queiroz seria jogado à luz e traria consigo todos aqueles que com ele estariam envolvidos e que hoje se escondem sob negras togas.
“Follow the money” bradam os investigadores que lutam contra a corrupção, o terrorismo e as organizações criminosas por todo o mundo. “Sigam o dinheiro” bradaríamos nós, mas infelizmente o crime organizado por aqui é mais forte e unido.
Índice de Capacidade de Combate à Corrupção 2021 nos países com maior influência da facção Primeiro Comando da Capital:
Flávio Bolsonaro, para alegria do Primeiro Comando da Capital, das milícias e dos demais grupos criminosos, conseguiu barrar centenas de investigações por todo o país. Contudo, se o “crime organizado” estivesse seguindo o trâmite da Lei Antiterrorismo esses artifícios judiciais deixariam de proteger aqueles que temem a luz.
O jornal Folha de S.Paulo ganhou o Leão de Ouro com uma propaganda cujo mote era: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”.
Marcos Vinícius faz exatamente isso, apresenta o histórico das guerrilhas brasileiras para concluir:
Publiquei diversos artigos que confirmam a informação que o Comando Vermelho teve forte influência da ideologia revolucionária. É fato, assim como o que os integrantes das guerrilhas e dos movimentos políticos não migraram para as facções.
O Primeiro Comando da Capital teve sua origem nos grupos criminosos locais, tendo importado apenas o Estatuto da Falange Vermelha sem ter tido em seu meio intelectuais, ex-guerrilheiros ou membros de grupos armados que se contrapuseram ao Governo Militar.
Vavá da Luz lembra-me que o jornalista Carlos Amorim relata no “O assalto ao poder e a sombra da guerra civil no Brasil”, uma fala do padre português e revolucionário Alípio de Freitas sobre sua atuação dentro das prisões brasileiras:
Tudo o que os intelectuais queriam era resistir ao sistema penal. No meio, os presos comuns iam aprendendo a se organizar. (…) Depois, os intelectuais foram embora e deixaram a semente. Os outros se apoderaram.
Tenho poder de organização. Organizo grupos por onde ando. Fiz isso em todas as prisões por onde passei. Não me arrependo. Perguntem à polícia por que um grupo de malfeitores se apoderou na cadeia dos princípios da organização dos presos políticos. Primeiro, nos misturaram alegando que ambos assaltávamos bancos. Depois, mataram na cadeia todas as lideranças entre os presos comuns, os que estudaram conosco. Pensavam com isso desmantelar o CV ou o PCC. Mas deixaram os bandidos, a cadeia entregue à bicharada, unida à polícia corrompida.
Martin Luther King Jr e a caça ao terroristas
A leitura do trabalho deixa claro que o autor sequer buscou uma prova que confirmasse sua teoria e não apresenta sequer evidências exceto demonstrar que há coincidência de modus operandi entre os dois grupos:
Já apresentei neste site trabalhos e artigos sérios que apresentam fatos e argumentos de que o Primeiro Comando da Capital teria vinculação ou características de um grupo terrorista, fica a dica de leitura.
Vera Lúcia, citada por Marcos Vinícius deixa seu alerta:
O governo de Jair Bolsonaro através da portaria 666 estabelece novas regras para a deportação de estrangeiros e prova como a ampliação dos poderes do Estado pode servir mais aos governantes que preferem caminhar pelas sombras para perseguir minorias e grupos que lhe fazem oposição do que à proteção de seus cidadãos.
A facção PCC 1533 mantêm negócios com o Hezbollah e outras organizações terroristas extrangeiras, mas seu know how é 100% made in Brazil — para desespero daqueles que acham que estão no caminho certo.
E encerro com a citação, feita por alguém que na época era um presidiário, com a qual Vera Lúcia inicia sua dissertação:
A morte de integrantes do Primeiro Comando da Capital em Pernambuco levanta novamente a questão: a polícia pode matar quem está sob custódia?
Que a polícia mata nós sabemos… e aceitamos
Há alguns dias postei aqui um artigo que discute os limites aceitos por nós, a sociedade, sobre policiais que matam impunemente aqueles que eles acreditam ser criminosos: Pena de Morte no Brasil, sim ou não?
Existe um limite mais ou menos bem estabelecido, de maneira informal, mas que tem funcionado, como acontece nos casos de resistência ou de troca de tiros, cuja apuração é simbólica e não há punição dos culpados, mesmo que tenham havido excessos.
Não faltam exemplos disso, como citei na matéria anterior, mas a sociedade não aceita o justiçamento, isto é, após o entrevero, o agente público matar o prisioneiro ou, na falta de provas, assassinar aquele a quem ele atribui um crime.
A morte do PCC José Batista de Souza e seu colega entra justamente nessa zona. Entenda o que aconteceu:
Há alguns dias, criminosos explodiram um caixa eletrônico do Bradesco em Serinhaém, e teriam sido localizados a 150 quilômetros na cidade de Carpina.
A Polícia Militar ainda vai explicar direitinho como é que chegou até eles e quanto foi recuperado do que teria sido roubado desse e de outros assaltos praticados nos estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Pela abrangência das ações da quadrilha, com certeza muito deverá ser recuperado para seus legítimos donos. Quanto aos assaltantes, um bateu a cabeça e morreu, então não vai poder falar mais nada; outro trocou tiros com a polícia.
Ninguém questionaria a morte do bandido que bateu a cabeça, e isso entra na zona obscura aceita pela sociedade. (Quem somos nós para questionar a decisão do ladrão de pular em um poço?)
O que eles sabiam que não podia ser revelado?
Mas e o caso da ambulância? José Batista de Souza, o criminoso que trocou tiros com a polícia, teria sido ferido na perna esquerda, tórax e braço esquerdo e levado para a Unidade Mista de Carpina para os primeiros socorros. De lá, foi colocado em uma ambulância para ser levado para Recife.
Se José Batista de Souza trocou tiros com a polícia e foi socorrido, ele estava sob custódia. Onde estavam os policiais responsáveis pelo acompanhamento?
O Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) e sua estratégia de expansão e domínio do mercado transnacional de ilícitos (MTI) na América Latina baseiam-se no uso de mão de obra do sistema prisional.
Sem estresse, os negócios vão bem, obrigado.
O Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) continua crescendo, com seus executivos desenvolvendo estratégias e conquistando novos mercados e seus funcionários seguindo motivados em todas as filiais em todos os estados e países.
Não há como se estudar os crimes transnacionais do Cone Sul sem entender a facção paulista Primeiro Comando da Capital, e Letícia não se faz de rogada, analisando profundamente a origem e a história da gangue nascida em São Paulo.
As origens do PCC definiram seu presente
Fomos você e eu quem definimos a forma como as drogas e armas seriam hoje transportadas do exterior para dentro de nosso território, você se lembra?
Letícia deixa que Camila Caldeira Nunes Dias conte como a semente foi plantada no final de 1993, quando na Casa de Custódia de Taubaté (o Piranhão) os presos se reuniram para protestar contra a crueldade exercida pelos agentes penitenciários.
Talvez você, assim como eu, se lembre que nós entendíamos que preso tinha mesmo é que sofrer, e prisão deveria ter as piores condições de vida; mas, pensando assim, colocávamos no governo pessoas que também professavam as mesmas convicções.
A queda de braço entre governo e presos foi sangrenta, e forjou o espírito dos homens que tomariam em suas mãos, no futuro, o controle do tráfico internacional de drogas e armas — o embrião do PCC foram aqueles prisioneiros.
Camila conta que nos anos de 1994 e 1995 a base se solidificou graças a intensificação da repressão dentro do sistema carcerário — quanto mais dura se tornava a vida no cárcere, mais presos se aliavam à bandeira de solidariedade empunhada pelo PCC.
“… as demonstrações de crueldade e de espetacularização da violência […] desempenharam uma série de funções na conquista e na manutenção do poder e do domínio do PCC sobre a população carcerária.”
Enquanto eu e você aplaudíamos as atrocidades que aconteciam dentro dos presídios, o Primeiro Comando da Capital ganhava adeptos fiéis entre a população carcerária, e esses passaram a atuar como soldados da facção dentro e fora dos presídios.
Entre 2002 e 2004, conquistaram a pacificação dentro dos presídios e começaram a disseminar a cultura de que os presos deveriam eleger um grupo mediador, capaz de estabelecer acordos e manter a paz dentro das muralhas.
Quando os presos deixaram de se enfrentar, ganharam força e organização para exigir do Estado melhores condições de vida dentro dos presídios.
A pena é longa, mas não é eterna, e, paulatinamente, os prisioneiros vão ganhando as ruas e levando consigo as técnicas de negociação, união e pacificação desenvolvidas pela facção dentro das muralhas — graças às escolhas que eu e você fizemos.
As novas lideranças são treinadas dentro das trancas e saem prontas para o gerenciamento do pessoal fora dos presídios. Os escritórios são as celas onde se discutem estratégias, mas a organização ainda tem dificuldade em conseguir adeptos nas ruas.
Nós, eu e você, não satisfeitos por termos criado uma organização estruturada dentro dos presídios, buscamos fortalecer a facção fora. A violência policial e os grupos de extermínio tinham amplo apoio, e jovens eram mortos às pencas.
Se faltava apenas uma razão para a facção justificar para seus membros uma ação contra o “Estado opressor e sua polícia”, nós a entregamos de bandeja, e a liderança do Primeiro Comando da Capital não perdeu a oportunidade e mandou seus soldados atacarem.
Os ataques do PCC de 2006 no estado de São Paulo ficaram registrados na história, mas não era esse não era o principal objetido da liderança, como conta Guaracy Mingardi:
“Para todos no sistema, o recado é que o Estado não tinha forças para enfrentar o PCC. Isso aumentou o prestígio do grupo, principalmente, nos presídios e entre os jovens rebeldes da periferia.”
Como filhos, nós os trouxemos ao mundo e lhes mostramos o caminho a seguir, e se eles fizeram as escolhas que fizeram, não podemos nos eximir de nossas parcelas de culpa. O fato é que, crescidos, eles ganharam as ruas do Brasil.
Letícia explicou que o PCC cuidou de conseguir apoio dentro do sistema presidiário dos estados fronteiriços antes de cruzar as fronteiras, mas para isso precisaram de ajuda — e claro que eu e você não íamos deixar o pessoal do PCC na mão.
Lembra quando falaram em mandar para bem longe os prisioneiros que lideravam as revoltas? Nós aplaudimos e dissemos “amém”, e quanto mais longe fossem, melhor seria, não é mesmo?
Marcelo Batista Nery conta para Letícia que a consequência de nossa grande ideia foi o fortalecimento da posição do PCC dentro das trancas do Mato Grosso do Sul, Roraima e Rondônia, nas fronteiras do Paraguai, da Bolívia, da Venezuela e da Guiana.
Na Bolívia e no Paraguai, o mesmo padrão que nós levamos o PCC a desenvolver está servindo para a implantação da facção: aproveitar a opressão dentro do sistema carcerário para conquistar seguidores que, posteriormente, representarão o PCC fora dos presídios.
Marcelo ressalta que hoje a facção paulista tem se mostrado forte o bastante para controlar o comércio de drogas e armas e até gerir atividades econômicas legais, abrindo empresas e usando-as para lavagem de dinheiro.
Já o repórter Allan de Abreu nos conta que doleiros como Dalton Baptista Neman lavam o dinheiro da facção em uma operação casada: um comerciante paga um fornecedor na China em Dólar convertido de criptomoeda disponibilizada por um comprador de cocaína na Europa, daí, esse comerciante recebe pela venda da mercadoria vinda da China no Brasil em Reais e então paga o traficante brasileiro que vendeu a droga na Europa.
O chinês Jiamin Zhang se estabelecer no Brás no centro de São Paulo e é o líder de um esquema de lavagem de dinheiro com o uso de criptomoedas que pode ter movimentado bilhões de reais. Ele é acusado de trazer ao Brasil toneladas de cocaína vindas da Colômbia, Bolívia e Paraguai. Do território brasileiro, a droga era enviada para a Europa por portos da região sul do país.
No entanto, as criptomoedas também são utilizadas para lavagem do dinheiro doméstico, como se comprovou com a Operação Mamma Mia da Polícia Federal e da Receita Federal ao investigar uma pizzaria comandada pelos integrantes do Primeiro Comando da Capital que além de massas e queijo para pizzas, comprava criptomoedas e ouro para lavar dinheiro e financiar atividades da facção. — Lucas Caram para o Cointelegraph
O Comando Vermelho (CV), de aliado fiel para inimigo mortal
Em um primeiro momento, o Comando Vermelho foi peça fundamental na estratégia de crescimento internacional do Primeiro Comando da Capital, mas a facção carioca via o Paraguai como fornecedor, enquanto a facção paulista criava raízes.
O PCC implantou a cultura da facção dentro dos presídios paraguaios e começou a doutrinar seguidores — por lá, ninguém imaginava que um grupo de presos poderia financiar os estudos de seus filhos, providenciar tratamento médico e alimentos para suas famílias.
Nas ruas, montaram suas próprias bases de distribuição, inicialmente por meio de parcerias locais, adquirindo aos poucos conhecimento e abrindo os próprios caminhos.
A estratégia do PCC de negociação e ingresso em novos mercados e comunidades se mostrou perfeita para o ambiente de fronteira, onde os marcos divisórios fincados entre os países e entre os diversos setores econômicos e sociais são mais fluídos e pouco claros.
Quando a estrutura estava sólida, a parceria com a facção carioca CV passou a ser um peso que precisou ser eliminado, e a guerra pelo monopólio foi iniciada com uma ação cinematográfica típica da facção 1533: o assassinato de Jorge Rafaat Toumani — Letícia resume a história:
“É dessa maneira que o PCC adquiriu a liberdade necessária para fortificar as relações com os nós fronteiriços e as suas conjecturas, transformando, portanto, os sistemas carcerários em pontos intrínsecos às suas redes do mercado ilegal nacional e internacional.”
Os escritórios do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) continuam atuando, os executivos dos mais diversos níveis continuam com o desenvolvimento de novas estratégias e os funcionários continuam motivados em todas as filiais.
Graham Denyer Willis e Benjamin Lessing explicam que dentro dos presídios e no meio de milhares de soldados prontos para serem doutrinados na filosofia e nas estratégias da organização fica fácil para as chefias da facção ficarem protegidas de seus inimigos e se dedicarem ao gerenciamento dos negócios da facção.
Se bem que eles não teriam chegado aonde chegaram se não fosse por mim, você e nossas grandes ideias e escolhas de política social, carcerária e de segurança pública.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
Carlos Romero, ex-Ministro de Evo Morales, questiona qual seria o verdadeiro papel em território boliviano de organizações criminosas estrangeiras como o Primeiro Comando da Capital (Facção PCC 1533). Segundo ele, estes grupos não disputam espaço dentro do país, mas integram-se às estruturas já existentes: familiares, de agricultores ou gangues.
Ele atribui o incremento dessa participação ao desmonte das políticas de combate, de treinamento e intercâmbio com organismos internacionais, facilitando a . A falta sofisticação e diversificação da influência dos grupos criminosos:
É por isso que existem subjugações de terras com homens encapuzados e armados como Las Londra, no narcotráfico e na agricultura, mas ao mesmo tempo que estão ligados a exploração ilegal de minérios, madeira e terras.
A decisão de tirar a vida de outra pessoa por parte dos representantes do Estado deve ser aceita ou não? Como essa questão é vista em nossa sociedade e dentro da facção paulista Primeiro Comando da Capital?
Não sou Deus, mas posso ser o seu juiz. Basta que eu queira e que nos encontremos em determinadas situações para que, de acordo com uma razão obscura, eu possa te matar e não seja punido por isso.
Quem me deu a ideia de vir te contar que sua vida — e a de seus filhos, pais e amigos — pode estar em minhas mãos foi o canadense Graham Denyer Willis, através de seu artigo The right to kill?, publicado na página do MIT Center for International Studies.
Ele já começa citando um documento denominado White Paper, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ), que garante ao governo dos Estados Unidos da América o direito de tirar a vida de qualquer americano.
Então, você — e seus filhos, pais e amigos —, vivendo aqui no Brasil sob a proteção da sociedade organizada brasileira, acha que tem mais garantia de vida que um cidadão americano protegido pelo Estado de Direito estadunidense? Fala sério!
Esqueça aquela utopia iluminista e racionalista de que você está protegido pela sociedade, pois ela te deixará na mão, salvo exceções pontuais; e não reclame de eu poder te matar, pois isso é natural, seus antepassados já o haviam permitido e seus descendentes também o farão:
“A ideia de que o Estado tem o direito de matar seus próprios cidadãos raramente é contestada. De Hobbes a Weber, é explícito ou implícito que os estados decidem as condições sob as quais os cidadão podem, e os que de fato devem morrer…” — Graham Denyer Willis
Quem é o Estado? O Estado sou eu!
Não acho que sou Napoleão, muito menos Luiz XVI, mas quem você acha que é o Estado que teria, e de fato o tem, o direito de tirar a sua vida?
Se você acredita que é o Estado de Direito, pode ficar tranquilo: você vai morrer de velhice, afinal, no Brasil não existe a pena de morte.
Só que a realidade não está nem aí para aquilo em que você acredita, e por isso eu, que não sou o Estado de Direito, posso tirar a sua vida impunemente.
Na calada da noite a lei é outra — o que é ilegal
Nas periferias das grandes cidades, onde grande parte da população vive ou trabalha, o Estado de Direito só chega através de viaturas policiais que casualmente entram, fazem algumas abordagens e saem.
Só na periferia paulistana são mais de 10 milhões de pessoas, e elas não atribuem mais legitimidade às ações policiais das forças públicas do que àquelas praticadas pelas facções criminosas por meio de seus Tribunais do Crime.
Parte da sociedade apoia o Tribunal do Crime — o que é ilegal
Mesmo que a lei no papel os proíbam, são mais de 160 assassinatos que acontecem por dia em nosso país; desses, menos de 20 chegam a ter seus culpados condenados — os outros 140 são mortes de pessoas que não valem o custo da apuração.
Segundo Willis, O Estado deixa que pessoas que não lhe fazem falta morram através de sua omissão, seja dentro ou fora dos presídios — para tal basta investir na Rota na rua sem garantir a eficácia da polícia investigativa.
Parte da sociedade não apoia o policial que mata — o que é ilegal
Essa semana, a sociedade organizada deixou claro os limites em que os agentes públicos podem matar em seu nome. Não faz parte das leis escritas de nosso país, mas desse grande pacto social do qual fazemos parte, ora com kkks, ora com carinhas vermelhas.
O cabo PM Victor Cristilder Silva, como dezenas de outros agentes da segurança pública de todos os níveis, acreditou que matar bandido era algo permitido em nossa sociedade e foi a Júri com esse argumento:
“Meu sangue na veia é de policial de rua. Chegava em casa, meu filho já estava dormindo e eu não dava atenção para minha esposa. Mas o que eu estava fazendo era para melhorar a vida deles. Nunca tive nada na minha vida. Meus pais me criaram com muita dificuldade, mas nunca me desviei para o caminho do mal. Entregaria a minha vida para proteger um cidadão de bem.”
Não colou, tomou 119 anos de reclusão, mas isso não significa que a sociedade, através do seu Tribunal do Júri, declarou que policial não pode matar quem ele acha que é bandido, mas, sim, a forma como isso não deve ocorrer, marcando o limite para tal ato — e Victor passou o limite socialmente aceito.
Parte da sociedade apoia o policial que mata — o que é ilegal
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tido por muitos como aliado do PCC, foi o governador com o maior índice de letalidade policial e efetividade em prisões de membros de gangues, incluindo o tempo do governador Paulo Salim Maluf, o Rota na Rua.
Antes que alguém me corrija…
Sim, no tempo de Maluf o Primeiro Comando da Capital não existia, mas havia, sim, grupos organizados em gangues locais ou quadrilhas especializadas em assaltos a bancos e cargas e sequestros, que por vezes fechavam alguma pequena cidade para fazerem arrastões.
Alckmin prega que lugar de criminoso é na prisão ou no cemitério cada vez que a polícia paulista é acusada de chacinar bandidos, como foi o caso nesta semana, em que uma dezena de assaltantes foram cercados e mortos em uma estrada rural em Campinas.
Ninguém em sã consciência acreditaria que uma dezena de assaltantes de bancos armados com rifles, metralhadoras, granadas, pistolas e revólveres, se tivessem de fato trocado tiros com a polícia, não teriam acertado um policial, nem que fosse raspão.
No ano passado houve dezenas de casos semelhantes, o mais emblemático aconteceu nos Jardins, área nobre da capital paulista, onde uma dezena de assaltantes fortemente armados também foram mortos — só que dessa vez um policial foi atingido.
Ou em 2014 o caso dos doze PCCs mortos em um ônibus na Castelinhoem situação similar, e ainda mais emblemático, os 111 prisioneiros chacinados durante a rebelião de 1992 no Presídio do Carandiru — ao contrário de Victor, os PMs ultrapassaram o limite socialmente aceito.
Esse é o limite informal aceito por consenso — o que é ilegal
A legislação brasileira não prevê a pena de morte, mas aceita e faz com que os mecanismos de apuração e punição de certos crimes entrem no limbo seboso da burocracia, mas não são apenas as ações policiais do Estado constituído que têm esse direito.
Parte da sociedade apoia Tribunal do Crime que mata — o que é ilegal
O Tribunal do Crime mata em todo o país, e sua ação por vezes é acobertada pela população local, que considera positiva sua ação, assim como outra parte da sociedade vivendo em outras áreas considera legítimo, mesmo que ilegal, o extermínio feito pelas forças públicas.
Eu não ia te contar nada, preferiria te deixar dormir tranquilo, mas já que Graham Denyer Willis puxou o assunto, taí. Posso não ser Deus, mas posso ser seu juiz, basta que eu queira e que nos encontremos em determinadas situações para que, mesmo sem uma razão, eu possa te matar.
O número aproximado de executados por pena de morte nos EUA é de 50 por ano; no Brasil, 50 por mês… … e ainda tem gente que briga para que tenha pena de morte no Brasil kkk.
Não passa de preconceito considerar como organizações criminosas apenas as facções, como o Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) e o Comando Vermelho (CV).
Aumentou a quantidade de Ps — Políticos
O conceito de crime organizado mudou. Sou do tempo em que apenas eram presos os 3Ps: preto, pobre, e puta. O tempo passou, e agora podemos afirmar que aumentou a quantidade de Ps, que passou a incluir policiais e políticos. Para alguns isso é um sinal de evolução, mas para mim isso é apenas uma verdade parcial.
A Polícia Federal está me fazendo acreditar novamente no Brasil ao incluir na listagem o P dos políticos. Mas nós, como povo, não nos acostumamos a pensar fora do antigo 3Ps. Um exemplo é o artigo Infiltração Policial à Luz da Nova Lei Nº 12.850/2013 de Organizações Criminosas, de Raquel Corrêa Netto Ribeiro, que destaca os principais pontos da lei, e serve para quem quer conhecer um pouco sobre esse assunto.
Em seu estudo, a pesquisadora ressalta a importância da ferramenta jurídica para vencer os pretos e os pobres do Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Li com cuidado o texto no Jornal Eletrônico das Faculdades Integradas Vianna Júnior, e a acadêmica repete de forma reduzida o que é publicado há tempos por outros, sem nada acrescentar.
A coisa era diferente antes da Lava Jato
Há algum tempo postei um texto intitulado No Brasil existem policiais infiltrados no crime?, no qual exponho e convido o leitor a conhecer o trabalho de Mariana Fávero Rodrigues. Ela conta como funciona esse tipo de ação policial e esmiúça a Lei 12.850/13, o trabalho da advogada, foi bom para aquela época, um Brasil pré-Lava Jato — ainda sem a releitura da lei feita pela Polícia Federal.
O empresário Joesley Batista contou que o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardoso se arrependeu da aprovação da Lei 12.850/13, que foi, antes, uma vitória dele e do governo Dilma Rousseff, e que hoje é usada na Operação Lava Jato em processos contra políticos. Esse é o Brasil pós-Lava Jato, e é neste contexto que Raquel Corrêa publicou o estudo.
Já, o ex-secretário de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), Rogers Jarbas, foi a imprensa indignado que devido a Lei 12,850/13 foi jogado na cela junto com membros do PCC e do CV, o que não pode ser verdade, pois ambos não convivem no mesmo ambiente, são como fogo e água, sabe. Mas se as facções são mantidas separadas, a que ele fazia parte também teria esse direito.
E justamente por estarmos dentro deste contexto, que me decepcionou ver que o artigo ainda está focado na caça ao antigo 3Ps — parece que só a Polícia Federal percebeu que os Políticos podem ser incluídos nessa “regra”, pois a pesquisadora nem aventou esta possibilidade. O tempo está provando que o sempre sábio Antonio Carlos Jobim tinha razão: O Brasil não é para Principiantes.
O preconceito pode mudar de lado
Você não pode dizer que um negro ou um bicha te assaltaram — ou qualquer outra forma politicamente correta ou não para descrever alguém que seja de outro grupo social.
Todo preconceito é desprezível…
… ou melhor, todo preconceito contra nossos iguais, contra os que não pertencem ao nosso grupo pode:
Há pouco tempo, os caminhoneiros e aqueles que eram a favor da intervenção militar eram aplaudidos pelas ruas, bastaram alguns dias para que o preconceito contra esses dois grupos os jogassem pelo menos parcialmente na lama — cuidado você pode ser o próximo.
Nas periferias, o Estado de Direito é ditado pelo crime organizado, mas, ao tentar assumir esse papel, o facção PCC 1533 passou a se curvar com o peso da responsabilidade de manter um Sistema de Justiça com direito à defesa.
O que acontecerá se os Tribunais do Crime da facção PCC 1533 deixarem de atuar nas periferias e dentro do Sistema Carcerário? Tudo de bom, né? Talvez, mas não é o que nos aponta César Barreira, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).
Parte da população só conhece a Justiça através do coturno do policial, que aborda seus filhos nas periferias das grandes cidades, ou dos Tribunais do Crime do Primeiro Comando da Capital, que prendem, torturam, julgam e executam.
E onde está o Estado de Direito ou o Estado Constituído?
Termos falados com boca cheia por quem mora longe das áreas de risco é para a maioria da população uma utopia feita para poucos.
A eficácia do Tribunal do Crime do Primeiro Comando da Capital está em declínio há algum tempo, mas não aparecia oportunidade para eu escrever sobre o tema — isso até Juliana Diógenes publicar o artigo GDE é facção criminosa nova, atrai adolescentes e tem crueldade como marca, no qual o sociólogo César Barreira diz que a facção PCC 1533, assim como as outras instituições que sobreviveram ao tempo, envelheceu e tomou juízo.
Devido a esse fenômeno, parte da população passou a reconhecer os Tribunais do Crime da facção paulista como um instrumento de Justiça — essa que antes só era conhecida através do coturno do policial ou pela televisão, quando surgiam pessoas falando com boca cheia sobre o Estado de Direito e do Estado Constituído.
O julgamento do Tribunal do Crime do PCC, antes sumário, hoje passa por um processo com direito à defesa e contraditório — com o aperfeiçoamento do mecanismo de apuração houve aumento do tempo do cativeiro dos réus, possibilitando à polícia resgatar mais cativos que estavam sendo julgados e prender os disciplinas do PCC e seus garotos da contenção.
A entrevista do sociólogo César Barreira, dada à repórter Juliana Diógenes, veio justamente para me trazer luz sobre as razões pelas quais essa transformação está se dando com o PCC: ele cresceu, sobreviveu, venceu, envelheceu e, para manter o poder conquistado, sua liderança passou a colocar em risco outros membros da facção, como os disciplinas e os garotos da contenção.
Podem criticar a facção paulista por seus Tribunais do Crime, mas nem percam tempo: eles tendem a se extinguir — e creio que nenhum brasileiro tem a ilusão de que o Estado de Direito ou o Estado Constituído irão tomar o seu lugar e levar Justiça às periferias.
César Barreira avisa que a molecada das outras facções vão assumir essa posição…
… eu disse: “vão”? Desculpe, os garotos das facções aliadas, Guardiões do Estado (GDE 745) no Ceará e Bonde dos 13 (B13) no Acre, já estão atuando com seus Tribunais do Crime, e, pior, as facções já nasceram para correr pelo lado errado, também.
“Seja intencional ou não, crime desempenha um papel social enorme nas favelas. A polícia tem sido simplesmente uma força de ocupação. Tudo que o crime tem oferecido estas comunidades, o Estado terá de substituir. … Todos os tipos de apoio. Crime preenche um vácuo deixado pelo Estado “. — Marcinho VP (Comando Vermelho CV)
A periferia “passou a ser classificado como uma democracia de baixa intensidade, ou uma semidemocracia. Pois, apesar de existirem os dispositivos institucionais, eleitorais e até alguns traços cívicos, elencados anteriormente, não é capaz de gerar um estado de direito democrático que assegure os direitos civis e políticos de parte considerável de sua população.” Antônio Sérgio Araújo Fernandes, é professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e José Maria Pereira da Nóbrega Júnior, é professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
“O PCC nasceu porque o sistema político deixou muitas pessoas em estado de abandono, então elas tiveram que criar alguma solução, e hoje é uma organização tão grande que, se você tentar eliminá-lo, você criará uma enorme quantidade de violência.” — Graham Denyer Willis — University Lecturer in Development and Latin American Studies in the Department of Politics and International Studies