Em 5 de março de 2002, doze integrantes da organização criminosa Primeiro Comando da Capital foram mortos em um ônibus na Castelinho em situação similar, e ainda mais emblemático, os 111 prisioneiros chacinados durante a rebelião de 1992 no Presídio do Carandiru.
Camila de Lima Vedovello e Arlete Moysés Rodrigues+
Os policiais militares ultrapassaram o limite socialmente aceito, mas, mesmo assim, não deu em nada e todos acabaram absolvidos pela Justiça em novembro de 2014.
Até o Ministério Público Estadual descreveu a Operação Castelinho como uma “farsa macabra” e “a maior farsa da história policial no Brasil”.
“Os caras da PM, que disseram que trocaram tiros, são tudo pau mandado, trocaram as mães deles!”
interceptação telefônica
Os corpos foram movidos e as armas sumiram do Fórum da Comarca de Itu para que não fosse possível fazer a perícia, e acertos foram feitos para que as farsa fosse encoberta, mas agora, um passo tímido foi dado para o esclarecimento, com a apresentação do relatório de recomendação do Caso Castelinho pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O caso de José Airton Honorato e outros, se refere à responsabilidade internacional do Estado por uma série de atos que culminaram nos assassinatos por parte dos policiais de:
- José Airton Honorato,
- José Maia Menezes,
- Aleksandro de Oliveira Araújo,
- Djalma Fernandes Andrade de Souza,
- Fabio Fernandes Andrade de Souza,
- Gerson Machado da Silva,
- Jeferson Leandro Andrade,
- José Cícero Pereira dos Santos,
- Laercio Antonio Luis,
- Luciano da Silva Barbosa,
- Sandro Rogerio da Silva e
- Silvio Bernardino do Carmo.
Em 9 de setembro de 2001, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo criou, no âmbito da luta contra o crime organizado, o Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância (GRADI), que passou a operar com o serviço de inteligência da polícia militar. Neste contexto teriam sido iniciadas diversas práticas ilegais, entre elas o recrutamento de presos condenados, através de promessas de proteção às suas famílias e até de soltura antecipada, e que eram liberados por decisões judiciais para atuar como informantes em organizações criminais, utilizando recursos proporcionados pela própria polícia.
Em 5 de março de 2002, nas proximidades da cidade de Sorocaba, São Paulo, a Polícia Militar realizou uma operação contra o Primeiro Comando da Capital PCC, principal organização criminosa da cidade. Tal operação, conhecida como “Castelinho”, nome da localidade na qual foi realizada, foi planejada e executada pelo GRADI, que instruiu ex-presos informantes a enganarem o PCC sobre a existência de um avião com dinheiro que chegaria ao aeroporto de Sorocaba.
A Polícia Militar cercou o lugar com aproximadamente cem policiais e, sem a presença de testemunhas que pudessem questionar a versão oficial, promoveu um tiroteio que foi justificado como um ato de resistência a um grupo que viajava em um ônibus. Como resultado da operação, na qual foram realizados mais de 700 disparos, foi ferido um policial com lesões leves e morreram as doze vítimas do presente caso.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão analisou se o Estado cumpriu com as obrigações impostas pelo artigo 4 da Convenção Americana em relação ao uso da força. Considerando as regras aplicáveis sobre o ônus da prova, a Comissão concluiu que o Estado não demonstrou que a operação foi planejada de modo adequado e de acordo com um arcabouço jurídico compatível com o uso da força. Tampouco comprovou que o pessoal que participou da operação estivesse capacitado e treinado conforme os parâmetros exigidos pelo direito internacional. Além disso, a Comissão observou que os indícios que apontam para um uso desproporcional da força não foram suficientemente contestados pelo Estado, que não ofereceu uma justificação adequada.
Com relação aos processos iniciados em virtude da operação, a Comissão observou que desconhece o resultado dos processos administrativos. Quanto aos processos civis, observou que alguns estariam finalizados e outros ainda pendentes. Com relação à causa contra dois juízes que teriam autorizado a transferência de prisioneiros para se infiltrar e contra o Secretário de Segurança Pública, sob cuja administração ocorreram os fatos, a Comissão observou que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou desnecessário enviar o caso ao Ministério Público e o declarou arquivado. O único processo penal com sentença definitiva teria sido impulsionado pelo Ministério Público, e cuja sentença absolutória foi confirmada em segunda instância em 4 de dezembro de 2003.
Quanto à devida diligência na investigação, a CIDH observou que o Estado não confirmou a realização de certas diligências essenciais para o esclarecimento dos fatos, conforme os parâmetros interamericanos e seguindo o Protocolo de Minnesota. A Comissão determinou também que as conclusões às quais chegou o tribunal resultaram da impossibilidade de se atribuir responsabilidade penal em face da ausência de uma investigação diligente. Com base nisso, a Comissão concluiu que o Estado não conduziu uma investigação adequada à luz dos parâmetros do devido processo, nem esclareceu os fatos dentro de um prazo razoável, nem reparou os familiares das vítimas. Por último, considerando a forma pela qual as vítimas foram privadas das suas vidas e a forma pela qual transcorreram as investigações, a CIDH considerou que a angústia impactou a integridade dos seus familiares.
Com base em tais determinações, a Comissão concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com as obrigações estabelecidas nos seus artigos 1.1 e 2.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado:
Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no relatório tanto em seu aspecto material como imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e satisfação.
Realizar uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos por meio de órgãos independentes da polícia civil/militar, com o fim de estabelecer e sancionar as autoridades e funcionários responsáveis pelos fatos referidos no relatório e esclarecer plenamente os fatos que levaram à impunidade. Considerando a gravidade dos fatos e os parâmetros interamericanos pertinentes, a Comissão sublinha que o Estado não pode invocar a garantia do ne bis in idem res judicata ou da prescrição para justificar o descumprimento desta recomendação.
Proporcionar as medidas de cuidados de saúde física e mental necessárias para a reabilitação dos familiares de José Airton Honorato, José Maia Menezes, Aleksandro de Oliveira Araújo, Djalma Fernandes Andrade de Souza, Fabio Fernandes Andrade de Souza, Gerson Machado da Silva, Jeferson Leandro Andrade, José Cícero Pereira dos Santos, Laercio Antonio Luis, Luciano da Silva Barbosa, Sandro Rogerio da Silva e Silvio Bernardino do Carmo, se assim o desejarem e com o seu consentimento.
O Estado deve adotar todas as medidas jurídicas, administrativas e de outra índole necessárias para evitar que voltem a ocorrer fatos semelhantes no futuro; em especial, o Estado deve contar com um arcabouço jurídico sobre o uso da força que seja compatível com os parâmetros apresentados no relatório. Ademais, deve contar com programas permanentes de educação em matéria de direitos humanos para os membros da Polícia Nacional, e, também, com capacitação e treinamento periódicos em todos os níveis hierárquicos, com especial ênfase no uso legítimo da força.