PCC como empresa: Análise do Estatuto da Facção 1533 – 3ª parte

Este artigo analisa o PCC como empresa, analisando o Estatuto da organização criminosa sob a perspectiva das teorias da administração. A análise busca identificar paralelos entre as práticas da facção paulista e os conceitos de administração estruturalista, neoclássica, comportamental e contingencial.

PCC como empresa análise do Estatuto

O PCC como empresa tem sido um tema intrigante para muitos estudiosos e curiosos. Ao analisar o estatuto da organização criminosa, podemos encontrar semelhanças com as teorias da administração que são aplicadas às empresas tradicionais. Neste artigo, abordaremos os paralelos entre o PCC e as diversas teorias da administração, lembrando que a análise é apenas uma interpretação e não deve ser vista como uma legitimação ou endosso das atividades ilegais do grupo.

PCC como empresa na perspectiva de um administrador

Minha formação é em Administração de Empresas, e sempre observo negócios, desde entregadores até gigantes como o Google, imaginando como funcionam. Então, é natural analisar a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) dessa maneira. Esse grupo criminoso se tornou uma das maiores e mais complexas empresas brasileiras, com administradores muito capacitados.

Desafios enfrentados pelo PCC

Se competir no mercado legal já é difícil, imagine quando sequestros, torturas e mortes estão envolvidos. Apesar disso, as lideranças do PCC lutam diretamente contra as forças públicas para manter seu negócio. A comunicação digital é rápida e global, mas o PCC precisa emitir ordens oralmente através de um sistema complicado de telefone sem fio e, mesmo assim, conquista mercados e enfrenta adversários maiores.

É impressionante ver como uma organização criminosa pode ter uma dimensão tão grande, a ponto de superar empresas legítimas em termos de faturamento.

A comparação com a Bayer, uma empresa alemã fundada em 1863 e presente no Brasil desde 1896, que é no país uma das líderes no agronegócio e com atividades em medicamentos e produtos químicos, é um exemplo que ilustra bem a magnitude das operações do PCC.

Segundo o COAF, a organização paulista movimenta aproximadamente 8 bilhões de Reais anuais apenas da parcela do dinheiro lavado nas empresas que caíram na investigação, contra 9,77 bilhões de Reais da Bayer de resultado total da subsidiária brasileira apontado pela empresa alemã, que é reconhecida e respeitada no mercado.

Reconhecer a capacidade de gestão e resiliência dos administradores do Primeiro Comando da Capital não é um elogio ou apologia a organização criminosa, mas uma analise do fenômeno e um convite ao estudo para aprender as razões que levaram ao sucesso de tão arriscado empreendimento.

Analisando a estrutura do PCC

Ao longo dos anos, várias opiniões foram dadas sobre a organização criminosa. No começo, muitos duvidavam que um grupo de negros semianalfabetos pudesse manter tal estrutura. Porém, pesquisadores sérios discutiram se a gestão era horizontal ou vertical, cada grupo defendendo seu ponto de vista com argumentos sólidos.

As diferentes perspectivas já foram debatidas exaustivamente neste site nos últimos 16 anos. No início, eu acreditava em uma estrutura vertical e piramidal, mas hoje defendo algo mais horizontal. Uma comparação interessante foi feita por Gabriel Feltran, que comparou o PCC às ordens e fraternidades maçônicas.

PCC como empresa: O sucesso do Primeiro Comando da Capital e a lealdade na facção

O estatuto do PCC e sua perspectiva administrativa

Se a maioria das empresas no Brasil fecha as portas em até 5 anos, é surpreendente ver que o Primeiro Comando da Capital, mesmo com seu estatuto cheio de erros gramaticais, está prestes a completar 30 anos — a fundação se deu em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté.

empresas formais costumam recorrer a profissionais qualificados, como advogados e contadores, para elaborar seus estatutos sociais. Esses profissionais garantem que a documentação esteja em conformidade com as leis e regulamentações vigentes, além de garantir a correta estruturação das atividades e responsabilidades da empresa.

Por outro lado, o Estatuto do Primeiro Comando da Capital não segue os mesmos padrões formais e legais das empresas regulares; no entanto, em sua elaboração, foram utilizadas uma série de regras e códigos do mundo do crime. Essa elaboração pode ser feita por indivíduos com baixo nível de escolaridade, sem perder sua eficácia para o público a que se destina: encarcerados, egressos e moradores de comunidades periféricas.

No entanto, vale ressaltar que a organização e estruturação de grupos criminosos podem variar amplamente. Alguns grupos podem ser altamente organizados, com uma hierarquia bem definida e regras internas mais elaboradas, enquanto outros podem ter uma estrutura mais informal e menos rígida.

É importante não subestimar a capacidade de organização de grupos criminosos, uma vez que muitos deles podem ser altamente adaptáveis e resilientes às medidas de repressão. A prevenção e o combate ao crime organizado exigem uma abordagem multidisciplinar e a cooperação entre diferentes setores da sociedade e agências governamentais.

Então, o que faz o estatuto da facção PCC ser diferente e bem-sucedido?

A resposta pode estar na lealdade, respeito e solidariedade entre seus membros, algo raro em empresas comuns. Esses valores criam uma mentalidade coletiva, enfatizando a importância da unidade e da luta conjunta contra a opressão e as injustiças no sistema prisional.

A irmandade e a luta por um ideal

Ao colocar esses valores em seu documento de fundação, o PCC cria uma irmandade em prol de um ideal. Essa ideia é muito mais difícil de ser vencida ou quebrada do que um simples relacionamento econômico.

Além disso, os fundadores do PCC demonstram consciência política e social ao mencionar eventos como o massacre do Carandiru e criticar as condições desumanas nas prisões.

Essa abordagem cria a figura do inimigo comum que deve ser combatido, e as lideranças se colocam como contraponto lado ao utilizar os termos “irmãos” e “companheiros” pavimentando o caminho daquilo que em poucos anos se tornará a “Família 1533”.

O ódio como ferramenta de engajamento

Por fim, nada melhor que o ódio como ferramenta de engajamento. As redes sociais e grupos extremistas provaram isso nos últimos anos, mas essa técnica já estava expressa no Estatuto do PCC de 1997. Ao unir os membros em torno de um inimigo comum, a facção consegue fortalecer sua base e garantir sua sobrevivência.

Em resumo, o PCC se destaca como uma “empresa” bem-sucedida devido à lealdade, respeito e solidariedade entre seus membros. Seu estatuto, apesar de informal, é eficaz em promover uma mentalidade coletiva e criar uma irmandade em prol de um ideal. Esses fatores, aliados ao ódio como ferramenta de engajamento, garantem a longevidade da facção.

PCC como empresa: sob a ótica das teorias administrativas

O objetivo de qualquer sistema administrativo é criar uma estrutura e hierarquia para atingir suas metas. Vamos analisar o Estatuto do Primeiro Comando da Capital usando as principais teorias da administração.

O Estatuto do PCC definitivamente mostra uma organização preocupada em estabelecer uma estrutura e hierarquia, seguindo regras específicas e valorizando as relações humanas e o bem-estar de seus membros.

Teoria clássica da administração

Criada por Henri Fayol, foca na estrutura organizacional, divisão de trabalho e coordenação para garantir eficiência. No Estatuto do PCC, encontramos uma hierarquia com um “Comando Central” e a divisão de funções e responsabilidades entre os membros, o que vai de encontro aos princípios dessa teoria.

Teoria da burocracia na administração

Desenvolvida por Max Weber, destaca a importância de regras, procedimentos e normas. O Estatuto do PCC apresenta várias normas, como lealdade ao grupo, proibição de atos específicos (por exemplo, estupro, assalto e extorsão) e a responsabilidade de ajudar membros presos. Essas normas buscam garantir o bom funcionamento da facção PCC e evitar conflitos internos.

Teoria das relações humanas

Proposta por Elton Mayo, ressalta a importância das relações interpessoais, motivação e bem-estar dos membros de uma organização. No Estatuto do PCC, vemos a ênfase na solidariedade, lealdade e apoio mútuo entre os membros, mostrando a relevância das relações humanas. Além disso, a busca por justiça, liberdade e paz sugere preocupação com o bem-estar e dignidade dos membros e das pessoas afetadas pelo sistema prisional.

Teoria da Administração Estruturalista

O Estatuto do PCC destaca a importância da hierarquia, disciplina e respeito à estrutura da organização (itens 3, 10, 12 e 14). Esses aspectos estão alinhados com a teoria estruturalista, que foca na estrutura organizacional e nas relações entre os diferentes componentes dessa estrutura.

Teoria Neoclássica da Administração

A teoria neoclássica se concentra na eficiência e eficácia das organizações e na importância da tomada de decisões baseada em objetivos. O Estatuto do PCC menciona a busca pela paz, justiça, liberdade, igualdade e união, além de respeitar a ética do crime (item 2). Embora os objetivos do PCC sejam ilícitos, a organização busca alcançá-los de maneira eficiente e eficaz.

Teoria da Administração Comportamental

A teoria comportamental foca no comportamento humano e nas relações interpessoais dentro de uma organização. O Estatuto do PCC enfatiza a importância do respeito mútuo entre os integrantes, lealdade à organização e a necessidade de dar bons exemplos (itens 1 e 3). Além disso, o estatuto também menciona a responsabilidade dos integrantes em ajudar uns aos outros e em solucionar conflitos pessoais (itens 5, 8, 15 e 16). Esses aspectos refletem a importância das relações interpessoais e do comportamento humano no funcionamento do PCC.

Teoria da Administração Contingencial

A teoria contingencial afirma que não existe uma abordagem única para a administração e que a melhor estratégia depende das circunstâncias específicas. O Estatuto do PCC aborda a necessidade de adaptação e flexibilidade em várias situações, como a realização de missões (item 11), a relação com outras facções (item 13) e a reação a opressões e injustiças (item 18). Esses aspectos podem ser relacionados aos princípios da teoria contingencial.

Ao longo desta semana, continuarei analisando o documento por outros ângulos. Caso tenha perdido ou se interesse, segue o link para análises anteriores.

Autor: Ricard Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porém, é que aqui, assim como ninguém sabe que você é um cachorro, não dá para sacar se a pessoa do outro lado é do PCC. Na rede, quase nada do que parece, é. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fã no Facebook pode ser um robô; e, como é o caso da página em questão, um aparente editor de site de facção pode se tratar de Rícard Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

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