A Pacificação PCC como gestora da “paz entre ladrões”
Paz entre ladrões é uma missão impossível, apesar de teóricos imaginarem há milênios formas de controlá-los…
Se considerarmos apenas nossa realidade recente podemos ver duas experiências bastante distintas: a do Regime Militar e os do Período Democrático:
- O Regime Militar promovia ações violentas tanto publicamente, quanto nos porões e nos cárceres — não obtinha resultados, mas para parecer que tinha autoridade; e
- os governo pós Redemocratização com Políticas Públicas de autogestão carcerária, penas alternativas e progressões penais.
Conheça a Carta do PCC ao Mundo do Crime de 3 de agosto de 2017
Quem poderá trazer a pacificação ao mundo do crime
Ambos os regimes tentaram cada um a seu modo controlar, sem sucesso, a violência nas comunidades dominadas pelo crime.
Não foi suficiente. Em menos de três anos, já eram três mil. Em menos de dez anos, 40 mil.
Carlos Amorim
Álvaro e Renato, policiais e pesquisadores, afirmam que foi aí que o a facção PCC 1533 aproveitou a lacuna deixada pelo poder público.
Análise de inteligência: das ações ideológicas disciplinares e correcionais promovidas pelo Primeiro Comando da Capital — Álvaro de Souza Vieira e Renato Pires Moreira
A paz entre ladrões só pode vir de dentro para fora
Aqueles criminosos conheciam e se fizeram ser respeitados nas comunidades em que estavam inseridos: nas carceragens, nas comunidades periféricas e no mundo do crime.
Nesse meio o Primeiro Comando da Capital assumiu a “gestão da violência”, dentro do conceito aceito do “monopólio do uso da força pelo Estado”.
Assim, um modo específico de gestão do uso da violência nas interações entre a polícia e o crime é estabelecido. Não existe agressão física, tampouco troca de tiros ou enfrentamento, mas um conflito ‘contido’ inserido numa esfera de interação discursiva voltada ao alcance de acordos financeiros.
Indaiatuba SP: um exemplo prático da paz entre ladrões
Em 27 de fevereiro de 2012 produzi um dos primeiros artigos onde descrevi a pacificação promovida pelo Primeiro Comando da Capital em uma comunidade periférica:
Edgar Allan Poe ensinava que existia uma forma correta para se açoitar uma criança: devia ser da esquerda para a direita.
O escritor explica a razão:
Todas as pancadas devem ser na mesma direção para lançar para fora os erros, mas cada pancada na direção oposta, soca para dentro os erros.
Talvez ele tenha razão.
Apesar das surras impostas pela sociedade, o tráfico de drogas e o crime se mantêm fortes e robustos.
Passamos pelo Regime Militar e pela Redemocratização e, com lágrimas nos olhos, vejo que não há mais esperança para o problema: falhamos.
Açoitamos a criança em todos os sentidos, e não em uma única direção como Allan Poe orientou.
E em rebento crescido não haverá açoite que possa ser dado pelo sistema policial e jurídico que surta qualquer efeito, o mal feito está feito.
Só nos cabe abaixar a cabeça e apreciar a divisão dos despojos entre os criminosos que se organizaram e se fortaleceram sob nossos próprios açoites.
continua após o mapa…

Diálogo entre ladrões: assim fundiona a paz entre ladrões
Esse diálogo trocado sobre um conflito no Morada do Sol demonstra como a organização criminosa gere os conflitos de maneira natural e com profundo conhecimento:
Edson Rogério França, o “Irmão Cara de Bola”, “Torre” da organização criminosa em Indaiatuba conversa com Willian do bairro Morada do Sol.
Willian Neves dos Santos Vieira, o “Irmão Sinistro”, é soldado da facção criminosa e morador da rua Custódio Cândido Carneiro no bairro:
— O espaço que tem lá na rua 59 é bom, é meu e do Mateus, tá ligado irmão? O irmão Matheus, conhece o Matheus? — pergunta Sinistro.
— Não, não conheci. Você fala o do trailer?
— Não irmão, lá embaixo na 59, lá embaixo, no trailer é o Marcelo, é outro menino, inclusive ele pega mercadoria de ti. — explica Sinistro.
— Não, de mim não. — se defende Cara de Bola.
— O sol brilha para todos, tenho este espaço lá há mais de treze anos. Agora, um menino meu estava precisando de uma força e eu ajeitei um canto para ele fazer a caminhada, e o Cláudio agora está ameaçando matar a mulher dele. Pô, o Cláudio é prá cá, eu sou mais prá lá, pro fundão, sou lá do lado da rua 80 e da rua 78. Já o TG do CECAP é firmeza.
Tribunal do Crime do PCC – o mediador aceito
Eu não conheço o Cláudio, portanto eu não posso afirmar que ele tenha sido açoitado quando criança do lado certo ou errado.
O que sei é que ele também negocia as drogas do Primeiro Comando da Capital e, portanto, deve ter tido as mesmas aulas que os outros criminosos.
Cláudio teve que prestar contas de sua atitude. Ele já estava sem saber em análise por suas atitudes.
Outro dia ele foi mostrar uma pedra de crack para Keiti Luis Von Ah Toyama, o “Irmão Japa”, mas este não gostou, disse que era um pouco melada.
Cláudio explicou que é a mesma que não é a da boa, é da comercial, a mesma que vende em suas lojas:
— Se quer quer, se não quer não quer, é R $10,50 a grama, é pegar ou largar.
Seja como for, as crianças cresceram e aprenderam a brincar sozinhas, agora não adianta mais bater do lado certo e nem reclamar o leite derramado.
Cláudio foi julgado por quem obteve o direito de impor as regras naquele local aproveitando a omissão do Estado.
Conheça o Dicionário do PCC (Regulamento Disciplinar da facção)