Um grupo do crime organizado não nasce com propósito criminoso. Pode parecer incrível, mas o Primeiro Comando da Capital está aí para provar essa teoria.
… não se pode precisar sobre a origem das instituições criminosas. Todavia, algumas organizações surgiram da necessidade das pessoas em se reunir, não objetivando – ordinariamente – a prática de crimes, e sim, como tática para o combate de possíveis desigualdades sociais vigentes, em tese, pactuadas pelo Estado.
Alvaro de Souza Vieira e Renato Pires Moreira
Mas os pesquisadores não se referiram à atuação da Polícia Militar de São Paulo, que com sua ação no Carandiru gerou a facção PCC.
Na realidade, se refere aos fundadores do Partido do Crime da Capital (PCC), que desceram para campo naquela tarde de chuva em 1991, no Piranhão.
Aqueles oito presos entraram em campo capitaneados por José Márcio Felício, o Geleião, para defender o time da Capital contra o time do Partido Caipira.
Sob fortes provocações mútuas, tais como “Eu vou beber teu sangue”, a rixa inicial degenerou em um briga sangrenta na qual cabeças rolaram (literalmente).
Afinal, quanto mais sangrento, o simbolísmo da ruptura passa a ser mais marcante e duradouro.
Organização criminosa PCC: uma parto difícil
Como afirmaram Álvaro e Renato, aqueles homens não começaram aquele dia o mais poderoso grupo do crime organizado sul-americano com o objetivo criminoso.
Chegaram para aquele jogo após uma série de crimes cometidos pelo Estado e seus representantes e, naquele dia, com a conivência da direção do Piranhão.
… e saíram dos presídios passando a aplicar fora das muralhas o que aprenderam lá dentro:
“sozinhos somos fortes, unidos somos invencíveis”, “todos contra um”, e “até a última gota de sangue”.
Tudo para defender os irmãos contra a opressão do Estado.
A direção imaginou que os “Caipiras” eliminariam os remanescentes do Massacre do Carandiru, sepultando de vez os rebeldes que buscavam melhoria nas condições carcerárias.
Deu errado. A Polícia Militar de São Paulo, a diretoria do presídio, e aqueles oito presos não pretendiam, mas criaram o Primeiro Comando da Capital.
Afinal, se Georges Balandier teorizou, foi o octógono de Geleião que tornou real as imagens, as construções simbólicas e as narrativas míticas da facção PCC.
Tudo começou naquele jogo, mas os elementos construtivos da dominação foram se agregando: a sua fundação, o batismo e as execuções de inimigos e traidores.
A História lentamente se desenrola diante de nossos olhos. Precisamos apenas olhar e compreender de onde vêm e para onde vai e que mecanismo move.
Citando Sérgio Luiz Souza Ribeiro Filho, crava que as instituições públicas deveriam assumir o controle da imposição de regras dentro dos presídios, algo que hoje está nas mãos das facções criminosas, em especial o Primeiro Comando da Capital.
Chama Leandro Menini de Oliveira para explicar que as organizações criminosas ganharam força nos presídios “ao longo dos anos, irá se intensificar ainda mais se não houver um posicionamento mais eficiente da estrutura de controle do Estado”.
Ari cita meio envergonhadamente, mas com uma pontinha de admiração, a doutrina do alemão Gunther Jakobs conhecida como Direito Penal do Inimigo, que prega em suma, a exclusão dos direitos fundamentais dos encarcerados.
Apesar de eu, particularmente gostar da ideia da família Bolsonaro cumprindo pena por seus crimes nesse sistema penal, eu luto para que ninguém, inclusive ela, seja privada de seus direitos básicos.
O PCC e a realidade do sistema carcerário brasileiro
Ari, no entanto, parece desconhecer a realidade carcerária, a história da facção PCC e da organização dos encarcerados no Brasil.
A facção paulista que dominou os presídios se contrapôs à política enrustida baseada na decrépita teoria Direito Penal do Inimigo, aplicada durante o Regime Militar e no governo de Fleury Filho em São Paulo, e que Ari parece ter uma ponta de admiração.
Durante a política populista de Fleury, cabeças rolavam no interior dos cárceres como protesto contra celas onde presos dormiam sentados, encostados uns nos outros sem banho, sequer de sol, só comiam os mais fortes e os estupros de encarcerados e familiares eram constantes.
Ari e tantos outros que hoje se mostram preocupados com o “controle do Estado” dentro dos presídios, fazem questão de esquecer que foi justamente a falta de “controle do Estado” que causou todo o problema.
O artigo cita a opressão carcerária apenas uma vez, para dizer que o PCC deixou de aplicar aquilo que prometia em sua criação, e a única vez que cita o problema da superlotação, termina com essa pérola:
“O contexto fático-social contemporâneo apresentado pelos presídios nacionais acaba por exigir do Estado uma maior eficiência em face do combate ao crime organizado no País, tendo em vista que as medidas adotadas até o presente momento parecem não ter surtido efeitos positivos”.
Direitos humanos, direitos fundamentais, higiene, condições carcerárias são questões totalmente ignoradas ou relativizadas no texto, em compensação o “controle do Estado” é citado onze vezes e “intervenção” aparece dezenove vezes.
Ari de Moraes Carvalho descobriu a roda, ou melhor, o celular
Foram 51 citações das comunicações telefônicas
Creio que seu texto foi uma ode aos governos do PSDB, do qual deve ser um grande admirador, visto que foram justamente os governadores tucanos paulistas que conseguiram eliminar quase por completo a presença dos celulares nos presídios através de um rígido controle e escaneamento das visitas — pleito que ele agarra com as duas mãos gritando a plenos pulmões que essa é a solução.
Há alguns anos, fui chamado a Delegacia de Polícia para dar explicações sobre esse site. Em determinado momento fui inquirido sobre qual seria a solução problema carcerário, ao que eu respondi que “essa é uma questão complexa, que exige uma solução complexa e interdisciplinar, se fosse algo muito simples, era só perguntar para o presidente Bolsonaro”
A confusa configuração do crime organizado no estado do Espírito Santo é consequência da política carcerária do governador Renato Casagrande.
Se você entende o que se passa no estado do Espírito Santo, só agradeço se me procurar no privado para contar, mas acho que nem quem é do mundo do crime consegue entender o que se passa na mente e nos corações dos crias capixabas.
As repórteres Kananda Natielly e Taynara Nascimento do Tribunaonline entrevistaram diversos especialistas e publicaram um artigo repleto de contradições, não por incapacidade ou desleixo, mas porque cada entrevistado apresentou um quadro diferente.
Eu só sei que o sangue continua correndo nas ruas do estado, como aconteceu há poucos dias, quando dois homens em uma moto executaram um rapaz e feriram uma mulher que estavam em um ponto conhecido de tráfico em Vila Velha, e assim como ele, já morreram uns 50 nas disputas sobre o domínio dos pontos de tráfico em tempos recentes.
Vila Velha resume a zona que é o crime organizado no Espírito Santo
Até aí parece ser uma disputa fácil de entender e similar ao que ocorre em outros tantos recantos do Brasil: PCC e CV disputando espaço com seus aliados locais. Só que não! Como tudo é confuso no Espírito Santo esse caso não poderia ser diferente:
Em 2019, uma das principais lideranças do Ulysses Guimarães e do 23 de Maio, seria Catraca da Gangue da Pracinha, como é conhecido Samuel Gonçalves Rodrigues, que era do Comando Vermelho e trocou a camisa para correr pelo Primeiro Comando da Capital.
Após sua prisão, as mortes pararam por um tempo, mas seus domínios que eram com ele do CV e passaram para o PCC, e agora voltaram para o CV sendo disputados pelo PCC e pelo PCV — simples para você? Para mim não, mas pode ficar ainda mais confuso:
Gangue da Pracinha do Catraca rachou após sua prisão. Marcola, como era conhecido Marcos Vinicius Boaventura, gerente de Catraca no Ulysses Guimarães, assim como os outros que não quiseram voltar a vestir a camisa do CV foram expulsos da quebrada.
Como zona pouca é bobagem: tem o Terceiro Comando Puro
Marcola se mocozou no Terra Vermelha do Terceiro Comando Puro (TCP), mesmo Catraca sendo do PCC, e de lá fez ataques aos antigos aliados no Ulysses Guimarães e Morada da Barra, tendo matado em uma única noite quatro integrantes da Gangue da Pracinha, mas como acabou preso por pelo menos uma das mortes, não conseguiu retomar as biqueiras que permaneceram ligadas ao Comando Vermelho.
No Centro de Vila Velha, o Morro da Penha e o Morro do Cobi de Baixo estão sob o domínio do Primeiro Comando de Vitória, que parece ter uma convivência pacífica e comercial com os crias do Comando Vermelho.
Colado ao norte de Vila Velha fica o Porto Santana, também conhecido como Morro do Quiabo no município de Cariacica, local conhecido como um importante centro de distribuição de drogas e disputado à sangue pelos diversos grupos criminosos.
O Porto de Santana está nas mãos do Terceiro Comando Puro (TCP), facção carioca aliada ao Primeiro Comando da Capital de São Paulo que é aliado do Primeiro Comando de Vitória que disputa com o Terceiro Comando Puro — vixi, olha a zona!!!
Se em Vila Velha TCP e PCV disputam, em Vitória o Terceiro Comando Puro está em várias comunidades, entre elas a de Itararé, onde TCP fecha com o TCV.
“Divide et impera” — separar os inimigos para governar
Muito se discute se a separação dos presos por facção dentro do sistema penitenciário é a melhor opção. Os defensores da secção apontam algumas vantagens na adoção desse procedimento:
redução da violência dos conflitos entre os aprisionados;
redução das mortes violentas no sistema;
menor risco para os agentes prisionais por contar com uma pacificação e hierarquização da comunidade carcerária; e
dividir para governar — a divisão impede que os diversos grupos formem coalizões para agir no mundo do crime fora das muralhas.
Estados como São Paulo e Mato Grosso do Sul fazem uma rigorosa triagem dos presos, colocando-os cada qual em seus grupos facciosos, medida tomada após a disseminação do Primeiro Comando da Capital pelo sistema prisional.
Criando e disseminando a semente do crime
Até meados da década de 1980, os cárceres paulistas eram entregues aos grupos que se impunham seu domínio pela força e violência — era comum cortar cabeças de presos “sorteados” para protestar contra a superlotação das carceragens, e o sorteio era feito entre os que não faziam parte dos grupos.
Já na época, haviam os que defendiam que esse grupo deveria ficar em uma única unidade prisional, no entanto, o grupo majoritário defendia que o Estado não deveria reconhecer “as autodenominadas facções dos presos”.
E assim foi feito, e as constantes transferências espalharam a filosofia do Primeiro Comando da Capital para todas as unidades do estado de São Paulo, e quando o governo viu o erro, em maio de 2006, já era tarde e o PCC paralisou todo o estado e o deixou refém da criminalidade.
Tudo Junto e Meio Misturado sob o governo de Renato Casagrande do Espírito Santo
Hoje, vários estados adotam a separação, no entanto outros optam por manter os diversos grupos criminosos sob o mesmo teto, alegando que o Estado não pode reconhecer grupos criminosos e que ao concentrar os integrantes em uma unidade os administradores ficam mais vulneráveis às pressões internas.
Todos nós conhecemos o resultado dessa opção.
Os noticiários internacionais, que raramente lembram do Brasil, expuseram o fracasso dessa política prisional tupiniquim adotada no Amazonas e no Rio Grande do Norte após os massacres do COMPAJ e de Alcaçuz e a desmoralização de seus governos.
O estado do Espírito Santo na administração do governador Renato Casagrande segue pelo mesmo caminho:
“Não realiza a separação de internos em galerias ou unidades por auto declaração de participação em facções ou organizações criminosas”
“Lá tá todo mundo junto, tá ligado? Mas é mais essa parada, PCV, PCC, Primeiro Comando do Estado, tem essas paradas todas, fica todo mundo junto desembolando os cauôs, desembolando as tretas.”
me conta um conhecido de dentro do sistema capixaba
A experiência mostra que a mistureba de presos só pode dar ruim, no entanto, esse caos instalado propositalmente pelo governo dentro do sistema prisional capixaba parece que está conseguindo criar um padrão único no estado.
A pacificação dentro dos presídios não está acontecendo por ação ou eficiência do poder público, mas pela negociação caso a caso dentro dos diversos grupos criminosos que estão por trás das muralhas.
Essas negociações entre os crias das diversas facções do crime no dia a dia dentro do sistema prisional se reflete nas quebradas com parcerias de negócios sendo fechados com grupos que, em outros estados, estariam se matando.
Para manter a paz dentro dos presídios, as tretas da rua passam a ser resolvidas nas ruas de forma pontual sem comprometer as organizações criminosas — o que explicaria em parte porque o caso do Catraca e Marcola não espalhou a guerra para todo o município, estado e para dentro do sistema prisional.
Uma guerra entre facções pode empilhar corpos nas periferias e presídios, jogando as nuvens a taxa de homicídios a 71,8 (Roraima), 54 (Ceará) e 52,5 (Rio Grande do Norte), e no outro extremo com a pacificação derrubar essas taxas a 6,5 (São Paulo), já o Espírito Santo ficou com 24,8 pois não tem uma verdadeira guerra entre facções, mas possui disputas individuais.
Dúvidas que não querem se calar
O caso de Vila Velha e Cariacica pode indicar que a política prisional do governo do estado do Espírito Santo do governador Renato Casagrande está perdendo o efeito de unir os grupos criminosos rivais?
Se assim for, haverá mais de mortes nas periferias ou as organizações criminosas estabelecerão novos e mais amplos acordos de paz e cooperação?
O governo está gestando uma nova geração de criminosos que correrão juntos, mesmo que divididos?
Camila afirma que a facção repudia homossexuais, já Oberdan afirma o contrário, e eu afirmo que ambos estão certos:
PCCs não aceitam homossexuais dentro da organização, mas não fazem restrições a eles na sociedade, havendo rígidas regras de convívio nas prisões: distanciamento, impedimento de uso do pátio e banheiro com outros presos, cabendo ao disciplina da tranca impor as regras para visitas (íntimas nem pensar).
O culto à masculinidade para combater a escravidão sexual
O culto à masculinidade acabou se internalizando no comportamento de quem vive fora dos presídios e dentro da área de influência do PCC.
Se a sexualidade influi indiretamente em todos nós e em todos os momentos de nossa vida, no mundo do crime não seria diferente — para o bem e para o mal.
Esse culto à masculinidade com todos os seus atributos foi imposto pela facção para acabar com os crimes sexuais dentro dos cárceres, o que foi bom.
O abuso sexual, comumente perpetrado pelos presos mais fortes e violentos, também era explorado por agentes policiais e carcerários, o que era mau.
A libido reprimida do criminoso e os gatos
O comportamento esperado de integrantes da facção, seus aliados e familiares é ditado pelo conceito conservador dos papéis do homem e da mulher.
As mulheres da facção, sejam dos corres, da liderança, ou da família, agem e são tratadas e respeitadas como mulheres, mas cumprem um papel distinto ao dos homens — havendo exceções para confirmar a regra.
O homem do mundo do crime só será respeitado se for macho, masculino, sem “deslizes”, e se preciso terá que reprimir sua sexualidade (se esta fugir à heterossexualidade), mesmo vivendo em uma sociedade relativamente liberal como a brasileira.
Já Coutinho diz que, ao contrário dos cães, o gato é um perfeito avaliador da personalidade masculina, e por essa razão um gato não se submete a um macho alfa de libido reprimida — magoou a mim e aos meus quatro cães, até mesmo para o menor deles que não paga pau nem para o meu policial e nem para os outros maiores.
Estudo sobre o Primeiro Comando da Capital coloca em dúvida soluções e análises consagradas na política e no mundo acadêmico.
A pretensão de Marcos: analisar a facção PCC, “especialmente sua transformação de um grupo defensor dos direitos humanos em um ator não-estatal violento e transnacional” — fala sério?
O Primeiro Comando da Capital“é um ator que representa um desafio para a construção de uma sociedade pacífica em toda a América do Sul”? — ele também afirma que sim!
Ele não só fez essas duas afirmações, mas muitas outras. Veja com seus próprios olhos:
Marcos, ao contrário de muitos, acerta em suas previsões sobre a futura consolidação da facção no exterior por não ignorar as origens da organização criminosa.
As autoridades esculacham, encarceram e matam os garotos nas cadeias e nas favelas, gerando ídolos e mártires e assim consolidando o discurso de irmandade contra o opressor.
Fortalecido, com sangue nos olhos e com o sentimento de pertencimento a uma família protetora, o PCC se preparou para enfrentar inimigos poderosos.
Enquanto combate os órgãos policiais de todas as esferas, encara guerras com outros atores do mundo do crime de norte a sul do país: da Rota do Solimões no Amazonas à Guerra do Paraguai, passando pela disputa pelo domínio dos portos ao longo dos 10.959 quilômetros de costa.
Estima-se que apenas a cannabis que circula no Cone Sul, se legalizada, geraria 10 bilhões de dólares anuais — daí o interesse dos grupos criminosos pelo domínio dessas rotas.
o Primeiro Comando da Capital distribui 60% da cannabis produzida em solo paraguaio em uma área estimada entre 7 e 20 mil hectares (1.340 municípios brasileiros tem uma área de até 20 ha.) que produzem entre 15 e 30 mil toneladas por ano, ocupando duas dezenas de milhares de trabalhadores rurais: da pequena agricultura familiar aos latifúndios com o que há de mais avançado no agronegócio.
Enquanto o Estado ignora as origens da organização criminosa e a hipocrisia de suas política de drogas, os facciosos se abrigam por traz das muralhas do sistema prisional, se restabelecendo após cada ataque das forças de segurança .
Ao longo de sua história, o PCC tem sido um terreno fértil para o crime, principalmente pelo alto índice de pobreza e violência cultural do Estado em favelas e áreas pobres. Sem justiça social, a justiça baseada no crime encontra espaço para avançar.
Marcos Alan Ferreira
O Primeiro Comando da Capital garante a segurança para os seus nos locais onde o Estado só se apresenta pela sola dos coturnos, chutando e pisando em seus filhos e irmãos.
O imaginário da garotada é então capturado pela narrativa do infrator que se opõe aos poderosos e protege os indefesos ao mesmo tempo que enriquece.
Soldados preparados para usar a violência e a força armada, mas cuja principal arma é o espírito de família e o medo e o respeito que o nome Primeiro Comando da Capital impõe.
Robert Mandel, por sua vez, afirma que ficou ainda mais difícil construir uma sociedade brasileira mais harmoniosa com um ator tão violento e organizado como a facção PCC.
Robert confunde o sintoma com a doença — o Primeiro Comando chama a atenção para as desigualdades e para a criminalidade, assim como a febre alerta para uma gripe…
… já “Seu Jair” ignora a doença, colocando o enfermo em uma banheira com gelo para diminuir a febre.
Robert erra no atacado, mas acerta no varejo: seria mais cômodo assistirmos na tv, entre um assunto ou outro, sobre as condições desumanas no sistema carcerário e nas periferias em vez de sermos obrigados a encarar de frente essa situação.
“Seu Jair” erra no atacado e no varejo: não será com ações simples aprendidas em filmes americanos e no “Cidade Alerta” que se enfraquecerá a facção.
Marcos acerta no atacado e também no varejo:
“Este cenário desafiador não pode ser tratado com respostas simples. A presença e letalidade do PCC atingiu tal gravidade que uma abordagem de lei e ordem precisa ser combinada com uma abordagem abrangente. Um ponto de partida seria o controle do Estado sobre as prisões, aliado à presença em favelas e áreas pobres por meio de políticas sociais e de participação pública que tornam o crime uma opção menos atrativa para os jovens. Embora esse plano possa ser visto como utópico, a realidade é que uma abordagem de lei e ordem não resolverá o problema, nem apenas expandir as prisões sem uma estratégia clara para transformar o comportamento dos detidos. Problemas complexos exigem respostas abrangentes, especialmente para enfrentar um ‘ator não-estatal violento e transnacional’ poderoso que opera além das fronteiras nacionais.”
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
O grupo criminoso Primeiro Comando da Capital, assim como as bruxas e o comunismo, é utilizado para que grupos políticos, que estão no poder ou desejam chegar a ele, criem um ambiente de terror com alguma finalidade específica.
Aparentemente é o que voltou a acontecer agora na Bolívia, onde parte do governo do presidente Luis Arce deseja facilitar a ação no país da Drug Control Administration (DEA), apesar de há muito a facção PCC 1533 ter caído no esquecimento pela população boliviana.
Os números do Google Trends não deixam dúvidas de que o fantasma está sendo alimentado artificialmente para então poder ser combatido.
Facção PCC: os dois lados da questão
Quem se opõe a essa narrativa para justificar uma intervenção americana no país, que no geral não acaba bem, é o vice-ministro de Substâncias Controladas, Jaime Mamani Espíndola, que afirma que se fosse significativa a presença da facção paulista no país as autoridades não poderiam circular livremente como o fazem.
Quem apoia e alimenta essa narrativa e pede a presença do DEA, que no geral acaba trazendo dólares para o país e holofotes para políticos e agentes do Estado através de políticas de “intercâmbio”, é a oposição de direita que há poucos anos tentou tomar o país a força e a Comunidad Ciudadana (CC), uma coligação política de centro liderada pelo ex-presidente Carlos Mesa.
Enquanto cresciam as igrejas neopentencostais, nos anos 1980, os morros cariocas e as periferias paulistanas passaram a ser palco de uma nova tensão provocada pela chegada do tráfico de drogas como grande negócio transterritorial.
Naquela década, o Brasil era uma rota fundamental para o trânsito de cocaína dos Andes para a Europa e, além disso, um mercado promissor para o consumo de cocaína, solventes e maconha.
Hoje o Brasil se tornou o segundo maior mercado do mundo depois dos Estados Unidos, com dois milhões e oitocentos mil consumidores.
Das prisões abarrotadas surgiram os grupos de autodefesa de presos que logo controlariam o governo das próprias prisões e de territórios em favelas e periferias.
Do seminal Comando Vermelho, formado no presídio da Ilha Grande em 1979, ao Primeiro Comando da Capital, nascido em 1992 no presídio de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, a combinação entre proibição das drogas, repressão policial e a continuação constante da criminalização das populações pobres e negras fez o narcotráfico florescer e se desdobrar em outros rentáveis ilegalismos aproximando agentes do Estado de soldados do tráfico.
A produção desse novo crime, o narcotráfico, tem uma história que remonta às primeiras ondas de proibição das drogas no início do século XX, mas tomou forma de “ameaça” à “ordem” nos discursos governamentais e na grande imprensa a partir dos anos 1980.
Caça aos negros e pobres: guerra às drogas
Após trinta anos da versão brasileira da “guerra às drogas”, seguindo dados conservadores fornecidos pelo Ministério da Justiça, cerca de 20% dos homens presos e 51% das mulheres, se encontram confinados(as) por condenações ou processos em curso relacionados ao tráfico de drogas. Deles, cerca de 60% são “pretos” ou “pardos”, constituindo a categoria “negro”, segundo o IBGE. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen)/Infopen de 2017, 63,6% da população carcerária brasileira é composta por pretos/pardos, enquanto representam apenas 55,4% do total. Com a terceira maior população prisional do mundo (com 748.009 pessoas presas segundo dados do Depen de abril de 2020), o Brasil prende majoritariamente pobres, jovens, negros e negras e de baixa escolaridade.
A atual política de combate às drogas que nós temos não só é ineficiente como amplia essa situação que estamos vivendo. Quando se pega um moleque com uma trouxa de maconha, uma pedra de crack, sem armas, sem ter cometido crimes violentos, que não é reincidente, e o joga dentro de unidade prisional controlada pelo PCC, Comando Vermelho, simplesmente se cancelando a possibilidade de se resgatar esses jovens. Ao mesmo tempo, dentro do sistema prisional, cerca de 80% não tem atividades educacionais ou laborais. Então não se prepara esse jovem para a ressocialização, para que ele volte à vida social e para o mercado. Essa é uma política que não resolve.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
A criação da organização criminosa Primeiro Comando da Capital: a facção PCC 1533 como fruto do anseio popular, decidido democraticamente nas urnas.
O caldo político que gerou a facção PCC: PT, PSDB e PMDB
Facção PCC 1533 — um problema complexo
Para os apoiadores do Regime Militar, uma péssima notícia: a taxa de homicídios no Brasil durante o governo do general Figueiredo aumentou em 50%; já para os apoiadores do regime democrático, podemos resumir o resultado desses governos em uma paráfrase:
Não se colocou uma meta para o aumento do número de assassinatos, deixou-se a meta aberta, mas, quando foi atingida, essa meta foi dobrada.
O Primeiro Comando da Capital nasce no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, em pleno regime democrático, tendo à frente governos liberais e conservadores: sob a presidência da República de Sarney, Collor e Itamar, e tendo os pemedebistas Quércia e Fleury nos governos de São Paulo.
Não, senhores liberais conservadores, não foram os governos de esquerda do PT ou do isentão PSDB, que gerou a facção PCC! E ela foi gerada em um ambiente liberal e conservador.
A curva ascendente do número de homicídios foi só um dos efeitos perversos do governo militar do general Figueiredo amplificado pelo governador de São Paulo, Paulo Salim Maluf — talvez você se lembre ou já tenha ouvido falar do governador Maluf, ele é aquele do:
Rota na rua
a mãe cria, a Rota mata
está com dó, leva pra casa
bandido bom é bandido morto
Esse modelo opressor elevou em 50% o número de pessoas assassinadas, e seus defensores acabaram defenestrados pela população, sendo substituídos por Sarney na presidência da República e Franco Montoro no governo de São Paulo.
Bolsonaro apostando em uma falácia
O político Jair Bolsonaro conhece como ninguém a força de um discurso, e não se importa em se contradizer, afinal, aqueles que nele acreditam não ligam de serem enganados .
Para o sociólogo Gabriel Feltran, que estuda o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que comanda a maioria dos presídios do estado, o voto é abertamente antitucano, “eles vão em mil debates falar: ‘Mano, olha o que o Alckmin fez, é verme.’ Então, nessa perspectiva de julgar o passado, eles constituem os parâmetros para pensar o futuro.” (…)
O sociólogo Rafael Godoi observa que o sistema carcerário paulista “tem o DNA” do PSDB. “A gente tinha 40 mil presos no começo dessa política carcerária, décadas atrás, e agora são 250 mil”, explica Feltran. “Isso sem contar a população de mais de 1,3 milhão ex-presidiários no estado.”
Na eleição de 2018, o desempenho dos tucanos também foi pior nas penitenciárias do que no estado de forma geral. Geraldo Alckmin obteve 2,78% dos votos válidos para presidente (…) Nas eleições para governador, João Doria obteve apenas 4,75%.
Certa vez, na delegacia, respondendo a um dos inquéritos sobre a existência desse site e qual o meu envolvimento com a facção criminosa, um dos inquisidores questionou qual seria a solução para acabar com a facção.
Se houvesse uma resposta simples para um problema complexo, até o presidente Bolsonaro conseguiria responder — respondi.
Ferramentas progressista para conter o crime
As políticas de segurança pública começaram a ser reformadas, buscando a humanização do sistema penal e prisional e da ação policial, mas a curva de crescimento do número de assassinatos apenas se estabilizou, não chegando a retroceder.
O país passava por uma onda de crimes violentos, e o apoio político à reforma diminuiu. Isso deixou o sistema penitenciário brasileiro excessivamente dependente de confinamento solitário, repleto de arbitrariedade e violência por parte dos guardas prisionais, e possuindo pouca ou nenhuma responsabilidade pela administração penitenciária. Consequentemente, o Brasil experimentou tumultos periódicos nas prisões quando os prisioneiros se chocavam com os guardas e entre si.
Foi com esse comentário que Ryan me mostrou como as políticas de humanização que estavam sendo implantadas foram minadas por problemas que nada tinham a ver com elas, mas não tiveram força para impedir a interrupção das mudanças que se iniciavam.
O ovo da serpente foi acalentado no ventre de um sistema prisional opressor, superlotado e violento, cujos muros foram assentados um a um por 483 anos desde o Brasil Colônia até a redemocratização pós Regime Militar, mas deram à democracia apenas 4 anos para reverter totalmente o processo.
O uso da força para controlar o crime (de novo)
Novamente a sociedade busca solução com o uso da força, e elege governantes linha dura, que buscam atender aos anseios populares de repressão e supressão dos avanços na humanização do sistema prisional — assumem Fernando Collor na presidência da República e os governadores em São Paulo: Quércia e Fleury (PMDB).
Cumprindo com o discurso de campanha de restabelecer a “lei e a ordem” a qualquer custo, mataram ao menos 111 presos no Carandiru, e com isso permitiram que a filosofia da Paz, Justiça e Liberdade PJL, pregada pelos integrantes da facção PCC, conquistasse os corações e as mentes do mundo do crime.
A partir dessa chacina promovida pela da Polícia Militar e nesse ambiente político e social, as gangues rivais e os criminosos independentes que existiam dentro dos presídios deixaram de lado as diferenças para se fortalecerem em grupos maiores, buscando proteção contra a política de extermínio e as humilhações impostas por policiais e carcereiros.
Ferramentas progressista para conter o crime (novamente)
Novamente a sociedade busca solução com o uso de ferramentas de controle da violência policial e humanização do sistema penal e prisional, colocando na presidência da República Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Mário Covas, ambos do PSDB.
Em 18 de fevereiro de 2001, o Primeiro Comando da Capital se apresenta à sociedade sob o governo dos psdbistas, tornando oficialmente Fernando e Mário os pais dessa criança, mesmo não sendo os responsáveis pela gestação.
Cláudio Lembo entra de gaiato no navio
Lembro-me bem. O primeiro texto foi sobre as ações do chamado “Primeiro Comando da Capital” (PCC), este formado por presidiários, e que surgia nas casas de detenção daquele ente federativo, criando um poder paralelo ao Estado. O governador da época era Carlos Lembo, que ficou no comando do Palácio dos Bandeirantes por pouco tempo (um ano); assumiu quando o então governador Geraldo Alckmin se candidatou à Presidência da República, em 2006. Lembo, logo de cara, mal tinha sentado na cadeira mais importante do estado de São Paulo, e já tinha que resolver um grande problema: crise na segurança pública.
Como o PT entrou nessa história? Sei não. Para responder uma pergunta complexa como essa, é melhor perguntar para Bolsonaro e seus seguidores que costumam mugir sobre esse assunto.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
O pesquisador americano Ryan C. Berg analisa as condições que propiciaram o surgimento e a expansão da facção PCC 1533, a maior organização criminosa sul-americana.
A organização criminosa Primeiro Comando da Capital só terá sua operações transnacionais inibidas se os EUA e o Brasil desenvolverem uma ampla parceria anti-crime para as Américas. Com o governo americano designando a facção PCC como uma organização criminosa transnacional, haverá amparo legal para a extradição dos principais líderes. — conclui o pesquisador americano Ryan C. Berg no estudo Breaking out: Brazil’s First Capital Command and the emerging prison-based threat, publicado pela American Enterprise Institute.
Facção PCC 1533: origem e crescimento
Em apenas alguns anos, o Brasil emergiu como um importante corredor do crime organizado transnacional na América Latina. Os formuladores de políticas brasileiras responderam a insegurança generalizada do país e o aumento da criminalidade construindo prisões e acelerando a política de encarceramento.
No entanto, em vez de manter os brasileiros seguros de criminosos violentos, as prisões estaduais e federais geraram e se tornaram a sede operacional de um dos grupos criminosos com crescimento mais rápido e ameaçador da América Latina: o Primeiro Comando da Capital (PCC).
A estratégia governamental de encarceramento em massa, que lotam as prisões brasileiras com novos detentos exacerba o problema, uma vez que a facção PCC converteu as prisões do país em centros logísticos e centros de treinamento de atividades ilícitas.
Além do tráfico drogas e armas e de megaoperações de assalto a bancos, o PCC construiu uma burocracia altamente funcional para sua governança interna, o que permitiu ampliar seu controle além dos muros da prisão para fornecer ordem aos vastos territórios onde o governo não se fazia presente, executando de maneira altamente eficaz ataques sincronizados contra as forças públicas e passando influenciar a política eleitoral do Brasil.
O rápido crescimento do PCC na América Latina demonstra que os presídios transformaram-se no fator de incremento ao crime organizado. A facção paulista mostrou-se imune ao encarceramento e convertendo as prisões do Brasil, de inibidores da criminalidade para multiplicadores do crime. No Brasil, o encarceramento deixou de ser o caminho para desmantelar o crime organizado transformando-se na porta de entrada para novos integrantes.
Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, são campo fértil para a expansão do Primeiro Comando da Capital. Esses países não têm experiência significativa no combate a grupos criminosos do porte da facção paulista, que pretende aproveitar essa fragilidade para continuar seu desenvolvimento explosivo, tornando-se a organização criminosa com maior domínio na América Latina desde o famoso Cartel de Cali.
Facção PCC 1533: o que você não pode deixar de saber
• Grande parte dos homicídios no Brasil resultam da guerra entre facções pelo domínio de pontos de vendas de drogas no varejo e o domínio das rotas transnacionais, sendo muitas mortes se dão dentro do superlotado sistema prisional.
• O PCC tomou forma em São Paulo durante o início dos anos 90, como presos organizados contra más condições carcerárias para impor ordem e preservar vidas. Eventualmente, a facção passou a projetar sua influência e controle bem além dos muros da prisão, nas vastas favelas urbanas brasileiras.
• O PCC derrotou muitos de seus rivais domésticos, estando hoje presente em todos os estados do Brasil e com operações em quase todos os países da América do Sul. A organização criminosa fechou parcerias comerciais com grupos mafiosos europeus e o Hezbollah libanês, e a recrutar guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e refugiados venezuelanos.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
Dentre os convidados, o pesquisador Ubirajara Chagas Favilla do Instituto Brasileiro de Direito e Criminologia abordará a facção Primeiro Comando da Capital onde traçará o perfil da organização criminosa e seu real poder dentro e fora das muralhas carcerárias.
Se você não se recorda de Ubirajara, me permita lhe refrescar a memória.
O tempo, assim como o PT, passou e vieram a Lava Jato, Bolsonaro, Dória e Witzel que desdenham dos limites legais impostos sob o argumento do combate a um mal maior, e agora como fica e como essa nova política de abate está influenciando a facção Primeiro Comando da Capital?
O pesquisador colocava mesmo balaio de gato a facção PCC 1533 e as milícias, denominando-as como “organizações criminosas privadas”, que tinha como característica se utilizarem da violência para impor seu poder e domínio, em contraposição aos grupos criminosos políticos e econômicos.
As milícias seriam organizações “privadas” à parte das instituições públicas policiais e militares e dos grupos políticos?
A ligação dos políticos cariocas, incluindo a família Bolsonaro expuseram que a máquina pública sustenta e apoia as milícias, e essa utilizam equipamentos, logística e pessoal pagos pelo Poder Executivo.
O Primeiro Comando da Capital no Rio de Janeiro, assim como seu aliado Terceiro Comando Puro (TCP) e o que sobrou dos Amigos dos Amigos (ADA), enfrentam um novo desafio, enfrentar o Estado com seu braço miliciano – será esse um dos pontos a ser abordado por Ubirajara?
Bolsonaro, Witzel e Dória se elegeram sob a bandeira do combate ao Primeiro Comando da Capital e à outras facções, no entanto as politicas de encarceramento em massa e de impunidade para os crimes cometidos por policiais que prendem e matam crianças e qualquer um lhes pareça suspeitos estarão contribuindo para o enfraquecimento da organização ou, ao contrário, estarão conquistando corpos e corações para alimentar os grupos criminosos?
Esses são apenas alguns dos pontos espinhosos que Ubirajara terá que esclarecer durante o seminário no Rio de Janeiro. Se no passado era simples separar o joio do trigo, hoje o desafio está outro nível, quem participar dos debates verá.
Aposta na troca de conhecimento e experiências
Os organizadores da décima quarta edição do seminário mantiveram o formato das edições anteriores nas quais o debate mediado e a troca de experiências entre participantes, palestrantes, autoridades e pesquisadores, permitiram que pensamentos diversos encontrassem um ambiente fértil para conhecer de forma produtiva suas contraposições, permitindo que cada participante pudesse reavaliar suas próprias convicções.
Conheça os demais palestrantes e os tópicos abordados:
Colocando em dúvida as conclusões de pesquisadores e seus argumentos contra as alterações na legislação propostas pelo governo federal
A facção PCC 1533 entre o Impuro e o Puro
De certo, Bolsonaro e Sérgio Moro estão certos, e o tempo há de provar.
Eu não tenho dúvidas que a “voz do povo é a voz de Deus”, e foi o povo quem elegeu nas urnas Jair Messias Bolsonaro e nas ruas e nos corações Sérgio Moro; portanto, eles representam a vontade de nosso povo e, consequentemente, a de Deus.
As mudanças legislativas propostas permitirão o efetivo combate aos criminosos pelas ilibadas forças policiais nas ruas assim que forem retiradas as amarras que ameaçam os agentes da lei com punições por supostos abuso de autoridade.
O aparelhamento de um sistema carcerário rigoroso e a investigação criminal e financeira são as outras duas bases desse tripé que levarão ao solo as organizações criminosas como a facção paulista Primeiro Comando da Capital.
De certo, José e os outros estão errados, e o tempo há de provar.
Não venha Sandra Cristiana Kleinschmitt me dizer que a criminalidade se fortalecerá sob o império do liberalismo econômico proposto por aquele que foi eleito pelo povo e reverbera a voz de Deus. Cristina chega a afirmar que:
Não me venha Fabrício Potim me dizer que a trilha seguida pelo eleito, facilitando a compra de armas automáticas (incluindo as 9mm que até então eram de uso exclusivo das forças armadas):
com o encarceramento em massa e a maior rigidez prisional, o recrutamento de novos membros para a facção e sua doutrinação cresce exponencialmente;
com o “cidadão de bem” comprando armas, as biqueiras vão poder novamente se rearmar – em vários estados as armas hoje só estão disponíveis para missões;
com Flávio Bolsonaro no apoio, não há que se preocupar com o Coaf pesquisando as movimentações financeiras da facção; e
com o aumento da letalidade e da violência policial incentivada pelos governantes, a comoção gerada pela morte de inocentes possibilitará a criação de regras mais rígidas para controlar o trabalho policial.
Os que fomentaram o mal que nos atinge são aqueles que se apresentam como paladinos de nossa proteção: o memoricídio e a facção Primeiro Comando da Capital.
Recebi essa semana seu e-mail, no qual você pediu para que eu escrevesse sobre o tempo em que o sistema prisional ainda não estava sob o controle total da facção Primeiro Comando da Capital:
Mas não farei o que me pede, irmão.
Sem querer, você mexeu com minha sanidade ao desenterrar tristes lembranças, e agora, enquanto o respondo, sou tomado pelo frio, pela tristeza e pelo rancor que eu já havia deixado para trás.
Depois daquela noite em 1982, meus sonhos noturnos me abandonaram, e passei a sonhar durante o dia. Sobre isso, nosso amigo Edgar, quase nunca sóbrio, mas sempre com filosófica sobriedade, me disse que eu é que era um cara de sorte:
Desde que o frio, a tristeza e o rancor se abateram sobre os meus, eu nunca sei se o que vejo ou o que lembro é de fato real ou se é algo criado em minha mente por forças que eu não tenho como dominar.
Peço que desconsidere algum trecho que lhe pareça ter sido fruto de um desses sonhos diurnos forjados pelo caos que se tornou minha mente, ou então que lhe pareça que seja uma memória que jamais deveria ter sido resgatada das masmorras do passado.
O esclarecimento do crime pela Polícia Civil
Os garotos e o assassinato na chácara
Logo que voltei à cidade, por volta de 1980, vivi em uma chácara com uma mulher e seus três filhos. Formávamos um belo casal, e aquelas crianças faziam de nosso lar um lugar sagrado e feliz.
As crianças cresceram, e o mais velho, Lucas, acabara de fazer 18 anos, enquanto seus irmãos, Luciano e Luan, eram apenas um pouco mais novos – maldita hora em que eu brinquei numa noite dizendo que só faltava Lúcifer para completar a família!
Como sempre, às sextas-feiras, Lucas foi com Luciano até uma chácara não muito longe da qual morávamos, mas naquela noite houve por lá um assassinato – nunca saberemos ao certo o que realmente ocorreu, mas o dono da chácara foi morto.
Os garotos voltaram assustados e não conseguiam falar coisa com coisa – estavam em choque.
Assim como é hoje, na década de 1980, a polícia queria mostrar serviço, e no dia seguinte uma viatura veraneio preto e branca foi até a chácara para levar Lucas e Luciano à delegacia para ajudar a esclarecer o crime.
Nunca perguntei o nome daquele policial que levou os meninos, mas deve ter sido aquele que sem querer invoquei na noite anterior – Luciano não mais voltou vivo.
Sistema de (In)Justiça Pública
Polícia, MP-SP e Justiça: parceiros na injustiça
À noite, estranhamos que os garotos não voltavam da delegacia. Não tínhamos como chegar até a cidade, e Luan, o mais novo, seguiu a pé – era uma caminhada de pelo menos duas horas e ele não voltaria antes da meia-noite. Esperamos a noite toda.
No dia seguinte, a mãe dos garotos pegou uma carona com vizinhos. Na delegacia não teve notícias de Luan, informaram que Lucas confessou ter matado o dono da chácara para roubar seus pertences e que Luciano morrera:
Ao sair da chácara no dia anterior, a viatura não foi para a delegacia, e sim “fazer diligências com os garotos em uma fazenda”, e quando os policiais desceram com os garotos para “conversar” , Luan teria tentado pegar a arma do policial e foi morto.
Naquele tempo, o que o policial colocava no papel a Promotoria de Justiça aceitava (mais ou menos como acontece hoje); não havia audiências de custódia (instituídas em 2015), e os presos não eram enviados para os centros de detenção provisória (que nem existiam).
Meu sangue esfriou ao ler sua descrição do horror que eram as antigas “cadeias públicas” espalhadas por todas as cidades do interior e bairros da capital – milhares de homens enjaulados e empilhados, muitos sem julgamento, e outros tantos sem nem mesmo inquéritos (encarcerados provisoriamente pela capricho de algum político, empresário, ou delegado).
Me lembrou todas aquelas noites quando a mãe dos meninos voltava para casa contando os horrores que havia ouvido entre as mães e mulheres de prisioneiros que ficavam no entorno da delegacia – quando não eram enxotadas pelos policiais entre pilhérias como cães sarnentos.
Havia preço para tudo: ver o preso fora do dia da visita; deixar o “faxina” ou o carcereiro entrar com alguma coisa; e até mesmo a liberdade podia cantar, mas aí a conversa tinha que ser bem conversada, e não dava para nós.
Iniquidades sob os olhos vendados da Justiça
Estupro como empreendimento comercial no cárcere
Nesse ponto em que lhe escrevo, o frio, a tristeza e o rancor correm por onde antes fluía meu sangue, tudo porque você desenterrou lembranças de um passado que nunca deveria ter existido, mas que está cada dia mais perto de retornar, se não para mim, para outros.
Fico com ódio só de lembrar da noite em que a mãe dos meninos chegou chorando, pois soube que o garoto estava sendo usado como escravo sexual para que ela não fosse estuprada no dia da visita.
Quando ela relatou o caso para o carcereiro, ele se prontificou a retirá-lo da cela onde estava e colocá-lo em uma mais segura, mas pediu um dinheiro que não tínhamos, então deu de ombros.
Durante muitos anos, a mãe dos meninos ficou todos os dias em frente à delegacia para que dessem notícia de Luan, o mais novo, que havia sumido ao ir procurar os outros, e ficando lá, ela sentia que de certa foram protegia o filho que lá ainda estava preso.
Quando ela não retornava a noite, eu sabia que era por que a “tranca virou”, havia motim e algum preso iria morrer, para alegria da mídia que venderia mais jornais, dos políticos que apareceriam dando soluções mágicas ou do delegado que virava pop star.
Após o julgamento, se condenado, Lucas iria ou para a “Casa de Detenção do Carandiru” ou para a Penitenciária do Estado na capital, ambos depósitos pútridos de gente – havia outras 13 penitenciárias, mas os condenados daqui sempre iam para a capital.
Hoje, olhando para aquele tempo, vejo que o governador tentava humanizar o sistema prisional, mas a cultura do ódio havia degenerado o sistema como um câncer, alimentado por interesses políticos e econômicos enraizados na polícia durante o Regime Militar.
E mudanças culturais não ocorrem da noite para o dia:
O garoto viveu os piores horrores por quatro anos até seu julgamento, no qual foi inocentado – não havia provas, apenas a sua confissão, que foi colhida na delegacia e que apresentava contradições com a forma como o homem foi de fato morto.
Lucas foi torturado e preso por policiais que forjaram a sua confissão, mataram Luciano e sumiram com Luan que nunca fez mal a ninguém… e os responsáveis sequer tiveram que responder por seus crimes e pela tragédia que impuseram à família.
Maldita hora no qual brinquei que só faltava Lúcifer para completar nossa família! Ele não se fez de rogado, veio no dia seguinte em uma viatura veraneio preto e branca para destruir minha família e inundar de frio, tristeza e rancor minhas veias.
O Massacre do Carandiru como berço do PCC 1533
Da opressão do cárcere nasce a facção PCC
Na década de 1990, as revoltas explodiram nas “cadeias públicas” e no restante do sistema prisional brasileiro – a população carcerária não aguentava mais a opressão dentro do sistema prisional paulista, o que faz surgir a facção PCC 1533.
Carapanã: Viracasacas Podcast (em 1h11m11s do episódio 125)
Agentes públicos e gangues que agiam dentro do sistema prisional tiveram que se curvar diante de um grupo hegemônico e coeso, cessando a carnificina e a exploração.
José Roberto de Toledo, da Revista Piauí, nos conta com assombro como é essa nova realidade:
Lucas foi solto antes que a hegemonia do Primeiro Comando da Capital trouxesse para dentro dos cárceres a pacificação, e emparedasse o Estado exigindo melhores condições nos cárceres, como constava no Estatuto do PCC de 1997:
No total, 111 presidiários foram assassinados por 74 policiais, embora os presos feridos que pereceram depois nunca entraram na contagem, o que indica que cada policial teve pelo menos 1,4 cadáver para chamar de seu – apesar da atrocidade, 52 desses PMs foram promovidos.
Com a repercussão internacional do massacre e vendo que os presos não abandonaram a luta, ao contrário, recrudesceram-na, o estado de São Paulo passou a paulatinamente adotar políticas visando a criação de condições mais dignas dentro dos cárceres.
Castigo abstrato e castigo Concreto
Perdoando aquele que mata mas não perdoa
Tantos afirmavam que eu deveria entender a ação dos policiais que mataram Luciano, desapareceram com Luan, fizeram de Lucas um homem que hoje perambula pelas ruas catando latinhas, e enlouqueceram a mãe dos garotos que…
… eu aceitei e enterrei essas lembranças no fundo das masmorras da memória e não mais pretendia resgatá-las, perdoando e esquecendo o mal causado por aqueles assassinos, que por sua vez, não foram capazes de perdoar um garoto empinando pipa com uma paradinha na mão:
“Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.”
Para uns, o que aqueles policiais militares fizeram no Carandiru ou o que os policiais civis fizeram com os meninos foram crimes cujos responsáveis deveriam ter sido punidos, mas, para outros, não.
Para uns, o que aqueles garotos, que empinam pipas ou conversam nas ruas e praças e vendem drogas para quem os procuram, fazem deveria ter uma punição, mas, para outros, não.
Em algumas nações, esses policiais ficariam presos, isso se não fossem condenados à morte, enquanto em outras nações os garotos poderiam vender legalmente certas drogas em lojas.
O Primeiro Comando da Capital conquistou a hegemonia pela força, assim como as forças policiais mantêm sob controle a criminalidade com demonstrações de poder e crueldade. É o efeito dobradiça descrito pela pesquisadora Tarsila Flores:
A complexidade que envolve a referida situação repugna toda e qualquer tentativa na suposta identificação de um único responsável que dispare o gatilho da geração desse fenômeno.
Enquanto “cidadão de bem” torce para preso morrer, Cristo…
Um longo caminho separa a justiça carcerária
Desde que tudo isso aconteceu com os meninos, a realidade mudou muito à custa de rios de sangue, inclusive de inocentes.
A organização dos cativos em torno da facção Primeiro Comando da Capital, assim como governos que investiram na aplicação de metodologias humanistas na administração carcerária, conseguiu manter a fervura sob controle.
No entanto, ainda hoje há presos cuja totalidade da pena já foi cumprida, porém ainda se encontram nas dependências do cárcere, esperando o BI para cantar a liberdadeque deve ser feito por um advogado, profissional que, por vezes, aproveita mais essa oportunidade de lucrar com as famílias.
A iniquidade aumenta o grau de insatisfação e revolta dos internos no sistema prisional, o que não deve acabar tão cedo, afinal alguém tem que sustentar um milhão e cem mil advogados e mais cem mil formados todos os anos.
A sociedade é complexa e os interesses se opõem, isso é natural, algo da condição humana. Não há bons e nem maus, apenas pessoas que querem viver e lutam pelo seu espaço, e por isso que não vou escrever sobre o que você me pede, pois desenterraria antigas lembranças.
Eu escolhi por minha própria vontade enterrar a lembrança dos crimes cometidos por aqueles policiais, chancelados e protegidos por Promotores de Justiça e Juízes? Será que eu enterrei fundo aquelas lembranças por minha própria opção?
Giselle afirma que não. Eu fui apenas um entre milhares ao longo de nossa história, pois esse memoricídio acontece no Brasil desde a chegada dos portugueses, passando pela escravidão e pelo Regime Militar.
Doutrinando no esquecimento seletivo
Eu, Giselle, aquele policial que estava na viatura preto e branca que foi buscar os garotos e os profissionais da máquina prisional na década de 1980 éramos crias da Ditadura Militar.
“De alguma maneira, essas décadas produziram um esquecimento, sobre o presente de então, que agora é o nosso passado.”
A decisão de perdoar e esquecer tomada por nós que tivemos nossos garotos mortos, torturados, presos ou desaparecidos foi induzida pelo clima da “anistia ampla geral e irrestrita”, que se incorporou à cultura nacional pós abertura política e vige até hoje.
Políticos populistas prometem endurecer o sistema prisional e ampliar o poder dos agentes prisionais e policiais – sob os zurros de aprovação de jovens que nem tem ideia do que isso de fato significa.
Cada um desses garotos que zurram acredita estar protegido por sua bolha imaginária, como se Lúcifer se importasse se de fato eles são trabalhadores, estudantes ou vagabundos – assim como foi no passado, o Promotor e o Juíz acreditarão na versão que o policial apresentar.
Eu desejaria que você não tivesse tirado do fundo da masmorra de minhas memórias essas lembranças que envenenaram novamente meu sangue e minha mente, e, por isso, não vou escrever sobre o que você pede, mesmo por que não poderei escrever por algum tempo.
Hoje, dia dos pais, eu estava a caminho do cemitério para visitar o túmulo de Luciano, quando vejo Lúcifer,de óculos escuros, estacionando sua Hilux preta…
Desde que o frio, a tristeza e o rancor se abateram sobre os meus, eu nunca sei se o que vejo ou o que lembro é de fato real ou se é algo criado em minha mente por forças que eu não tenho como dominar.
Peço que desconsidere algum trecho que lhe pareça ter sido fruto de um desses sonhos diurnos forjados pelo caos que se tornou minha mente, ou então que lhe pareça que seja uma memória que jamais deveria ter sido resgatada das masmorras do passado.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
O carcereiro, a facção PCC 1533, o Estado e a sociedade
Digo a minha garota que ela merece o que está se passando com ela, afinal, foi uma de suas mãos que marcou um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, o mesmo ocorrido talvez se dê no caso de Diorgeres, ou talvez não.
Você se lembra do carcereiro Diorgeres, não?
Nem esquenta, nem ele e nenhum outro carcereiro tem alguma importância para mim, para você ou para aquelas duas acadêmicas, mas, mesmo assim, vou lhe contar algo sobre ele.
(Não devia citar as duas acadêmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS], pois o presidente Jair Bolsonaro alertou que não se deve dar palanque a acadêmicos doutrinados em Gramsci, mas com a permissão do Capitão prefiro dar nome aos bois.)
Assim como a minha garota escolheu marcar um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, Diorgeres escolheu viver nos traiçoeiros corredores do sistema prisional e ser um refém do PCC. Foi escolha dele — ou talvez não.
Desde que eu o conheço, ele não concorda com o zurro popular que exige penas mais longas e condições mais duras e cruéis de encarceramento; assim como ele, o fazem as pesquisadoras da UFRGS: Oriana Hadler e Neuza Maria de Fátima Guareschi.
Contrariando nosso presidente, cito-as, pois foram elas que me explicaram a lógica matemática que leva o Estado a triturar Diorgeres e outros agentes de segurança carcerária (ASPens), sob os aplausos ou indiferença da sociedade, de mim e de você:
As pesquisadoras Oirana e Neusa Maria, ao contrário de mim, de você e do capitão Jair, não acreditam que aqueles trabalhadores e apenados padecem por conta de suas escolhas, mas pelo resultado de uma desumana equação política.
Ave caesarm moritum te salutam
Dos holofotes da mídia ao breu cotidiano
Gilson César Augusto da Silva no artigo “Reality Show das Prisões Brasileiras” faz um breve histórico da evolução do Sistema Carcerário da antiguidade até chegar aos dias de hoje, e compara com a realidade transmitida pelo Big Brother Brasil:
Como fica então aqueles que arriscam sua saúde trabalhando nas galerias do Sistema Prisional, confinados em um ambiente insalubre e claustrofóbico em companhia de pessoas que tiveram problemas de adaptação às normas sociais?
A Segurança Pública e seus agentes são utilizados como peças publicitárias pela mídia e pelos políticos, mas quando os holofotes se apagam são abandonados para sofrerem o desgaste cotidiano, seja nos corredores dos cárceres ou os meandros burocráticos:
A depressão carcerária dos corredores para as mentes
Sangue novo como combustível para o espetáculo
Nós não nos importamos com as condições de saúde daqueles que passam suas vidas dentro das muralhas, sejam eles prisioneiros condenados ou aqueles que por lá trabalham – a imprensa e os políticos sabem disso e entregam à nós o que queremos: um espetáculo.
O cruel abandono dos profissionais
Por vezes tratados como refugo, com falsa benevolência, são postos de lado, havendo uma política de isolar estes das novas “equipes especializadas”, formadas por jovens recém-engajados – prontos para começarem o seu próprio desgaste.
O ambiente insalubre do Sistema Prisional afetará diretamente a saúde mental desses garotos, assim como o fez com aqueles profissionais que os antecederam, no entanto a Administração Penitenciária vende a ideia de que agora será diferente…
… e sempre haverá garotos para assumirem as posições daqueles que já se desgastaram perambulando pelo claustros e que agora não mais aceitam alimentar o espetáculo midiático e político com seu sangue e o de sua família .
Você não acredita? Diorgeres explica com detalhes no artigo “Síndrome do pânico em agentes de segurança penitenciária”, publicado no site Canal Ciências Criminais:
O espetáculo (Esp) apresentado pela mídia para o público é igual ao grau de opressão (Op) multiplicado pela economia feita no investimento carcerário (Ec).
A matemática é simples: Op x Ec = Esp
Quanto maiores forem os fatores maior será a possibilidade do caos extrapolar as muralhas dos presídios e, consequentemente, gerar o maior espetáculo midiático possível, elevando a sensação de insegurança do cidadão e abrindo espaço para um grupo político específico.
Aplaudem-se as novas levas de prisioneiros e de agentes de segurança, não porque o mundo ficará mais seguro, mas por nos trazer uma maior sensação de segurança, não importando quem é Diorgeres ou quem são os agentes penitenciários que vivem nas galerias das carceragens.
Bolsonaro e o show da isegurança pública
A política de inSegurança Pública e a política
Fora do meio acadêmico, poucos admitem que toda sociedade é afetada pelo resultado de uma iníqua equação matemática produzida por grupos políticos especializados em vender sua imagem de paladinos da lei e da ordem discursando sobre pilhas de cadáveres:
Se é compreensível que um cidadão caia no conto do político salvador da pátria, é difícil explicar a posição de profissionais que sofrem na pele as consequências dessa política repressiva e ainda assim continuam as apoiando.
Alguns como Diorgeres questionam há muito políticas que tornam esses ambientes pútridos que impregnam os corpos, as mentes e as almas de todos aqueles que por lá vivem e trabalham. Mas esses são exceções, mas…
… ele, assim como outros ASPens, ao assinalarem com um “X” o quadrinho de “opção de função” quando eles se inscreveram no concurso público não pretendiam carregar os estigmas de dentro do cárcere para suas vidas, suas famílias e seus descendentes.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
Os facciosos da organização criminosa Primeiro Comando da Capital e os integrantes da Polícia Militarsabem quem são e para onde vão. Agora, será que você, eu e os ASPENs temos tanta certeza de quem somos e de qual é nosso objetivo?
Essa não é uma pergunta meramente filosófica, mas prática, afinal se você não sabe quem você é, não tem como saber qual o melhor caminho para alcançar ao seu objetivo.
Iguais porém diferentes, por dentro e por fora.
Todos que trabalham nos presídios são iguais – pelo menos é assim que parece para quem apenas vê os agentes penitenciários pela telinha do celular ou da tv quando estes são feitos reféns por amotinados ou entram em greve; nada poderia ser mais enganoso.
Se você é uma dessas pessoas, Victor Neiva e Oliveira pode lhe contar com detalhes como se dividem os profissionais prisionais: os agentes de linha de frente, os GIRs, os GITs, os SOEs, os COPEs…
… mas, principalmente, como essas pessoas se veem – apesar de trabalharem lado a lado, cada um desses grupos tem objetivos e métodos de trabalho antagônicos.
Antípodas
As muralhas que separam esses grupos são tão elevadas quanto as dos presídios nos quais trabalham. Essas diferenças não são apenas profissionais e se aprofundaram em suas almas.
E foi esse universo que Victor me levou a conhecer, em sua tese apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Os facciosos do Primeiro Comando da Capital e os soldados da Polícia Militar é que são felizes, eles sabem exatamente quem são e para onde vão, e seguem firmes para seu destino – ao contrário dos agentes penitenciários, de mim e de você.
Seu João, um dinossauro na carceragem
A primeira vez que vi Seu João eu estava na carceragem do Fórum…
Havia um desentendimento entre presos de dois bondes: um do CDP de Sorocaba e outro do Cadeião (CDP de Pinheiros). Os escoltas gritavam para que parassem a briga e ameaçavam represálias, mas os presos ignoravam as advertências e continuavam o confronto.
Seu João, carcereiro do DELPOL, chegou puxando mais um preso pela algema. Um dos PMs entrou na frente do velho carcereiro para lhe barrar a passagem. Seu João, um negro grande e pesado, fez que nem viu o PM, continuou em frente e entrou na cela.
Os que estavam brigando pararam.
Ninguém esperava que alguém entrasse na cela no meio da muvuca, muito menos um senhor de camisa aberta até quase o umbigo.
Seu João ficou de costas para os briguentos, tirou a algema do garoto que tinha levado para a cela e lhe deu alguns conselhos, quem não os conhecesse acharia que eram pai e filho. O carcereiros agiam como se não tivessem percebido o clima pesado.
Antes de sair da cela, Seu João comprimentou um a um os oito presos que lá estavam. Quando deu a mão para os que estavam tretando, ficou uns segundos a mais segurando suas mãos antes de soltar, olhos nos olhos, semblante plácido e sem ameaças.
Saiu da cela.
Os presos não mais se encararam, ficaram todos com as cabeças baixas: alguns se sentaram, outros não, uns passaram a conversar em tom baixo, enquanto outros ficaram em silêncio – foi assim até que os bondes voltassem para suas unidades com seus custodiados.
Você talvez tenha ouvido falar do que acontecia nos cárceres durante o Regime Militar – seu João era carcereiro naquele tempo. Algo sempre me intrigou: sempre tive a impressão que os PMs e os ASPENs olhavam com desprezo e superioridade para aquele dinossauro…
… e seu João ria muito daqueles garotos quando não estavam por perto – “eles pensam que são durões”, e ria, ria muito.
Seu João era único, só que não.
Víctor conta que ele era o típico carcereiro da década de oitenta – um dinossauro andando entre nós:
Eram outros tempos. Seu João não dava a mínima para os treinamentos, e hoje, com a profissionalização dos presídios, esse tipo de atitude isolada passou a ser vista com desprezo pela maioria da categoria.
Os policiais militares e os ASPENs, que olhavam com desprezo e superioridade o seu João, eram apenas algumas nuvens pesadas que prenunciavam a tempestade que iria levar quase à extinção os dinossauros.
O crime se profissionalizou, assim como as forças policiais e carcerárias, e creio que é quase impossível saber se esse movimento foi simultâneo ou algum dos lados conduziu o processo.
O Primeiro Comando da Capital e as outras organizações criminosas estruturadas, assim como os PMs e os ASPENs, não aceitam mais condutas como as de seu João – se algum preso aceitasse o contato com o velho dinossauro, o vacilão seria chamado para o debate.
Os presos como empoderadores de seus algozes
Muitas vezes ouvi os gritos: “A GIR! A GIR!”. A reação é a mesma que nas ruas quando se grita “Rota!” – o clima muda: os criminosos se preparam para um confronto pesado ou assumem que a casa caiu, se possível viram pó, e, se não, baixam a bola.
Agora, me responda, quem nasceu primeiro: as equipes táticas de uso da força no ambiente prisional ou o Primeiro Comando da Capital? Seja como for, o mundo não mais foi o mesmo após essa onda de profissionalização, tanto dos ASPENs quanto dos criminosos.
Somos todos irmãos de sangue, não somos?
Nem todos os agentes prisionais gostariam de ser policiais carcerários – exceto pelas vantagens econômicas e trabalhistas que essa mudança traria, é claro.
Parte dos profissionais prefere trabalhar no dia a dia da prisão, sem se misturar com os “puliças” das equipes especializadas de intervenção, que alguns consideram como covardes enrustidos e arrogantes:
“Será que aqueles caras que chegam, invadem em bando, jogando bombas, batendo e gritando, por trás de seus equipamentos de proteção e com o rosto encoberto, teriam coragem de ficar desarmados circulando entre os presos diariamente só com a proteção de Deus?”
Parte dos profissionais prefere trabalhar nas equipes especializadas, sem se misturar com os “porteiros”, os agentes de linha de frente, que alguns consideram como covardes e displicentes:
“Se eles fizessem direito seu serviço não teríamos que entrar para acertar seus erros. Quando a coisa complica, eles fogem e ficam de fora, sobrando para as equipes especializadas entrarem para resolver tudo.”
Cada grupo sabe da importância do outro para o perfeito funcionamento do sistema prisional e juram que tem o sangue da mesma cor, só que, por dentro, os integrantes de um grupo acreditam serem melhores que os integrantes do outro grupo.
No entanto, não bastaram para mim as explicações de Victor para que eu entendesse as razões dessa disputa interna – tive que pedir ajuda à Ronie Silveira.
A partir desse ponto até o fim, as citações foram intertextualizadas e contextualizadas: para acessar o original clique nos links.
Brasileiros agem como brasileiros
Ao ouvir Ronie Alexsandro Teles da Silveira não pude deixar de notar a semelhança do comportamento dos agentes penitenciários com nós outros, e não poderia ser diferente. Eu e você fomos criados no mesmo caldo que qualquer agente de linha de frente ou de equipe especializada.
Fala sério! Alguém acredita que a cultura que vige dentro das muralhas não é a mesma que impera para todos os outros a brasileiros?
Vou contar para você alguns trechos intertextualizados e contextualizados do que eu ouvi do Ronie no episódio “Filosofia como parte da cultura”, do podcast Filosofia Pop:
Os agentes penitenciários querem ser policiais, pois, inconscientemente, o universo prisional lhes parece pequeno, inferior, e a Polícia Militar é o modelo de corporação a ser seguido.
O padrão operacional prisional americano também é admirado e copiado – mesmo que este não apresente melhor resultado do que os dos cárceres europeus na pacificação dos presídios e na recuperação dos custodiados.
Ao ouvir Ronie, percebi que o seu João, o velho carcereiro, procurava espelhar o comportamento dos antigos policiais civis. Hoje a nova geração deixou de ter como seus malvados favoritos delegados e investigadores,e passou a seguir os PMs do Choque.
NON DVCOR DVCO (não sou conduzido, conduzo) poderia ser o lema dos homens da Polícia Militar e do Primeiro Comando da Capital, mas hoje não parece constar das flâmulas dos agentes de linha de frente, dos GIRs, dos GITs, dos SOEs, dos COPEs…
… assim como os minions, aqueles que tentam se espelhar são considerados como inferiores por seus modelos, e não podia ser diferente, pois o próprio agente penitenciário se colocou nessa posição, que não é só dele, mas faz parte de nossa cultura nacional:
Os facciosos do Primeiro Comando da Capital e os soldados da Polícia Militar é que são felizes, eles sabem exatamente quem são e para onde vão e seguem firmes para seu destino – ao contrário dos agentes penitenciários, de mim e de você, só que:
“[Mas não podemos viver em] mundo aparentemente sem critérios, ou seja os seus critérios são aqueles vigentes no seu próprio meio. É uma extrema dificuldade você fazer uma leitura moderna de olho nas experiências externas ao mesmo tempo que busca adequar as conquistas de sua própria história.”
PMs e PCCs são felizes porque vivem em seu próprio mundo, sob suas próprias regras (Efeito Dobradiça), se opondo ao controle externo de seu padrão operacional e ético. Ambos sabem exatamente o que fazer pelo bem da comunidade, só que não.
Talvez, eu, você e os agentes penitenciários, que ainda estamos construindo nossas identidades, possamos conviver em paz com o restante da sociedade, em que PCCs e PMs enfrentam a repulsa de parte dessa mesma comunidade, que eles acreditam estar protegendo.
Faz diferença se os agentes da segurança prisional são policiais? Ou isso seria apenas uma questão de ego alimentada pela cultura norte-americana? – exceto pelas vantagens econômicas e trabalhistas que essa mudança traria, é claro.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o caos na Segurança Pública são consequências do governo:
de Direita: por meio do Regime Militar e da política da Rota na Rua, que criaram um ambiente favorável à intelectualização do crime, sem a qual o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho (CV) não existiriam;
de Centro: por meio dos governos do PSDB de Mário Covas e Geraldo Alckmin, que possibilitaram a hegemonia do PCC em São Paulo e o fortalecimento dos negócios da facção dentro e fora dos presídios; e
de Esquerda: por meio dos governos do Partido dos Trabalhadores, de Lula e Dilma, que permitiram a proliferação da facção paulista por todos os estados da nação, levando-os a ampliar seus negócios para fora do país.
“Uma carta saiu de um presídio. Quem a recebeu odiava profundamente as forças opressoras do governo. Ele já havia sido preso e estava pronto para lutar contra o jugo do opressor – agora teria irmãos para ajudá-lo, já não correria mais sozinho.”
Quem permitiu que esse preso se comunicasse?
O seu malvado favorito, assim como o meu, talvez tenha permitido que essa mensagem saísse do presídio:
Como forma de punir com maior rigidez os presos políticos, eles foram colocados juntos aos presos comuns de alta periculosidade na Ilha Grande e no Carandiru. Em cima dessa união de métodos é que se solidificou as bases ideológicas do PCC e do CV. Essa carta pode ser uma daquelas tantas que divulgaram essa boa-nova;
Governo Geraldo Alckmin
Período de pacificação, em que supostamente houve uma trégua entre o Estado e as facções criminosas. Essa carta pode ter sido uma daquelas tantas que se aproveitaram desse ambiente propício, que permitia até a entrada de celulares nos presídios; ou
Governos do Partido dos Trabalhadores
Período áureo de expansão do PCC 1533 nacional, que se aproveitava das transferências de presos para outros estados e de uma política preocupada com o respeito aos Direitos Humanos. Essa carta pode ser uma das tantas outras que circulavam por todo o Brasil.
Só Deus na causa.
O importante é que você, assim como eu, não caia no conto de Benjamin, que critica o sistema, duvidando da capacidade do Estado em nos proteger do mau – ele veio para trazer dúvidas às nossas certezas, mas isso já era previsto.
Uma carta saiu de um presídio. Quem a recebeu odiava profundamente as forças opressoras do governo. Ele já havia sido preso e estava pronto para lutar contra o jugo do opressor – agora teria irmãos para ajudá-lo, já não correria mais sozinho.
De posse daquelacarta de corso, foi juntar-se aos seus novos irmãos que estavam concentrados em um outro estado mais ao sul.
Inicialmente fez alguns saques e pequenos ataques, mas era apenas uma preparação para uma mega-operação que envolveria muito dinheiro, armas e homens.
As armas pesadas que precisavam foram tomadas dos paióis do exército e da marinha de Laguna, e por mais incrível que possa parecer para você, que, assim como eu, acredita na lei e na ordem, a população comemorou quando eles derrotaram os soldados:
A noite se iluminou, os festejos não acabavam mais, aqueles que oprimiam levaram uma surra daqueles homens que atacaram as forças do governo. Foram saudados como irmãos e libertadores, pois a comunidade “era simpática” aos seus ideais.
Giuseppe Garibaldi conseguiu apreender escunas imperiais, pequenos veleiros, canhões, 463 carabinas e 30.620 cartuchos…
… e tudo começou com a carta passada por Bento Gonçalves à Giuseppe Garibaldi de dentro de uma prisão imperial (ou como diríamos hoje: de um presídio de segurança máxima federal).
Livrando-se desta peste – bandido bom é bandido morto
O cientista político Benjamin Lessing pergunta, ao mesmo tempo que responde, à repórter Fernanda Mena da Ilustríssima da folha de S. Paulo:
O cárcere e as comunidades carentes são os ambiente nos quais as organizações criminosas recrutam seus homens e articulam seus planos de ataques, isso é tão verdade agora como foi há duzentos anos, quando Garibaldi se irmanou à facção dos Farrapos.
Você e eu sabemos que a questão carcerária é muito mais complexa do que aqueles que apontam a direita, a esquerda ou o centro fazem parecer. É claro que nem eu e nem você acreditamos que foi o Regime Militar, Alckmin ou o PT que causaram tudo isso.
Dúvida? Pergunte ao Bento Gonçalves quem foi que facilitou para ele passar de dentro da prisão aquela carta de corso para Garibaldi. Duvido que ele lhe diga que foram um desses que tanto acusam hoje em dia.
O que parece acontecer é que, entra século, sai século, insistimos em manter as masmorras intocáveis, entulhando-as com todos aqueles que não aceitam seguir as normas impostas por nós, cidadãos de bem, por meio de nossos governantes.
Encarceramento em massa ou morte!
Só que a política de encarceramento em massa daqueles que não se ajustam ao sistema não funciona – pelo menos é o que afirma Benjamin:
Há dois séculos nós, “cidadãos de bem”, gritamos que o governo deveria “se livrar de uma vez destas pestes”, que eram os farroupilhas. Hoje, continuamos bradando para que os bandidos das facções criminosas sejam caçados e mortos.
As forças militares imperiais não conseguiram tirar dos gaúchos os farroupilhas, assim como as polícias militares republicanas não conseguiram tirar os jovens sem oportunidade das comunidades periféricas da “Família 1533 TD3 passa nada”.
Um sistema que oprime e não protege
Os membros do Primeiro Comando da Capital de Marcola, assim como aconteceu com os farroupilhas de Bento Gonçalves, acreditam que lutam por um ideal: o fim de um sistema opressor que envia seus soldados para as regiões mais pobres apenas para oprimir e não para proteger.
O governo mandou de soldados do exército imperial à ROTA para combater “ideias”; no entanto, o Estado não buscou eliminar o abandono e a opressão dentro no sistema prisional, nas favelas e nos cortiços:
Eu, você e até mesmo o ateu mais positivista fomos criados dentro de uma cultura judaico-cristã, e foi nesse ambiente que formamos nosso conceito do que é certo ou errado e de como devemos agir em relação ao Estado e seus representantes:
Segundo Bíblia Sagrada os governantes e os policiais agem em nome de Deus, e eu e você, assim como todos os homens corretos e justos, devemos-lhes obediência e respeito.
No entanto, Garibaldi e seus farroupilhas, assim como acontece hoje com Marcola e seus faccionários, não acreditaram nessa ladainha e optaram por se opor ao Estado Constituído e seus representantes.
Esses dissidentes recebem hoje, assim como receberam no passado, apoio nas comunidades mais pobres, que não se sentem protegidas pelas “forças de ocupação” do governo – os soldados há século raramente sobem o morro para proteger morador.
No entanto, alguns homens, como Garibaldi e seus farroupilhas, assim como Marcola e seus faccionários, não são como nós. Sendo homens de pouca fé, uniram-se, em suas respectivas épocas, para lutar contra aquilo considerado por eles como um sistema injusto.
Eu e você, assim como todos as pessoas de bem, sabemos como agir. Devemos ficar ao lado de nossos governantes quando estes atacam o mal em nome do bem. Devemos, mais uma vez ouvir a Verdade:
Há duzentos anos nossos governantes apostam no aprisionamento em massa e na repressão, sem conseguirem vencer o crime organizado, sempre com o meu e o seu apoio, mas devemos manter a perseverança.
Tenho certeza que você não vai parar de insistir nesse caminho e não dará ouvido aà Benjamin e demaisoutros que apontam em outrao direçãocaminho, pois seitenho certeza que você sabe que a melhor solução para a segurança pública é a prisão ou a morte dos criminosos.
Eu, por via das dúvidas acho que prefiro me abster de dar meu palpite nessa nova rodada.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”