Nesse corre, nós vamos fundo na ligação entre periferia e crime, dando um confere na violência, nos papos pesados de preconceito e na treta do Estado e do Primeiro Comando da Capital na vida das quebradas.
“Periferia e crime”, mano Dynão das Massas solta a real de quem vive, mostrando a treta de viver nesse cenário, os discursos que encostam no povo e como os manos e as minas da perifa compram essa ideia e reproduzem o papo, fortalecendo o preconceito, e como o Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533) entra nessa história. É isso que é, né? Dá seu salve aí nos comentários do site, no grupo de leitores ou manda uma DM pra mim.
Periferia e Crime: A parada nas quebradas e o corre do Estado
Vou te passar a real sobre “periferia e crime”, um cenário complexo que balança a vida da quebrada. A violência tá solta e tem várias faces, entendeu? E os discursos, irmão, muitas vezes são falas pesadas de preconceito, que jogam os mais humildes no mesmo balaio e esquecem da desigualdade.
A mídia, a polícia, os playboy, todos criam uma identidade de “bandido” pra quem é da periferia. Aí, na visão deles, é o medo que comanda os becos, com tráfico, roubo, sequestro e outras tretas dominando o cenário.
Nessa fita, os mais humildes ficam à margem, sempre tratados como se fossem do crime, sem nem ter a chance de mudar a parada. Mas ó, a realidade da “periferia e crime” é mais embaçada do que parece. Tem o corre dos manos e minas no limite, se fortalecendo juntos, resistindo.
E tem o papel do Estado também, com a truculência da polícia reprimindo os menos afortunados, sem dar brecha pra eles se livrarem dessa. O sistema mira neles como inimigos a serem derrubados. E aí, os próprios envolvidos compram essa ideia, fazendo a roda girar.
As organizações criminosas, tipo o Primeiro Comando da Capital, tão no olho do furacão. Elas desafiam as autoridades, mostrando que a parada é mais complexa do que parece, que não tem espaço pra simplificação e rotulação.
A força do preconceito nos papos que rolam
Então, irmão, a gente precisa entender essa parada, desafiar os discursos que só botam o pobre como vilão. Só assim a gente vai conseguir fazer a diferença nas quebradas, encontrar um caminho melhor pra todos.
Quando o papo é “bandido”, “prisão”, “justiça” e “direitos humanos”, muita gente só fala o que ouviu e age com agressividade contra quem pensa diferente. Mas é preciso entender que essa parada é cíclica, que a gente só reproduz o que ouve e acaba não vendo a realidade que tá rolando.
A gente precisa entender a complexidade das relações sociais no cenário de “periferia e crime”. Reconhecendo os discursos e práticas envolvidos, a gente pode buscar soluções mais justas e inclusivas pra toda a comunidade. E aí, tá preparado pra encarar essa realidade, mano?
Neste texto, exploramos o pânico social, os discursos que o alimentam e as causas históricas e sociais, tudo no ritmo e a relação de tudo isso com a facção PCC 1533.
Pânico social, cê tá ligado? Cola com a gente pra entender como essa parada mexe com a vida da geral e a sociedade, e qual é a relação com o Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533).
Pânico Social: a mídia e o pânico social: qual é a fita?
E aí, irmão, tá ligado na fita do pânico social, né?
Eduardo Armando Medina Dyna mandou a real, falando que a violência urbana com fitas tipo o Primeiro Coamando da Capital deixa a geral com medo. Pânico social é o nome da parada, e não é só causa e efeito dos corres do dia a dia.
Mano, é uma fita complexa envolvendo racismo, desigualdade, treta econômica e política, tudo isso cria a “criminalidade” que a gente vê por aí, e alimenta esse monstro do tal pânico social.
A mídia tá sempre de olho, reforçando as ideias erradas e botando mais lenha na fogueira. A relação entre o governo e os presos, tipo a facção PCC, só aumenta o medo e a insegurança da galera.
Pra entender a fita toda, tem que analisar o que a mídia, a polícia e os conservadores tão falando. Foucault explica que esses discursos tão cheios de poder e moldam como a gente enxerga as coisas.
Nas quebradas da vida, irmão, a cena é tensa. A história é contada em dois lados, os “cidadão do bem” e os “cidadão do mal”. Mas nessa selva de pedra, a coisa não é tão simples, não.
Pra quem nasce na periferia, o jogo é bruto, irmão. Uns tentam levar a vida na linha, buscando o pão de cada dia, enquanto outros tão encurralados, sem muita saída, sem chance de mudar a rota dessa trajetória. A sociedade marca a cara, rotula a gente, mas cê acha que é fácil assim, preto?
O “cidadão do bem” se esforça, tenta se virar, mas a parada é sinistra, as oportunidades são poucas e a realidade não dá trégua. E o “cidadão do mal”? Será que ele escolheu o caminho do crime ou foi a vida que o empurrou pra lá?
A verdade é que entre o “do bem” e o “do mal”, a linha é tênue, os dois vivem no mesmo mundo, enfrentando a mesma batalha. A gente precisa abrir os olhos pra entender o que tá rolando, buscar as causas lá no fundo, e não só julgar a superfície.
A vida é complexa, as lutas são duras e a esperança é escassa. Mas a gente resiste, mano, mesmo com a sociedade tentando nos dividir. Chega de rótulos, chega de preconceito. Só juntos a gente vai mudar essa história e escrever um novo capítulo.
A lei que é implacável com os oprimidos
Tornam bandidos os que eram pessoas de bem.
Eles são os certos e o culpado é você
Se existe ou não a culpa
Ninguém se preocupa
Pois em todo caso haverá sempre uma desculpa.
Racistas Otários – Racionais MCs
Buscando soluções: como sair dessa treta?
Só que também tem a parada da moral e religião nesses discursos, tipo a divisão entre “cidadão de bem” e “bandido do mal”. Essa fita dificulta a compreensão do pânico social, que tem raízes profundas e precisa de solução.
A mídia fica de olho no que rola perto e longe, saca os esquemas, os que sonegam e roubam a pátria e a galera, mas fica na moita e aponta pra outro lado, sem enxergar o mal de verdade onde a gente vive, e essa é a fita em que a gente tá metido.
Então, tem que olhar a história e as causas, desvendar os discursos e ver a relação entre o Estado e as organizações dos presos, como o PCC, pra entender o pânico social e buscar soluções que mudem o jogo.
No final das contas, mano, pânico social é uma fita complexa que envolve vários aspectos da nossa vida. A ideia é desvendar os discursos e enxergar a realidade, pra criar uma sociedade mais firmeza e justa.
Nessa parada, a gente desvenda os “Dois lados da moeda”, buscando o equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva no corre da sociedade de hoje.
“Dois lados da moeda” mostra a fita do equilíbrio entre liberdade individual e segurança coletiva no rolê da sociedade moderna, e a treta entre a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533) e a segurança pública no Brasil. Cola pra conhecer!.
A origem e evolução do Primeiro Comando da Capital
Tô ligado num trampo maneiro do pesquisador Eduardo Armando Medina Dyna, vou soltar a letra aos poucos durante a semana. O mano analisa os dois lados da moeda com o Primeiro Comando da Capital e a segurança pública na área.
As Faces da Mesma Moeda: uma análise sobre as dimensões do Primeiro Comando da Capital (PCC) — Universdidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Marília
O mano Dyna fala da origem e do corre da facção PCC, que nasceu em 1993 nas prisões de São Paulo. Ao longo dos anos, o bagulho ficou sinistro e o grupo virou prioridade nas políticas de segurança pública de todo o país. Vai vendo.
Na sequência, o pesquisador investiga o jogo de poder entre o PCC, a mídia, a polícia, os políticos e a galera conservadora da sociedade. Essa parada cria o “sujeito bandido” no imaginário do povo e mexe com as políticas de segurança pública.
Dois lados da moeda: O corre das políticas públicas e das leis
Por outro lado, o autor mostra que algumas políticas públicas favorecem a rapaziada específica da sociedade. Esses caras aproveitam o medo do “sujeito bandido” pra se fortalecerem e ganharem uma grana.
Nesse trampo, Dyna faz uma revisão teórica pesada e descreve a história do PCC, passando pelas fitas e a estrutura política interna. Ele analisa cada fase da organização, marcada por tretas e inovações.
O mano pesquisador explora os corres do PCC, como a política, a guerra, a economia e o social. Essa fita mostra a complexidade do PCC e a relação de interesses no rolê da segurança pública.
Então, esse estudo traz um conhecimento da hora, fortalecendo as ciências sociais e a segurança pública. Durante a semana, vou soltar mais detalhes sobre o trampo do Dyna pra você.
Entrevista do Marcola é citada por site no Paraguai
Em janeiro de 2017, estava correndo na internet uma suposta entrevista que o Marcola teria dado à Globo.
Na realidade, a falsa entrevista era uma criação do articulista Arnaldo Jabor e de quando em quando volta a viralizar.
A diferença desta vez é que, a entrevista corria o mundo como sendo verdadeira, e um dos sites que reproduziu como sendo uma entrevista verdadeira foi o Moopio.com
O site paraguaio deve ter percebido o erro e já retirou o artigo:
A entrevista produzida por Arnaldo Jabor para O Globo
Eu trago aqui para quem ainda não leu a reportagem no original, se bem que acho que todos já conhecem:
Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema.
O GLOBO: Você é do PCC?
Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos.
Eu era pobre e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… e antigamente era mole resolver o problema da miséria…
O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca vinha… Que fizeram?
Nada.
O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós?
Nós só apareciamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas…
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó, e vocês estão morrendo de medo…
Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu?
Sou culto… leio Dante na prisão…
O GLOBO: Mas… a solução seria…
Solução? Não há mais solução, cara…
A própria ideia de “solução” já é um erro.
Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio?
Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo?
Solução como?
Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que impede punições.
Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…).
E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país.
Ou seja: é impossível. Não há solução.
O GLOBO: Você não tem medo de morrer?
Vocês é que têm medo de morrer, eu não.
Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora…. nós somos homens-bomba.
Na favela tem cem mil homens-bomba… estamos no centro do Insolúvel, mesmo…
Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês.
A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… a morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala…
Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”?
Pois é: chegamos, somos nós!
Há, há!
Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país.
Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados.
Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomado nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade.
Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”?
Pois é. É outra língua.
Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso.
A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas.
É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.
O GLOBO: O que mudou nas periferias?
Grana. A gente hoje tem.
Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda?
Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “microondas”…
Há, há…
Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.
Nós temos métodos ágeis de gestão.
Vocês são lentos e burocráticos.
Nós lutamos em terreno próprio.
Vocês, em terra estranha.
Nós não tememos a morte.
Vocês morrem de medo.
Nós estamos bem armados.
Vocês vão de três-oitão.
Nós estamos no ataque.
Vocês, na defesa.
Vocês têm mania de humanismo.
Nós somos cruéis, sem piedade.
Vocês nos transformam em superstars do crime.
Nós fazemos vocês de palhaços.
Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados.
Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produtos vêm de fora, somos globais.
Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses.
Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.
O GLOBO: Mas o que devemos fazer?
Vou dar um toque, mesmo contra mim.
Peguem os barões do pó!
Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas.
Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana?
Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas…
O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas.
O Exército vai lutar contra o PCC e o CV?
Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”.
Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas…
A gente já tem até foguete antitanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí…
Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas…
Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?
O GLOBO: Mas… não haveria solução?
Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”.
Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência.
Mas vou ser franco…na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel.
Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela.
Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê?
Porque vocês não entendem nem a extensão do problema.
Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!”, ou seja, “Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno”.
publicado originalmente neste site em 1º de janeiro de 2017
Imprensa acredita que jornalista paraguaio foi morto pela facção
Se o Alex Alves, jornalista paraguaio, foi morto pelo PCC 1533 não se sabe ao certo.
O que é certo é que foi executado por pistoleiros em Pedro Juan Caballero, que a cidade é o centro comercial do Primeiro Comando da Capital, e que estava em um carro de outro jornalista que já tinha sido ameaçado por investigar a ação da facção na cidade.
Indícios é que não faltam da participação da facção paulista no crime.
O pesquisador acompanhou “de perto” as reações das pessoas de Sapopemba, e também “de longe”, via noticiários. Segundo Feltran, a repercussão do evento amplificou a “fala do crime”: a imprensa, sobretudo a sensacionalista, deu subsídios para que a “vingança” contra os “bandidos” fosse consumada. Embora inseridos formalmente num regime político fundado sobre a universalidade dos direitos, processa-se uma disputa simbólica em que o direito universal para “bandidos” seria uma afronta à própria democracia.
Sob fontes acessadas em sua etnografia, o autor revela que a repressão policial após os “ataques do PCC” se voltou para todos aqueles que se “parecem” com “bandidos”.
Nestas “fronteiras de tensão”, não apenas os jovens “do crime”, mas, de forma geral, os jovens das periferias sofrem por parte das instituições públicas um estranhamento de seus rostos e corpos, de seus modos de comportamento, bem como de seus discursos.
Embora a maioria dos jovens busque as alternativas fugazes no mercado de trabalho lícito, e não as atividades ilícitas, a invisibilidade pública facilita a violência contra eles. Nesse contexto, a repressão, o encarceramento e o extermínio dos “bandidos” muitas vezes atingem quem é visto como semelhante.
Trechos da resenha de Paulo Artur Malvasi sobre o livro “Fronteiras de Tensão: política e violência nas periferias de São Paulo” de Gabriel de Santis Feltran.
De que adianta matar um corpo se a alma continua viva? – a ineficácia das políticas de Segurança Pública baseadas em ações policiais de combate à facção PCC 1533.
Bardos cantavam histórias fantásticas que assombravam aqueles que as ouviam em volta das fogueiras nos bosques, nas aldeias ou nas mal iluminadas tabernas, e os heróis de suas narrativas eram jovens que se insurgiam, desafiando os soldados dos poderosos.
MCs cantam histórias fantásticas que assombram aqueles que as ouvem em seus celulares, nas avenidas e nos bailes funks, e os heróis de suas narrativas são os jovens que se insurgem, desafiando os policiais que entram nas comunidades a mando dos poderosos.
E aquela noite eu não tinha dúvidas que estava olhando para um desses garotos cujas histórias seriam contadas pelas quebradas muito tempo depois que ele as tivesse deixado.
Os pequenos feitos daquele moleque seriam engrandecidos cada vez que alguém recontasse uma de suas aventuras, sempre aumentando um ponto ao conto, e, quem sabe, um dia não acabaria sendo letra de algum Proibidão?
Na noite de quinta-feira tive que entregar alguns pacotes no Planalto, e valeu a pena: a caminhada foi boa e conheci esse garoto.
A arte de ocultar provas da polícia
Show de magia na quebrada do Planalto
Uma viatura da Polícia Militar deixava o Planalto no momento em que eu entrava no bairro.
Próximo ao local onde devia fazer a entrega havia um grupo de jovens, e logo que estacionei fui falar com eles para saber como estava o clima por lá – uma das garotas eu já conhecia.
Três moleques, duas meninas e dois Gols rebaixados, sendo um com placa de Campinas e outro de Indaiatuba; eles riam muito e quando a garota me viu, veio empolgada me apresentar aos demais – o clima não podia estar melhor.
Ela me contou que eles acabaram de ser abordados pela viatura que vi deixando o bairro, e enquanto a garota falava um dos garotos mostrou para mim com orgulho um saquinho com uns 100 gramas de cocaína. Todos voltaram a rir – o moleque havia feito mais uma das suas.
Eles me contaram a história…
Assim que a viatura entrou na rua, o garoto mostrou aos amigos o pacote; só deu tempo de levantarem os olhos: os policiais já os estavam abordando.
Procedimento padrão: revista pessoal e nos veículos. Como nada encontraram, os policiais foram embora, mas assim que a viatura virou a esquina o garoto abriu a mão e mostrou para os outros que continuava com o saquinho de cocaína.
Não era a primeira e nem a última vez que ele fazia uma jogada arriscada e se saía bem.
Nunca saberemos como ele fez para sumir com a droga tão rápido, na frente dos amigos e dos policiais e passar pela revista, afinal um mágico não revela seu truque – daí o fascínio pelo ilusionismo.
Jovens chamando atenção de policiais
Moleques como isca e cortina de fumaça
Fiquei pelo menos meia hora com eles, cada um contando uma façanha diferente protagonizada pelo moleque de Indaiatuba, enquanto ele mesmo apenas sorria.
Imagino que todos estavam ali para chamar a atenção para si caso aparecesse uma viatura policial, garantindo que a entrega ocorresse sem problemas – eles eram a isca e, se necessário, serviriam de cortina de fumaça.
Ouvi com prazer cada história que contaram e teria ficado ainda mais se não houvesse chegado o irmão que ia ficar com a mercadoria – a outra garota que estava com os moleques era sua companheira.
Imagino que se naquela noite os PMs não tivessem abordado os moleques, talvez ainda estivessem por lá quando eu chegasse ao Planalto.
Quando o irmão chegou, cumprimentou os garotos, me pegou pelo braço e me levou para trás dos carros onde me entregou o dinheiro.
Fomos até o meu carro, entreguei os pacotes a ele e saí dali me despedindo apenas com um aceno para os garotos.
Pesquisador Eduardo Yuji Yamamoto
O Primeiro Comando da Capital como corpo social
No caminho de volta tentei entender o que ocorreu e o que estava acontecendo em nossa sociedade – não era nada daquilo que era mostrado pela televisão e pelas redes sociais.
Seriam esses os traficantes que precisavam ser abatidos com um tiro na cabecinha como prega a atual onda sócio-política ocidental?
O pesquisador falava sobre os black-blocs, mas para mim o estudo se encaixava como uma luva naquilo que eu acabara de vivenciar, e descrevia com perfeição as pessoas que eu tão bem conhecia.
O fato de o Primeiro Comando da Capital haver se transformado em um “corpo político” é uma consequência da crise pela qual passa a democracia ocidental desse início de século:
Aqueles moleques e aquelas meninas nada mais são células que compõe um complexo “corpo político”, e aquele gesto do garoto de desafio velado ao Estado é apenas um entre milhares de “insurgências” que pipocam madrugada a dentro nas ruas das periferias.
Nossas emoções residem em nossa alma
Atacando o corpo do Primeiro Comando da Capital
Ouvindo os diversos discursos messiânicos de combate ao Primeiro Comando da Capital: Sérgio Moro com o seu “Projeto anticrime”, Wilson Witzel com seus drones e snipers com licença para matar, e João Dória prometendo “Guerra sem tréguas ao PCC”, me lembro dos passos que demos para chegarmos a situação que vivemos hoje:
Quando a República foi proclamada, os governantes resolveram acabar com a farra que era o uso de drogas no Brasil nos tempos do Império e incluíram no Código Penal de 1890 a criminalização das “substâncias venenosas”, e com isso esse mal seria extirpado…
após cinquenta anos ficou claro que o sonho não havia se tornado realidade, e as drogas haviam se tornado um problema ainda maior, então foi inserido no Código Penal de 1940 previsão para a prisão de usuários e traficantes, e com essas regras mais rígidas, específicas e abrangentes o mal seria eliminado…
após trinta e seis anos ficou claro que o sonho não havia se tornado realidade, mas vivíamos um Regime Militar, e agora, com as forças armadas e sob a vigência dos Atos Institucionais nenhum traficante sobreviveria, só faltava para isso uma lei que colocasse os criminosos em seu devido lugar. Os militares fazem ser aprovada a Lei de Tóxicos de 1976, e dessa vez, as drogas seriam eliminadas de uma vez por todas….
após trinta anos ficou claro que o sonha não havia se tornado realidade, então é aprovada Lei Antidrogas de 2006, pois a anterior não era suficientemente dura, e agora todos comemoraram, afinal, com o endurecimento das penas as facções seriam desmanteladas…
após sete anos ficou claro que o sonho não havia se tornado realidade, e a facção PCC 1533 se internacionalizava – mas com a Lei de Combate ao Crime do Organizado de 2013 as facções seriam desmanteladas…
após cinco anos ficou claro que o sonho não havia se tornado realidade, e as facções se fortaleceram – mas com o novo governo em 2019 que promete o justiçamento dos criminosos, a permissão para que o “cidadão de bem” tenha arma em casa, e a implantação de um pacote de leis com o endurecimento das penas, as facções serão desmanteladas…
Se os policiais tivessem encontrado o saquinho com a cocaína que aquele moleque do Planalto havia ocultado, ele seria preso, mas a facção não teria se enfraquecido.
Marcola e Gegê do Mangue, dois dos principais líderes da facção, há muito foram retirados das ruas, e a facção também não se enfraqueceu, ao contrário do que foi apregoado na época por policiais e membros do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
O Estado e seus justiceiros continuam a caçar as células da facção PCC 1533, e por não acreditarem em espíritos se negam a enxergá-los; e enquanto se concentram em combater o corpo, o espírito da organização criminosa continua a se fortalecer.
Entre a comodidade e a adrenalina
Primeiro Comando da Capital afetando a alma
Encarcerar e matar criminosos não é eficaz, no entanto, essa é a “estratégia” utilizada pelo Estado. Não há um “Plano B”, uma política de controle e segurança eficiente, pois aqueles que habitam os gabinetes e os coturnos não entendem as razões que aqueles garotos têm para entrar no mundo do crime.
Moleques e meninas do corre possuem um espírito contraventor que não é movido por razões materiais.
As ruas estão vivas e se alimentam dos sentimentos comuns difundidos nas conversas, nas rodinhas, nas escolas e nas redes sociais. Cada um que é preso ou morto alimenta ainda mais o imaginário que afeta e fortalece o espírito do grupo.
É interessante como a palavra “afeta” pode transmitir mal seu significado.
Os sentimentos que afetam os jovens insurgentes em sua rodas de conversas ou daquilo que veem nas ruas e nas mídias, alimentam um espírito de corpo ilógico, baseado nas emoções do grupo. Essa miscelânea de emoções e informações levará essa garotada a passar parte de sua a vida buscando saciar desejos racionalmente insaciáveis.
A soma de todas essas emoções são compartilhadas, e mesmo quando uma de suas células é morta ou retirada das ruas esse afeto continua no coletivo daquela comunidade, reforçando-o ainda mais.
Jovens Insurgentes enfrentando as autoridades
O Primeiro Comando da Capital alimentando o medo
Aqueles garotos, assim como milhões de outros, buscam grupos de insurgentes para se unir e ajudar na construção de uma sociedade mais justa, se preciso enfrentando as autoridades do Estado e da família…
… mas na real, eles estão mesmo fugindo da angústia e do tédio e procurando usufruir de momentos de emoção, seja de cólera ou de alegria, tanto faz.
A crise do sistema democrático ocidental leva esses garotos a lutarem por suas demandas sociais fora de um sistema político que não apresenta uma alternativa na qual eles possam se apegar.
Sem opções reais de perspectiva social, seguem a esmo, se juntando a grupos que mantenham vivas as suas esperanças.
Sigmund Freud descreve essa busca constante e inalcançável como pulsão, mas eu diria que essa garotada se alimenta de emoção e não vive sem ela.
O Estado, no entanto, precisa de um inimigo para manter vivo o medo, então dirá que esses garotos são criminosos que os “cidadãos de bem” precisam temer e promete que seus agentes os eliminarão.
Para a manutenção do Estado, alguns precisam ocupar hoje o lugar que já foi ocupado por outros insurgentes, como os Farroupilhas ou os Quilombolas, que, se hoje são considerados movimentos sociais, na época eram descritos como criminosos.
Para se manter o status quo, o ódio da população e dos agentes policiais devem ser direcionados sobre os garotos do tráfico de drogas.
Caminhando sem destino e sem futuro
Primeiro Comando da Capital como predestinação
Todos nós, eu, você e aquela garotada, somos afetados por alguma emoção. Acreditamos que somos senhores de nossos destinos, mas o fato é que não tivemos domínio sobre o que nos afetou durante nossa vida e nos fez ser quem somos hoje.
Alguns de nós nascemos para ser “vasos de ira”, enquanto outros nasceram para ser “vasos de misericórdia” e não adianta reclamar:
As experiências e sentimentos vividos tanto pelo algoz quanto pela vítima se distinguem e independeram de suas vontades, mas os políticos e as mídias utilizarão a mesma régua para medir a ambos.
O Estado para muitos é a bota do policial que só aparece na periferia para intimidar e extorquir, e se esse quadro é real ou foi construído pelo imaginário coletivo não vem ao caso, o fato é que ele alimenta o discurso de ódio e medo de grupos sociais.
Alguns desses garotos se calam e buscam se proteger evitando contato, submetendo-se a misericórdia dos dominantes, mas outros se “mobilizam pelo desejo e não pelo medo”, abandonando a segurança pessoal e aceitando o risco em defesa de um coletivo.
O Primeiro Comando da Capital é um coletivo, formado por insurgentes: indivíduos que não acreditam que possam ser representados e defendidos pelo sistema político e social vigente.
A facção PCC 1533 aparece como uma alternativa que permite que eles atinjam seus objetivos de vida, e, não sendo uma organização estratificada, aceitam ser afetados por ela da mesma forma que sabem que a estarão afetando.
As ações de combate à organização estão fadadas ao fracasso ao se focarem na criminalização dos indivíduos membros da facção, ignorando os afetos que acalentaram seus novos membros e que formam um sólido e ao mesmo tempo etérico “corpo político”.
Os membros da facção Primeiro Comando da Capital se sentem representados e representantes, e acreditam que por lá todos têm a mesma voz e os mesmos direitos, sejam irmãos, companheiros, ou aliados, e por isso valeria a pena lutar “até a última gota de sangue”.
Esse é no fundo o conceito de nação, o “corpo social” do qual todos gostaríamos de fazer parte, mas que a cada dia cada um de nós nos sentimos mais distanciados.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
O carcereiro, a facção PCC 1533, o Estado e a sociedade
Digo a minha garota que ela merece o que está se passando com ela, afinal, foi uma de suas mãos que marcou um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, o mesmo ocorrido talvez se dê no caso de Diorgeres, ou talvez não.
Você se lembra do carcereiro Diorgeres, não?
Nem esquenta, nem ele e nenhum outro carcereiro tem alguma importância para mim, para você ou para aquelas duas acadêmicas, mas, mesmo assim, vou lhe contar algo sobre ele.
(Não devia citar as duas acadêmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS], pois o presidente Jair Bolsonaro alertou que não se deve dar palanque a acadêmicos doutrinados em Gramsci, mas com a permissão do Capitão prefiro dar nome aos bois.)
Assim como a minha garota escolheu marcar um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, Diorgeres escolheu viver nos traiçoeiros corredores do sistema prisional e ser um refém do PCC. Foi escolha dele — ou talvez não.
Desde que eu o conheço, ele não concorda com o zurro popular que exige penas mais longas e condições mais duras e cruéis de encarceramento; assim como ele, o fazem as pesquisadoras da UFRGS: Oriana Hadler e Neuza Maria de Fátima Guareschi.
Contrariando nosso presidente, cito-as, pois foram elas que me explicaram a lógica matemática que leva o Estado a triturar Diorgeres e outros agentes de segurança carcerária (ASPens), sob os aplausos ou indiferença da sociedade, de mim e de você:
As pesquisadoras Oirana e Neusa Maria, ao contrário de mim, de você e do capitão Jair, não acreditam que aqueles trabalhadores e apenados padecem por conta de suas escolhas, mas pelo resultado de uma desumana equação política.
Ave caesarm moritum te salutam
Dos holofotes da mídia ao breu cotidiano
Gilson César Augusto da Silva no artigo “Reality Show das Prisões Brasileiras” faz um breve histórico da evolução do Sistema Carcerário da antiguidade até chegar aos dias de hoje, e compara com a realidade transmitida pelo Big Brother Brasil:
Como fica então aqueles que arriscam sua saúde trabalhando nas galerias do Sistema Prisional, confinados em um ambiente insalubre e claustrofóbico em companhia de pessoas que tiveram problemas de adaptação às normas sociais?
A Segurança Pública e seus agentes são utilizados como peças publicitárias pela mídia e pelos políticos, mas quando os holofotes se apagam são abandonados para sofrerem o desgaste cotidiano, seja nos corredores dos cárceres ou os meandros burocráticos:
A depressão carcerária dos corredores para as mentes
Sangue novo como combustível para o espetáculo
Nós não nos importamos com as condições de saúde daqueles que passam suas vidas dentro das muralhas, sejam eles prisioneiros condenados ou aqueles que por lá trabalham – a imprensa e os políticos sabem disso e entregam à nós o que queremos: um espetáculo.
O cruel abandono dos profissionais
Por vezes tratados como refugo, com falsa benevolência, são postos de lado, havendo uma política de isolar estes das novas “equipes especializadas”, formadas por jovens recém-engajados – prontos para começarem o seu próprio desgaste.
O ambiente insalubre do Sistema Prisional afetará diretamente a saúde mental desses garotos, assim como o fez com aqueles profissionais que os antecederam, no entanto a Administração Penitenciária vende a ideia de que agora será diferente…
… e sempre haverá garotos para assumirem as posições daqueles que já se desgastaram perambulando pelo claustros e que agora não mais aceitam alimentar o espetáculo midiático e político com seu sangue e o de sua família .
Você não acredita? Diorgeres explica com detalhes no artigo “Síndrome do pânico em agentes de segurança penitenciária”, publicado no site Canal Ciências Criminais:
O espetáculo (Esp) apresentado pela mídia para o público é igual ao grau de opressão (Op) multiplicado pela economia feita no investimento carcerário (Ec).
A matemática é simples: Op x Ec = Esp
Quanto maiores forem os fatores maior será a possibilidade do caos extrapolar as muralhas dos presídios e, consequentemente, gerar o maior espetáculo midiático possível, elevando a sensação de insegurança do cidadão e abrindo espaço para um grupo político específico.
Aplaudem-se as novas levas de prisioneiros e de agentes de segurança, não porque o mundo ficará mais seguro, mas por nos trazer uma maior sensação de segurança, não importando quem é Diorgeres ou quem são os agentes penitenciários que vivem nas galerias das carceragens.
Bolsonaro e o show da isegurança pública
A política de inSegurança Pública e a política
Fora do meio acadêmico, poucos admitem que toda sociedade é afetada pelo resultado de uma iníqua equação matemática produzida por grupos políticos especializados em vender sua imagem de paladinos da lei e da ordem discursando sobre pilhas de cadáveres:
Se é compreensível que um cidadão caia no conto do político salvador da pátria, é difícil explicar a posição de profissionais que sofrem na pele as consequências dessa política repressiva e ainda assim continuam as apoiando.
Alguns como Diorgeres questionam há muito políticas que tornam esses ambientes pútridos que impregnam os corpos, as mentes e as almas de todos aqueles que por lá vivem e trabalham. Mas esses são exceções, mas…
… ele, assim como outros ASPens, ao assinalarem com um “X” o quadrinho de “opção de função” quando eles se inscreveram no concurso público não pretendiam carregar os estigmas de dentro do cárcere para suas vidas, suas famílias e seus descendentes.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
O que os usuários do Google interessados na facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) buscaram em 2018 e o que podemos concluir destes resultados.
O Primeiro Comando da Capital prossegue firme e forte
Apesar do grande esforço da mídia, dos órgãos de segurança e dos políticos durante a campanha eleitoral, a facção PCC 1533 se manteve exatamente dentro de sua média histórica na década – 31 pontos:
PCC
CV
FDN
2018
31
13
10
2017
ano atípico
2016
32
13
6
2015
34
12
6
2014
46
16
2
2013
36
12
–
2012
29
5
–
2011
18
14
–
2010
22
6
–
Durante 2017 houve as grandes chacinas dentro do sistema prisional que se iniciaram com o ataque perpetuado pela facção Família do Norte (FDN) em Compaj,no Amazonas, culminando com a guerra dentro da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, e batalhas e assassinatos em carceragens por todo o país subvertendo o resultado, por essa razão optei por excluir os números desse ano na tabela.
Em 2018 os usuários do Google continuaram relacionando apenas o Primeiro Comando da Capital ao termo “Crime Organizado”; não por menos, este ano se aprofundou o racha dentro Família do Norte, e o Comando Vermelho (CV)perdeu espaço com a intervenção militar no Rio de Janeiro – E aí 2, valeu ostentar os pesadões nas biqueiras?
Os usuários do Google deixaram de referenciar as facções criminosas cariocas Comando Vermelho e Amigo dos Amigos (ADA) ao termo “facção criminosa”, o que pode estar refletindo perda de importância desses dois grupos após a intervenção federal no Rio e a guerra pelo domínio da favela da Rocinha:
Termo: “facção criminosa”
2018
2017
Primeiro Comando da Capital
11
12
Família do Norte
–
7
Comando Vermelho
1
5
Amigo dos Amigos
–
2
Primeiro Grupo Catarinense
–
2
Terceiro Comando Puro
1
–
O interesse do internauta reflete o poder midiático das facções
As facções criminosas no Brasil se dividem em nacionais, regionais e locais. As facções nacionais PCC, CV e FDN mantêm rotas de importação e exportação e abastecem as facções regionais e locais com armas e drogas.
Os números do Trends 2018 confirmam a previsão de Camila Nunes Dias de que a hegemonia da facção paulista nas prisões se refletiria nas ruas, afinal imagem é tudo. Os garotos querem pertencer a um grupo de sucesso e a pouca pesquisa das outras facções nacionais demonstram que está havendo a quebra do interesse por elas, inclusive nas quebradas onde suas crias são captadas.
O Rio de Janeiro continua lindo, mas não tão amigo
A surpresa dos números do Trends 2018 se deu pela desimportância atribuída pelo internauta ao Comando Vermelho enquanto facção criminosa, que passou a ter tanta relevância na rede quanto o Terceiro Comando Puro (TCP), outra facção regional aliada do Primeiro Comando da Capital que sequer apareceu no Trends 2017.
A expectativa de crescimento da facção Amigo dos Amigos, outra aliada regional do PCC no Rio de Janeiro, não se concretizou; ao contrário, devido ao apoio dado pelas forças de segurança para as milícias, somado à batalhas nos morros contra as facções inimigas em 2018.
A utilização dos braços regionais permitiu ao PCC ser ignorado pelo carioca que pesquisa “facção criminosa”, mas os dois aliados regionais da facção, pela primeira vez, superaram individualmente o Comando Vermelho:
Terceiro Comando Puro
78
Amigo dos Amigos
50
Comando Vermelho
43
Primeiro Comando da Capital
21
Os usuários perderam interesse na facção inimiga Primeiro Grupo Catarinense (PGC) que chegou a aparecer na listagem de 2017, quando a facção capixaba que tentou barrar o Primeiro Comando da Capital, que buscava garantir o livre trânsito dos insumos oriundos do Paraguai, criar novas rotas alternativas para a exportação pelos portos de Santa Catarina e dominar os presídios.
O internauta que se interessou em pesquisar sobre o PCC em 2019 queria saber mais a respeito do seu líder, do funcionamento do grupo criminoso e sobre os principais inimigos da facção.
Assim como no ano anterior, as pesquisas feitas por meio das palavras “homicídio”, “roubo”, “assalto”, “insegurança”, “assassinato”, “morte” não foram vinculadas ao PCC ou ao crime organizado, mas…
… diferentemente de 2017, o Primeiro Comando da Capital deixou também de ser uma referência nas pesquisas feitas sobre os termos “sistema prisional” e “sistema carcerário”, refletindo a pacificação imposta pela facção sobre as trancas sob seu domínio, a separação mais criteriosa feita pelos agentes públicos e o acordo tácito com as facções inimigas.
Pelo segundo ano consecutivo, o grupo musical Facção Central supera os Racionais MC’s e Mc Zóio de Gato nas pesquisas feitas pelos usuários.
A imprensa e a facção PCC
Nenhum órgão de imprensa se destacou esse ano, em oposição ao que aconteceu em de 2017, quando a UOL chegou a ser citada como referência de busca para questões sobre a facção criminosa paulista.
A pesquisa pela facção por estado da federação
Os sul-matogrossenses, que sequer pesquisavam sobre o termo “Primeiro Comando da Capital” em 2017, passaram a liderar como os usuários que mais procuram sobre o tema. Além das ações policiais tentando desarticular o braço da Rota Caipira que passa por lá, também houve destaque nas mídias das ligações da facção paulista com as forças policiais, que chegavam a disponibilizar escolta com viaturas oficiais para caminhões com contrabando de cigarros.
O Ceará manteve a posição de destaque devido à guerra entre facções que ainda impera por lá, onde o Primeiro Comando da Capital e seu aliado Guardiões do Estado (GDE) disputam palmo a palmo os corações e as almas dos jovens nas periferias.
Mato Grosso do Sul
100
Ceará
77
São Paulo
55
Alagoas
46
Bahia
29
Pará
29
Amazonas
28
Goiás
27
Santa Catarina
26
Maranhão
23
Paraíba
23
Minas Gerais
21
Paraná
21
Mato Grosso
20
Rio Grande do Norte
20
Distrito Federal
18
Espírito Santo
17
Rio de Janeiro
17
Pernambuco
16
Rio Grande do Sul
8
Os estados do Acre, Maranhão, Piauí, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Tocantins, devido à baixa taxa de acesso à rede, não tiveram relevância na pontuação, por isso ficaram de fora da listagem. No entanto, o Alagoas teve um número significativo de pesquisas pelos termos “facção PPC” e “PCC 1533″.
O nome da facção paulista no Brasil e no mundo
O termo “Primeiro Comando da Capital” se tornou mais homogêneo, sendo preferido pela metade dos usuários em todas as regiões do país, ao contrário de 2017, quando os termos “Facção PCC” e “PCC 1533” tinham o mesmo índice de busca.
A tendência entre os povos de língua espanhola segue no caminho da unificação do termo para “Primer Comando Capital” em vez de “Primer Comando de la Capital”, que hoje só é predominante na Colômbia e ocasionalmente na Argentina e no Chile.
As nações latinas que mais buscam informações sobre o grupo criminoso foram: Paraguai (100), Bolívia (24), Argentina (5) e Colômbia (?).
A busca pelos termos em inglês “First Commander of the Capital” e “First Capital Commander” não tiveram relevância em 2018, esse segundo ainda foi consultado com alguma frequência este ano no Reino Unido e no ano passado na Dinamarca.
No exterior as pesquisas pelo termo em português “Primeiro Comando da Capital” foram feitas em 2018 principalmente em Portugal, Países Baixos, Taiwan e Itália. A surpresa ficou por conta da entrada na lista do país asiático que desbancou a tradicional Argentina.
A vida não é difícil e nem fácil, mas é cheia de regras que precisam ser seguidas para se caminhar em paz. Isso vale para mim, para você, para os crias do 15 e para a população das comunidades da periferia, mas para os que seguem as regras está suave.
É a lei do certo pelo certo e o que é errado será cobrado.
Toda vez que vou à região do Jaraguá na Zona Norte de São Paulo eu me perco. Por isso planejo cada passo antes de sair:
“… chegando na pracinha ‘que dá pros’ predinhosdeixo o carro, vou o resto do caminho a pé, encontro o aliado, entro e saio da comunidade (um pé lá e um pé cá) – simples assim.”
Já estava escurecendo quando cheguei. Havia um grupo de garotos tomando cerveja próximo de onde eu havia planejado deixar o carro. De boa, quem não é visto não é lembrado, e se eu deixasse o carro ali toda viatura que passasse iria consultar a placa – melhor não.
Rodei mais dois quarteirões e parei na Lourenço Matielli, ali ninguém botaria reparo na placa de fora.
Deixei o carro, segui a pé até a entrada da comunidade onde o aliado estava me esperando, e entramos na comunidade.
Ao contornar o campinho, escorreguei em uma tábua molhada: ninguém riu, ninguém ajudou, ninguém disse nada – me levantei, seguimos e resolvemos a parada.
Eu só estava lá de passagem, jogo rápido, mas o aliado aconselhou que eu ficasse ali até seus familiares irem para o culto. O clima estava pesado e não dava para sair de lá sem trombar com alguma viatura, e eu sendo de fora de certo seria parado.
Não carregava nenhum bagulho comigo, mas regras são regras, e é melhor não dar sorte para o azar. Normas de conduta existem para serem seguidas, elas garantem a paz na comunidade e a segurança de todos.
A quebrada estava molhada, e desde que começaram a procurar Amanda qualquer deslize poderia entornar o caldo.
Era polícia para todo o lado depois que o caso ganhou espaço na televisão e chamou a atenção da mídia para a comunidade, e isso é ruim para todos.
A polícia querendo resultados pressionava até morador que nunca se envolveu com a criminalidade – patifaria com a população, a cara deles.
Ninguém comentou nada quando escorreguei, assim como ninguém falaria nada sobre o caso do desaparecimento de Amanda, a ex do irmão Vampirinho do PCC, principalmente depois que começou a correr o boato que ela estaria pagando de X9 para a Civil:
Caracterizado quando um integrante da organização leva informações para outras facções ou para a polícia…
A punição para caguetagem é a morte
Enquanto a polícia não encontrasse os corpos a pressão continuaria. Alguém teria que vazar a informação para dar chance para os agentes acharem o local, mas se nem assim isso fosse resolvido, alguém ia ter que pular na frente e assumir o B.O. para restabelecer a paz. – é assim que funcionam as coisas da ponte para cá.
A imprensa teria cenas para colocar no noticiário, os policiaisiam pousar de Charles Bronson, os negócios voltariam a fluir suave e a população não ia ficar mais na pressão – só que alguém ia ter que assumir o B.O. voluntariamente, é a lei do PCC 1533.
Alguns dizem que ela não morreu por passar informações à polícia.
Amanda, ao romper o relacionamento com Vampirinho,se envolveu com Dentinho, um outro homem do mundo do crime, mas não é assim que se “corre pelo lado certo da vida errada”, e ela conhecia o proceder da facção.
Existe todo um proceder a ser seguido para estar dentro do código de ética do crime, e Dentinho, sendo criminoso, também tinha a obrigação de conhecer:
Para não cair na talaricagem, Dentinho teria que ir falar com o ex-companheiro de Amanda para tirar a limpo a história da separação, para só então ficar com ela.
A facção Primeiro Comando da Capitalé por sua natureza machista, e uma mulher ao se unir a um companheiro não pode simplesmente lhe dar as costas e trocá-lo por outro – a cobrança pela talaricagem fica a critério do prejudicado após a análise do Sintonia.
Eu não sei o que aconteceu por lá, o que sei é que Amanda e Dentinho desapareceram e que quatro corpos foram localizados enterrados na mata depois que a Guarda Civil Municipal recebeu uma dica de onde eles estariam – vamos ver se agora diminui a pressão.
Por estar circulando fora da minha quebrada, eu poderia até morrer ou ser preso, com sorte apenas levar um esculacho ou tomar um salve, ou, no mínimo, ter que dar explicações para os integrantes da facção ou da polícia. Tô fora!
Você imagina que só é morto, preso ou leva esculacho da polícia quem corre pelo lado errado da vida? – garoto inocente.
Você imagina que só pode tomar um salve ou ter que dar explicações para integrantes da facção quem for do crime? – acorda para a vida.
As pessoas que conheci naquela comunidade não sabem o que Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau disseram sobre o Contrato Social, mas elas sabem que não devem rir, ajudar ou fazer comentários quando uma visita escorrega numa tábua.
Ao abrir mão dessas pequenas liberdades privadas a comunidade garante em troca proteção contra aqueles que possam roubar, extorquir, matar ou estuprar na favela e nos predinhos.
Hobbes, Locke e Rousseau chamariam isso de Contrato Social, mas aquela gente que mora ali não chama de nada, apenas segue as regras, e todos continuam sem problemas – simples assim.
Eu, sendo uma visita naquela comunidade, tinha meus privilégios, mas deveria evitar encontrar com os representantes do Estado constituído (polícia) ou do Estado paralelo (facciosos) – se um me parasse e o outro visse, sujaria para meu lado. Tô fora!
Se você duvida que as coisas acontecem como estou lhe contando ou que Finn e Monique não estão certos em suas conclusões, não se preocupe, afinal os pesquisadores se basearam em Giorgio Agamben, que afirmou certa vez:
“Acredite em tudo que eu disse, não acredite em nada. Aprenda a diferenciar fatos e opiniões pessoais. Faça sua PRÓPRIA pesquisa, então, ESCOLHA no que acreditar.”
… ou talvez Giorgio não tenha dito isso – talvez seja uma opinião pessoal minha ou de outra pessoa qualquer. Pensando bem, é melhor você fazer sua própria pesquisa e só então escolher se acredita ou não em mim e em Finn e Monique.
A banalização da morte
Quando da morte de Marielle Franco, circularam pelas redes sociais fotos com uma garota sentada no colo de um homem e a frase: “Marielle e Marcinho VP, a santa da Globo e seu namorado” – tem gente boa que vai arder no inferno por ter compartilhado essa foto.
Há quem comemore quando um ladrão, traficante, talarico, político, policial, inimigo, pederastra, empresário ou comerciante é morto pela ação legal ou ilegal do Estado: pelas mãos de policiais ou membros de facções criminosas – talvez seja este o seu caso.
O fato de aceitarmos cada vez com maior naturalidade que o outro seja morto é uma consequência natural de nossa paulatina imersão em um Estado de exceção – aquela história do sapo na água fervendo.
Ninguém daria a mínima se eu desaparecesse naquela quebrada da Zona Norte, assim como ninguém está preocupado com toda aquela população que vive à sombra de dois Estados, que impõem suas regras em troca de uma suposta garantia de segurança.
Para horror de Judith Butler, matar deixou de ser o ápice da desigualdade social para se tornar uma ferramenta de controle social aceita tanto por aqueles que vivem nas áreas de risco quanto por aqueles que assistem de longe, pelas telinhas da tv ou pela internet.
Martin Buber explica como funciona esse poder intrínseco do homem de negociar na prática sua liberdade em relação ao outro dentro de cada ambiente, tipo assim: não rir de uma visita que escorrega ou não comentar o que se sabe para quem não se deve.
Pode parecer hipocrisia ou foucaultionismo, mas esse nosso poder de gerir de forma calculista nossa vida é o que aos poucos nos trouxe para esse ponto onde estamos.
Erra quem acredita que nós não fomos atingidos pelos aviões em 11 de setembro de 2001.
Aquele clima pesado que pairava sobre a comunidade na Zona Norte de São Paulo e que me obrigava a esperar o melhor momento para sair era apenas um dos reflexos na comunidade do ataque às Torres Gêmeas – se bem que ninguém por lá dava conta disso.
Há tempos, os Estados paralelos passaram paulatinamente a criar regras e a cobrar obediência para garantir a segurança das comunidades às quais pertencem, sob os aplausos de muitos e o silêncio da maioria, isso mesmo antes de 11 de setembro, mas…
… após o atentado da Al Qaeda, o Estado Constituído em diversos países, aos poucos, passou a questionar direitos e a tolerar abusos por parte de seus agentes, sob os aplausos de muitos e o silêncio da maioria, com o pretexto de manter a paz.
Por causa disso, policiais e facciosos estavam ainda mais empoderados para cobrar de mim e de qualquer outro que seguisse suas regras de comportamento, e eu estava lá, entre um e outro, mas a quem recorrer? Ao Chapolin Colorado?
Meu soberano deve me proteger, e é por isso que aceito seu jugo e suas ameaças – pelo menos é o que Hobbes me garantiu. Pode parecer uma posição hipócrita, mas, conscientemente ou não, é o que eu e você fazemos todos os dias.
Como foi descrito por Charles Tilly, a população da comunidade da Zona Norte sabe que deve obediência aos policiais que representam o poder da legalidade, mas também devem aos criminosos locais que efetivamente garantem a segurança no dia a dia.
Eu não preciso que Charles me diga que nesses tempos pós 11/9 a vida é menos valorizada, tanto pelos agentes do governo quanto pelos faccioso, e por isso esperei para sair em um momento em que não encontrasse nenhum deles pelo caminho.
Nem todos podem ser mortos assim sem mais nem menos
Giorgio Agamben afirma que eu, Amanda, Dentinho e os garotos das favelas e das comunidades estamos na lista dos matáveis, mas nem todos têm “vidas nuas”, desprotegidas, que estão sujeitas à execução sem a punição dos matadores.
Giorgio só não negou o inegável
Enquanto alguns, entre eles talvez você, negam que estejam sob o jugo de algum poder soberano, Giorgio analisou os limites que essa elite se impõe e descobriu a lógica aplicada por esses grupos para separar quem pode ou não ser morto.
“Elite” talvez não seja como você descreveria um grupo pequeno de policiais ou criminosos que advogam para si o poder de decidir quem vive e quem morre, mas são eles que controlam os bens mais preciosos dos homens: sua vida e sua liberdade.
Giorgio chuta para o escanteio a noção de que o soberano é aquele que detém o poder legal, reconhecendo a soberania naquele que tem a “capacidade de matar, punir e disciplinar com impunidade”.
A vida nua não pode ser magra
Caroline Humphrey no entanto alerta que a vida pode “ser nua”, como afirma Giorgio, mas que esse conceito não pode ser entendido sem uma análise profunda de cada “modo de vida” em cada comunidade.
Eu sabia, mesmo sem que Caroline me dissesse, que naquela comunidade eu poderia ser punido por infringir uma das normas não escritas mas aceitas por algum daqueles soberanos, e ficaria por isso mesmo, sem punição para meus algozes.
Em um mashrut na Mongólia ou em uma van irregular nas periferias brasileiras existe um universo real colorido convivendo com a utopia dos que enxergam o mundo em preto e branco – Lei! Ora, a lei.
Dentro de cada um daqueles veículos, assim como nas comunidades, as regras de conduta são aceitas ou toleradas pelos passageiros, acima mesmo das leis formais da sociedade, para que essa tênue película que separa o real do utópico não seja rasgada.
Experimente tirar a camiseta em uma van e se sentar ao lado de uma garota: a regra de conduta daquela comunidade não aceita. Diga que você está amparado pela Constituição Cidadã de 1988 (desculpe se me rio: kkk).
Cada proprietário de van ou de mashrut é um pouco soberano, mas responde a um grupo maior que garante sua soberania. Da mesma forma ocorre em comunidades urbanas e rurais com soberanos locais, ligados ou não ao governo oficial.
Cada nicho social abandonado pelo Estado de direito a sua própria sorte cria sua malha social com soberanos locais chancelados pela autoridade do Primeiro Comando da Capital ou alguma outra organização criminosa, como ressalta Graham Willis:
“[Impondo] sua própria violência estrutural, toda institucionalizada e simbólica”.
Assim, seus representantes, da mesma forma que os policiais, têm autoridade para fazer o uso da força e decidir quem poderá entrar na lista das vidas (in)desejáveis e “mortais”.
A morte por consenso desnudada por Graham vale tanto para policiais quanto para criminosos, tanto para vítimas como para algozes. Aqueles que decidem sobre quem vive ou morre em uma comunidade também são mortos impunemente.
Do ponto de vista de Graham, não há dois soberanos, mas sim uma soberania consensual, em que o Estado de direito aceita a regulação da violência por “outros regimes” apenas quando é de seu interesse.
Então tá, mas, para mim, não muda nada. Vou ter que baixar a cabeça e responder às perguntas dos representantes do soberano ou do suserano, que podem decidir impunemente sobre minha vida ou minha liberdade.
Eu só pensava em sair de lá de boa e o mais rápido possível. Chegou a hora do culto e a família do aliado com seus trajes de igreja caminharam comigo a reboque – eu não estava muito no estilo “crente”, mas dava para passar batido.
Para quem mora em condomínio parece natural ter seguranças para impedir a ação de criminosos dentro de suas muralhas, assim como para quem mora em uma comunidade também parece natural que os traficantes locais mantenham a ordem na quebrada.
Isso não acontece apenas aqui – afirmam Finn e Monique.
O que horroriza não é o fato da facção PCC 1533 tomar para si parte da segurança pública, mas desnudar esse acordo tácito entre o Estado de direito e o poder paralelo, que desde sempre esteve nas mãos de policiais corruptos, vigilantes, milicianos ou gangues locais.
O Estado se apresenta como representante único e legítimo, mas os detentores da soberania local, mesmo que na ilegalidade, por vezes estão mais afinados ao “sistema de valores locais compartilhados” pelas comunidades, e daí sua aceitação tácita.
Ao contornarmos os predinhos passamos por um grupo de rapazes sendo abordados por duas viaturas da força-tática. Nem preciso descrever a cara que o policial que fazia a segurança da equipe fez em nossa direção.
Acostumados, o casal e as crianças nem ligaram – normal para eles, para mim, te conto o que pensei:
“É assim que pensam em formar um Estado unificado, onde o cidadão trabalhador se sente protegido pelo poder legal? Firmeza, vai nessa! Ponto para a criminalidade.”
No mundo real da comunidade, as pessoas andam dentro das regras de um Estado dividido e terceirizado, enquanto a mídia e os burocratas ficam atrás de suas mesas escondidos sob montanhas de procedimentos, ideologias e números, vivendo em um mundo utópico.
Me despeço da família e agradeço pela companhia, que me livrou do possível transtorno e do constrangimento de passar por uma geral da polícia ou ser chamado para o debate pelos garotos da comunidade.
“OK Google, me lembre amanhã de perguntar ao Dr. Barsalini na padaria Santo Antônio se o Glauco da PUC-Campinas é parente dele.”
O que me fez lembrar da tese de Glauco foi a cara de satisfação de dois rapazes que estavam de farda naquela abordagem policial na Zona Norte de São Paulo enquanto conduziam um dos aviõezinhos preso por tráfico de drogas na quebrada.
O trabalho do acadêmico aponta como consequência desse encarceramento em massa o surgimento e a expansão das organizações criminosas e o que aquelas “pessoas que vivem em comunidades pobres pensam sobre o crime e o policiamento”.
Assim como Finn e Monique, Glauco busca entender o crime organizado em um contexto global e contemporâneo, evitando se contaminar pelo ambiente provinciano que acredita que o fenômeno PCC 1533 é uma criação fora da realidade mundial e de seu tempo.
Ao chegar na segurança de meu lar, depois de resolver as responsas que tinha acertado com o aliado, fui para meu merecido descanso, tão satisfeito quanto aqueles dois policiais que levaram o garoto para ser doutrinado na filosofia da Familia 1533.
Como diria minha velha amiga Odete de Almeida: “É prá cá bá”
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
O combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC) passa pela destruição de uma cultura depravada construída por acadêmicos, jornalistas e artistas.
A sabedoria chinesa e o combate ao PCC 1533
Há dois mil anos, na China, havia um estudioso chamado Hanfeizi, que devotou sua vida pelo estabelecimento de um Estado forte que pudesse garantir a paz e a segurança.
Hanfeizi ofereceu seus serviços ao imperador Zheng do reino de Qin por acreditar, assim como eu e você, que o legalismo é fundamental para a construção de uma nação segura e um Estado consolidado.
O pensador viveu na China no final da Dinastia Zhou, em um “Estado nacional” enfraquecido e diversos reinos autônomos fortes, cada qual cuidando de sua segurança enquanto sofriam ataques de bárbaros e saqueadores.
Eu e você vivemos no Brasil recentemente democratizado com um Estado nacional enfraquecido e diversos estados autônomos fortes, cada um cuidando da segurança enquanto sofrem ataques de facções criminosas.
Políticos, imprensa e artistas falam abertamente sobre as vantagens da implantação de sistemas tolerantes de convivência com o crime organizado, pregando uma “repressão condicional”.
É o caso do artigo “Can Governments Deter Violence Committed by Crime Groups?”, do jornalista Mike LaSusa, que compara sob um tênue manto de imparcialidade três políticas de combate ao crime organizado: a “repressão condicional” no Rio de Janeiro, a “condicionalidade atrelada à submissão” na Colômbia e a “militarização” no México.
Hanfeizi teria aconselhado o imperador Zheng de Qin a deletar essa postagem e a enterrar seu autor como forma de abolir o passado, reinventar a História e criar um ambiente propício para o restabelecimento de um Estado de Direito forte e seguro:
“Aqueles que querem vencer terão antes que queimar os livros e enterrar vivos 400 eruditos.”
Guerra sem quartel ao PCC 1533
Mike, assim como quase todos aqueles que estudam a facção Primeiro Comando da Capital e boa parte dos analistas em Segurança Pública dos grandes meios de comunicação, aponta as vantagens do sistema de pacificação condicionada.
O jornalista do site InSight Crime explica que o México, desta forma, manteve sob controle as taxas de homicídio por quase um século graças a acordos informais e pontuais entre políticos, policiais, militares, agentes públicos e traficantes de drogas.
Desde então, a taxa de homicídios não parou mais de subir, e hoje chega a 21,3 mortos ao ano para cada 100 mil habitantes – só para comparar, em São Paulo, que mantém a pacificação condicionada, o índice está em 7,8.
Hanfeizi ofereceu seus serviços ao imperador Zheng de Qin por acreditar, assim como eu e você, que o legalismo é fundamental para a construção de uma nação segura e um Estado consolidado.
Dessa forma, as polícias devem decretar uma “guerra sem quartel” às facções criminosas, como o México fez. Quem sabe por aqui, agindo da mesma forma que os mexicanos agiram por lá, não cheguemos a resultados diferentes, menos desastrosos?
Hanfeizi teria apontado o erro de Calderón: ele não atacou o âmago do problema – acadêmicos, jornalistas e artistas que incentivam uma cultura depravada e que se opõe ao estabelecimento de um Estado Forte, incentivando a rebeldia popular.
É o caso da música Racistas Otários, do grupo Racionais MC’s, que faz uma crítica social sob um tênue manto de imparcialidade, mas, de fato, insufla a revolta contra a opressão exercida pelo Estado Constitucional, como querem os cidadãos de bem:
“A lei que é implacável com os oprimidos
Tornam bandidos os que eram pessoas de bem.
Eles são os certos e o culpado é você
Se existe ou não a culpa
Ninguém se preocupa
Pois em todo caso haverá sempre uma desculpa”
Hanfeizi teria aconselhado o imperador Zheng de Qin a proibir essa música e a enterrar seus autores como forma de abolir o passado, reinventar a História e criar um ambiente propício para o restabelecimento de um Estado de Direito forte e seguro:
“Aqueles que querem vencer terão antes que queimar os livros e enterrar vivos 400 eruditos.”
Controlar as lideranças políticas para vencer o PCC
Políticos adotam hoje abertamente a defesa de ideologias que francamente colocam em dúvida a efetividade das ações de governo, suas forças policiais e os cidadãos de bem que defendem as normas jurídicas do Estado de Direito.
“Existe uma lógica que foi vendida para parte de que botar mais gente na cadeia ou nas prisões resolve os problemas.
Quem pensa com essa lógica precisa nos explicar por que nos últimos 10 anos a população carcerária do Brasil dobrou, se tornando o terceiro país em população carcerária do mundo, e a sociedade não está mais segura por isso.
Opa! Vamos parar para pensar, pois esse pode não ser o caminho. Entulhar gente em masmorras que se dizem de recuperação. Recuperação coisa nenhuma, às vezes a pessoa entrou lá por um crime leve e saí de lá PHD no crime.
Isso não quer dizer defender a impunidade, não! Se alguém mata, rouba ou estupra, tem que ser punido! O que não pode é achar que vai entulhar as cadeias, fazer cadeias em todos os cantos e a sociedade vai ficar mais segura.
Desculpe, não está ficando mais segura. Estão fazendo isso há um tempão, e não está ficando mais segura.
Nos últimos 30 anos nós estamos fazendo a política de segurança baseada na chamada Guerra às Drogas exportada pelos Estados Unidos, onde você pega forças militares do Estado e faz o suposto ‘combate ao narcotráfico’.
Essa Guerra às Drogas, isso virou uma maneira de militarizar as favelas, as periferias, os morros e de matar a juventude pobre e negra!
A atual política de combate às drogas que nós temos não só é ineficiente como amplia essa situação que estamos vivendo. Quando se pega um moleque com uma trouxa de maconha, uma pedra de crack, sem armas, sem ter cometido crimes violentos, que não é reincidente, e o joga dentro de unidade prisional controlada pelo PCC, Comando Vermelho, simplesmente se cancelando a possibilidade de se resgatar esses jovens. Ao mesmo tempo, dentro do sistema prisional, cerca de 80% não tem atividades educacionais ou laborais. Então não se prepara esse jovem para a ressocialização, para que ele volte à vida social e para o mercado. Essa é uma política que não resolve.
primeiro – vocês acham mesmo que combater o narcotráfico é pegar o cara que está na laje da favela, que a cabeça do narcotráfico está no barraco de uma favela? A cabeça do narcotráfico está ligada ao poder, aliás, em helicóptero cheio de cocaína de senador da República que está livre leve e solto até hoje, não é? É aí que está e ninguém mexe; e
segundo – o fato de ser proibido faz com que alguém não use drogas? Quem quer usar sabe onde comprar, vai lá, compra e usa, e o narcotráfico não diminuiu em nada nos últimos 30 anos, ao contrário, as facções só cresceram. Essa política está errada, totalmente errada”
Para manter o Estado de Direito e atendendo aos anseios dos cidadãos de bem, mais uma vez, um conselheiro devoto como Hanfeizi não teria hesitado em orientar o imperador a proibir a divulgação de ideias como essa:
“Aqueles que querem vencer terão antes que queimar os livros e enterrar vivos 400 eruditos.”
A pacificação através da leniência
Eu e você sabemos que Hanfeizi tinha inteira razão, que não basta a Rota na Rua para vencer o inimigo quando ele está enfronhado no nosso emaranhado cultural.
Quando alguém como Mike demonstra o insucesso das operações militares no Rio de Janeiro por sua inexequibilidade em grandes extensões, ele está acusando o Estado e as forças policiais de incompetência e hipocrisia.
Mike demonstra em sua reportagem que o melhor resultado a longo prazo é o governo deixar claro os limites em que vai atuar, dando oportunidade para a marginalidade sair da comunidade ou mudar de vida e, só depois disso, agir, tomando o perímetro.
Não adianta Mike provar que os números demonstraram o sucesso da pacificação condicionada no conturbado Rio de Janeiro, na Colômbia ou em São Paulo – são apenas números, e eu e você sabemos que o que funciona é a Rota na Rua.
Eu e você e o destino de Hanfeizi no reino de Qin
O imperador Zheng do reino de Qin venceu as hordas bárbaras e os governos provinciais fortes e pôde nos mostrar o caminho para derrotar o Primeiro Comando da Capital e as outras organizações criminosas.
Eu e você podemos lutar para emplacar um governo forte, que combata a pacificação condicionada, os acadêmicos, os jornalistas, os artistas e os influenciadores que incentivam uma cultura depravada e a rebeldia popular… Só que – sempre tem o “só que…”
O pesquisador André da Silva Bueno que me perdoe pelo spoiler, mas como o fim dessa história já é conhecida há dois mil anos, todo mundo já sabe:
A Dinastia Qin do imperador Zheng foi um fracasso, durou míseros 15 anos, queimou milhares de escritos antigos e matou milhares de pensadores – só para comparar, a Dinastia Zhou que a antecedeu durou 790 anos e a Dinastia Han que a sucedeu durou 426 anos.
Hanfeizi cobrou de seu rei tratamento cruel contra aqueles que se opunham a implantação da nova ideologia e acabou sendo condenado à morte pelo próprio imperador Zheng, sem conseguir ver o reino de Qin vencer seus inimigos.
Um dos 400 eruditos mortos tinha em um dos livros que foi queimado um ensinamento de Confúcio que era mais ou menos assim:
“Quando alguém atacar alguém por sua ideologia, prepare duas covas”.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
Diariamente vemos na imprensa escrita e televisionada integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital. Então, saberíamos reconhecê-los entre nós?
É importante demonizar a facção PCC
Se você conhece os integrantes da facção Primeiro Comando da Capital pela televisão, não poderia, de fato, saber o que pensam e como agem.
Os pesquisadores demonstram que os órgãos de imprensa repetem e reforçam o ponto de vista das autoridades policiais, auxiliando a demonizar aqueles que fazem qualquer tipo de oposição à lei ou aos costumes estabelecidos.
Sejam criminosos que roubem ou matem trabalhadores, sejam oficiais islamitas matando cristãos, sejam policiais de regiões nas quais exista distinção oficial de etnias ou raças reprimindo manifestações igualitárias: a imprensa local reportará a versão do status quo.
Assisti a uma palestra ministrada para um grupo de jovens policiais. O palestrante perguntou aos novatos qual seria o melhor resultado possível a ser apresentado ao final de um plantão.
As respostas variaram: troca de tiros que resultasse na morte de criminosos, resgate de uma vítima de sequestro ou interceptação de uma grande carga de drogas.
Eram respostas esperada dos novatos, mas estranhas para os veteranos, que prefeririam chegar ao final do turno e apontar em seu talão de ocorrências: “plantão sem alterações” ― confessou o instrutor.
Afinal, se os policiais tiveram que utilizar a força, significaria que todo o trabalho de prevenção e inteligência falhou, colocando em risco a vida dos agentes e de terceiros.
A analogia é válida para as crias do Primeiro Comando da Capital.
As crias do 15 sonham com uma reação bem sucedida a uma abordagem policial e a ações criminosas, com fugas espetaculares que os permitam levar para suas comunidades dinheiro e histórias para ostentar diante das garotas, dos colegas e da família.
É o que se espera dos novatos, o que não reflete os anseios dos veteranos do mundo do crime, que prefeririam chegar ao final da noite garantindo estabilidade e segurança para si e suas famílias.
Quando você pensa na facção Primeiro Comando da Capital, talvez pense nos garotos que vendem drogas e estouram caixas eletrônicos, ou talvez, no máximo, você se lembre do prefeito de Embu das Artes, mas será que…
Possivelmente não. Ele e sua família não correspondem à imagem que o Datena, a colunista do Estadão Eliane Cantanhêde e outros formadores de opinião nos mostram: moradores de barracos mal acabados, com suas famílias desestruturadas e criminosas.
Ao contrário do que se imagina, a classe média do PCC é tão presente quanto os garotos dos corres. Quem sabe você ou um de seus familiares não trabalhe em um setor público ou uma empresa privada onde alguma liderança seja do PCC ― e você nem desconfia.
Há muito acompanho a revoada de membros da organização criminosa PCC para os condomínios e bairros de luxo, afinal, segundo eles mesmos, é o melhor lugar para se livrar de abordagens policiais ― a polícia age de maneira violenta apenas nos bairros pobres.
Facciosos ironizam que os policiais que fazem “bico” nos condomínios cuidam de sua segurança e os cumprimentam quando passam nas portarias e de dentro das viaturas.
Foi no artigo Alexandre e Amanda que li pela primeira vez que os PCCs estavam buscando o nordeste para fugir da violência de São Paulo:
A imprensa relatou diversos casos de PCCs que foram capturados em suas mansões, condomínios e empresas ― invariavelmente os vizinhos e funcionários os descreveram como sendo pessoas pacatas e que se dedicam à família.
A busca da pacificação nas quebradas por parte da liderança da facção paulista segue nesse sentido, pois além de garantir o fluxo de drogas sem interrupções, a segurança de membros das equipes de base, suas lideranças e suas famílias também é defendida.
Em regiões não pacificadas, com guerra entre gangues de jovens, mesmo nas partes nobres da cidade, a vida pode ser perigosa, como conta Alexandre e Amanda:
Alexandre e Amanda afirmam que é relativamente fácil reconhecer os integrantes dos grupos sociais, e sobre isso eu e você precisamos concordar ― quem é que não reconheceria um criminoso da Família 1533?
Ligação: PCC-SP — Símbolo: Caveira e Cruz (1533 MPA) — Grupo coeso e hierárquico. Produto de consumo da marca Cyclone (bonés, camisas e bermudas).
COMANDO DA PAZ CP — Área do Campinho.
Ligação: CP-Salvador — Símbolo: Escorpião (315 CP) — Grupo pulverizado com ritos de execução, mas primam pela discrição no seu cotidiano. Produto de consumo da marca Nike (bonés, camisas e bermudas).
Se você conseguir deixar de lado a visão distorcida de como localizar um membro da organização criminosa Primeiro Comando da Capital terá condições de localizar aí, em seu meio, pessoas que pertençam ou sejam parentes ou amigos de facciosos.
Alexandre e Amanda terminam colocando algumas dicas de como você pode reconhecer o membro de uma família:
Então, se você receber uma mensagem assim, ou tiver um vizinho pacato ligado à família, ou um garoto que vista bonés, camisas e bermudas da Cyclone, ou ouça Racionais MCs, fique esperto e ligue 190 para auxiliar a manter a paz e a ordem social.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
É possível vencer uma lenda? Qual a origem da nossa ideia do que é a organização criminosa Primeiro Comando da Capital e como são e como agem seus membros.
Você não precisa me contar quem foi o cagueta que falou para você sobre a facção ou seus membros, quero, apenas, que diga quem forjou em sua mente aquilo que você acredita que seja o Primeiro Comando da Capital.
Você não nasceu sabendo, tampouco seus pais eram irmãos batizados do 15, companheiros ou aliados da organização criminosa. Então, de onde foi que você tirou a ideia do que é ou de como vivem, agem e pensam os garotos da facção?
Você se lembra? Acho que não.
Essa imagem foi criada ao longo do tempo, paulatinamente recebendo informações por meio de terceiros, seja de fontes primárias nas ruas, biqueiras ou nos presídios, ou secundárias, através da mídia ou de comentários de terceiros.
Leio quase todos os artigos publicados sobre o Primeiro Comando da Capital nos últimos anos, e são poucos os geradores de notícias fora do eixo: Folha de S.Paulo, Estadão, UOL, Globo, Campo Grande News e Diário do Nordeste.
A mídia televisiva é um show que não acrescenta informação, mas produz espetáculo. Talvez ainda seja a principal formadora da opinião sobre o que são os facciosos.
As pautas, que ilustram e repercutem o conteúdo já produzidos pelas fontes-eixo — até quando o helicóptero do Datena acompanha uma operação ao vivo do GAECO —, são opiniões e informações reproduzidas da base geral.
Você, o irmão batizado do 15, os companheiros e os aliados da organização criminosa, estiveram expostos e construíram sua imagem ou autoimagem sofrendo influência dessas mesmas fontes, ao mesmo tempo que as influenciavam.
“O que é o grupo criminoso e como agem e são seus membros” são ideias produzidas, e não fatos consumados. A imagem está sendo constantemente reescrita, influenciando e sendo influenciada pela mídia, que a reconstrói em parceria com toda a sociedade.
“… a imagem faz mais do que nos estender a mão. Ela segura a nossa e depois nos puxa – aspira-nos, devora-nos – inteiros no movimento ‘mágico’ e ‘misterioso’ da atração empática e da incorporação”. — Georges Didi-Huberman.
A ideia que poderíamos saber definitivamente algo sobre qualquer organização humana foi pensamento predominante em um mundo que já não existe, ruiu com as muralhas da Bastilha em 1789, se bem que algumas pessoas demoraram um pouco a perceber.
A representação do que seriam as figuras do vilão e do herói muda de pessoa para pessoa, e o que é considerado “herói” para um grupo de indivíduos e classe social não é obrigatoriamente o mesmo para outros grupos e classes.
No entanto, é preciso entender que essas imagens, tanto do vilão quanto do herói, são construídas por meio da mídia (e essa construção afeta, também, a autoimagem das pessoas).
Um policial pode se ver e ser visto como herói, aquele que “protege a sociedade”, assim como um membro da facção criminosa pode se ver e ser visto como “correndo pelo lado certo da vida errada”, levando paz e segurança à sua quebrada.
Um policial pode ser visto e descrito como vilão, como alguém que abusa da autoridade, oprime as comunidades pobres e é corrupto, assim como um membro da facção criminosa pode ser visto e descrito como aquele que mata, rouba e toma a comunidade em que vive.
Tanto o policial como o faccioso estarão no seu dia a dia alimentando o mito, a construção da imagem, mas, ao mesmo tempo, estarão sendo influenciados pela mídia, que estará sofrendo pressão inconsciente de seus consumidores.
Eduardo Portanova Barros explica porque eu, você, a colunista do Estadão e os faccionários, mesmo recebendo as mesmas informações, teremos opiniões e sentimentos tão díspares sobre esse mesmo assunto:
O Primeiro Comando da Capital é imbatível, invencível e intocável, independentemente das afirmações de Lincoln e seus colegas, das operações de nomes exóticos do Ministério Público, da Polícia Federal, da Força Nacional ou até mesmo da sua opinião sobre isso.
A facção estará tão viva e fortalecida quanto o imaginário pintado nas mentes e nas almas daqueles que vivem nas prisões e nas periferias, seja com uma liderança una e forte ou descentralizada.
Um estereótipo, uma imagem construída, não pode ser vencido pela força das armas — isso é fato, o resto é especulação. Como disse o filósofo alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo: “É para vocês. Vocês sabem quem são. Não preciso dizer mais nada. Vocês vão ter de me engolir”
Você não precisa me contar quem foi o cagueta que falou para você sobre a facção ou seus membros, mas quero que reflita sobre como você vê o PCC 1533 hoje e, principalmente, sobre quais partes dessa imagem da facção fazem parte da realidade e quais são construções fantasiosas.
Existirão irmãos e companheiros da organização criminosa, independentemente das ações de Lincoln e seus colegas — a menos que mudemos a forma como nós, os membros das diversas classes de nossa sociedade, se relacionam entre si e em relação ao Estado.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
A imprensa como construtora do imaginário do membro da facção Primeiro Comando da Capital como vilão e “inimigo público número um”, e os números do Google Trends 2018.
Eu aguardei o fim dos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital para fazer uma análise sobre dos números referentes ao período de movimentação da facção. Não pretendo me ater aos ataques e suas causas, e sim no interesse popular.
Este site possui uma página com dados estatísticos em tempo real que podem informar sobre as ações dos membros do PCC na linha do tempo e em sua localização geográfica – ferramentas interessantes para quem estuda a organização criminosa.
Outras ferramentas complementares estão disponíveis em outros pontos do site. Então, esperei os dados indicarem que a turbulência havia passado e fui compilar as informações — simples assim.
Antes de postar os resultados, encontrei-me com Reginaldo. Pior viagem. Se arrependimento matasse, eu teria sido fulminado. Reginaldo destruiu, ou melhor, desconstruiu toda minha linha de raciocínio.
PCC 1533, poder e medo registrado no Google Trends
Tudo me parecia simples com o fim da onda de ataques, no entanto, Reginaldo mostrou que não, o pior viria agora: é preciso entender o que se passou comigo e contigo, mas, principalmente, o que se passou com a imprensa.
“Quando tiros desferidos contra postos policiais, ônibus queimados e outros incidentes levaram medo para dezenas de cidades…” — É quase impossível afirmar quando essa frase foi pronunciada, encaixando-se perfeitamente em diversos momentos após 2002.
Quem nasceu após 1995 apenas o que ouviu falar sobre o poder e o medo que a facção paulista pode gerar. A média de interesse pelo termo “Primeiro Comando da Capital” segundo o Google Trends, em 2018, até o dia 15 de junho, estava em 9,5 pontos, contra uma média histórica de 3,4 pontos de fevereiro de 2004 até dezembro de 2017.
Eu considerava momentos de pico quando as buscas pelo termo alcançavam a marca de 6 pontos — em catorze anos, esse fenômeno ocorreu em 10 ocasiões, sendo que em 2018 apenas o mês de maio ficou abaixo dessa marca.
Picos históricos de busca para o termo “Primeiro Comando da Capital”
2006, de maio, 100 pontos — Mega ataque em São Paulo;
2006, agosto, 29 pontos — Sequestro de repórter da Globo para divulgação do estatuto;
2018, junho, 14 pontos — queima de ônibus em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte contra tortura e falta de condições nos presídios, ações de inteligência contra a facção;
2018, de fevereiro a abril, pico de 14 pontos — Assassinato de Gegê do Mangue;
2004, junho, 10 pontos — (Deus sabe o porquê);
2012, outubro e novembro, pico de 10 pontos — 20 anos de Carandiru — eleições municipais;
2005, dezembro, 8 pontos — balanço geral do ano do Mega ataque;
2017, janeiro, 7 pontos — Massacre no Presídio de Compaj — Guerra contra a coligação FDN–CV no norte do país;
2017, de dezembro à janeiro de 2018, 7 pontos — Guerra entre PCC e as facções FDN–CV; e
2006, dezembro, 6 pontos — PCC e as escolas de samba.
Eu, você, a imprensa, o PCC e a colunista do Estadão
A colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Eliane Cantanhêde, chamou-me a atenção para a forma como a imprensa repercute o ponto de vista do Estado e de suas forças policiais sem se preocupar de fato com a verdade:
“Depois dos caminhoneiros […] o Brasil está tentando respirar, e agora, esses ataques do PCC, e isso é muito grave porque não tem reivindicação nenhuma por trás, eles inventam que é por causa das condições dos presídios, mas não é, né? É uma demonstração de força, né?
E é muito preocupante, num país que está aí machucado por uma série de coisas. Foram 24 ônibus queimados em 24 horas em Minas Gerais por ordem do principal e mais perigoso e aterrorizante grupo criminoso do país, que é o PCC. Os estados estão de cabelo em pé preocupados, porque é ordem do PCC.”
O absurdo comentário de Cantanhêde, de que não havia exigência ou consistência nos ataques do PCC, se explica nesse contexto. A autora estava trabalhando, conscientemente ou não, para a construção de um mito, para o reforço de uma imagem do crime organizado (vilão).
À exceção do trabalho da repórter Carolina Linhares, da Folha de S. Paulo, que destacou tanto a causa do conflito quanto a posição do governo e a ação das forças públicas, em mais de uma centena de reportagens só as consequências e a ação das forças públicas foram noticiadas.
Até mesmo o UOL, em uma reportagem assinada por Carlos Eduardo Cherem, replica o discurso oficial e termina informando que: “A PM ainda informou que uma árvore foi queimada no local.” — mas não citou a demanda dos manifestantes.
A falta de espaço para apresentação democrática de um pleito leva às manifestações violentas. A história demonstra que o controle da imprensa somado à ação policial apenas protelam e intensificam as ações seguintes, que tendem a ter cada vez mais força.
Eu e você na construção da imagem do integrante do PCC
Reginaldo demonstra que todos nós somos responsáveis pela construção da imagem do integrante da facção Primeiro Comando da Capital e, ao mesmo tempo que consumimos a ideia, ajudamos a reforçá-la.
Procuramos as notícias sobre a facção que nos agradam, e os meios de comunicação vão produzir para nosso consumo o produto que nós buscamos; assim, a construção e o reforço da imagem é autoalimentada, e se distancia cada vez mais da realidade.
A qual estereótipo você se alinha? Ou talvez você não esteja entre os dois extremos, e sim perdido na bruma existente entre a luz e as trevas:
O membro do PCC é aquele que mantém a ordem, a lei e a disciplina nas periferias e nas prisões, e sem sua presença voltamos ao caos?
O membro do PCC é o mais perigoso dos bandidos, capaz dos crimes mais brutais e um câncer a ser extirpado mais rapidamente do seio da sociedade?
Os números do Google Trends demonstram que, independente de seu ponto de vista, a presença do membro da organização criminosa paulista, seja como vilão ou como herói, nunca esteve presente de maneira tão intensa e por tanto tempo ininterrupto.
O que isso pode significar? Bem, eu não sei, mas se você quiser pode perguntar para o Lincoln ou Cantanhêde, ele provavelmente vai lhe dizer que estamos assistindo o colapso do PCC, e o início de uma nova era, ou, talvez – apenas talvez – prefira ter a opinião da repórter Carolina Linhares, da Folha de S. Paulo.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)