A imprensa e o Primer Comando de la Capital

A facção PCC nos países de língua espanhola é apresentada de quatro maneiras: reportagens especiais, bandeira política, varejo policial e citações ocasionais.

Bordoada seca em mim, que não deveria merecer

Ninguém sente mais pena que eu sinto de você, que padece lendo este artigo. Ninguém sofre mais do que eu sofro ao perceber que, por algum infortúnio, você acabou neste palavreiro tedioso. Por isso peço a você que leia apenas o próximo parágrafo e deixe este site…

É mais ou menos assim que em 1920, Rui Barbosa começa seu discurso de 37 páginas intitulado A imprensa e o dever da verdade, cuja estrutura utilizo por culpa de Valeria e de Márcio, que chamaram minha atenção para o tema: a verdade da imprensa e o PCC.

Perceba, não é de meu gosto dar canseira, escrevendo palavras vãs, quando se poderia chegar diretamente ao ponto, mas só assim posso apresentar como se deve o artigo El grupo más temido de Brasil ya aspira a controlar el narcotráfico de América Latina.

A repórter Valeria Saccone me colocou entre o cutelo e a parede com a publicação desse artigo no periódico espanhol El Confidencial. Senti como se minhas posses fossem-me retiradas de súbito por salteadores. Ela, com poucas palavras, humilhou-me e calou-me.

O que falei neste site sobre a imprensa → ۞

Uma visão clara e abalizada sobre a facção PCC

Valéria contou a história do PCC de forma que alguém que nunca ouviu falar da organização criminosa pudesse entender, e, ao mesmo tempo, fez uma análise profunda sobre sua atual situação e o seu impacto em todo o mundo.

Ela me humilhou e me calou com uma bordoada seca que eu não merecia ao mostrar como se pode fazer uma matéria jornalística de qualidade, levando não apenas a informação ao leitor, mas também lhe proporcionando prazer na leitura.

Foi por conta do artigo de Valéria, que se espalhou como fogo na palha por diversos sites latino-americanos e asiáticos, que parei para reparar nas diferenças entre as notícias transmitidas sobre o Primeiro Comando da Capital nas diversas nações.

Para isso, pedi ajuda aos universitários, e quem me socorreu foi Márcio Barbosa Norberto, com a tese Olhar para a fronteira: o fazer jornalístico em Laz Voz de Cataratas, Gazeta Diário de Foz do Iguaçu, e Vanguardia.

O que falei neste site sobre as fronteiras → ۞

Quem tem telhado de vidro…

Brasileiros viralizaram memes e comentários xenófobos quando se noticiou que refugiados sírios viriam para o país, outros, seguindo a mesma linha, exigiram que a fronteira com a Venezuela fosse fechada para evitar a entrada de integrantes das FARC (isso mesmo, das FARC!).

Márcio nos conta que o periódico paraguaio Vanguardia utilizou 21% de seu espaço falando sobre comércio, arte e cultura, saúde, cidadania, migração, infraestrutura e política, e 79% sobre controle de fronteiras, tráfico de drogas, contrabando, crime e organizações criminosas…

“… criando representações estereotipadas acerca do brasileiro de modo geral. Ao se referir ‘el extrangero’ o portal indica que o suposto membro do PCC não faz parte da nação paraguaia [… e] a imagem que se cria do brasileiro é a de traficante, criminoso, entre outras marcas que carregam este sentido.”

O preconceito alheio é tão bem fundado quanto o nosso, e não se pode culpar a facção por ter atravessado a fronteira, afinal, foi uma decisão nossa esconder o problema até que ele se tornou tão grande que não pôde mais ser oculto sob a peneira.

Onde citei preconceito neste site → ۞

A imprensa esconde o verdadeiro inimigo

Márcio conta que a imprensa paraguaia trata com naturalidade a corrupção e a ação das organizações criminosas — essa representação do discurso jornalístico reforça o imaginário popular e busca ofuscar o real inimigo, ao que Rui Barbosa resumiria mais ou menos assim:

Vede, senhores, vede se não é a clandestinidade, a hipocrisia, a mentira o que eles querem. A culpa do Primeiro Comando da Capital está mais em desnudar uma praga pública, de cuja existência todos sabem, todos se lastimam, todos se aterram, mas na qual poucos ousam pôr a boca.

Quem há de encarar aqueles que dispõe da vida e da morte, dando ou tirando a honra, erigindo ou demolindo reputações, convertendo a santidade em corrupção e a corrupção em santidade? Acusemos os estrangeiros ou acusemos os criminosos de sempre.

A imprensa acompanha o que se passa perto e o que se passa longe, enxerga os que tramam, sonegam e roubam a nação e a sociedade, mas se acautela e aponta dedos acusatórios em outra direção, sem ver o verdadeiro mal se vive, e essa é a condição em que vivemos.

Ninguém sente mais pena que eu sinto de você que, por algum infortúnio, acabou tendo que trabalhar para os grandes meios de comunicação, que são obrigados a fazer coro aos discursos dos governos, das empresas e dos políticos que ditam a linha editorial.

Onde citei o real e o imaginário neste site → ۞

A imprensa paraguaia e o Primer Comando Capital

O Paraguai é a principal base de operações da facção paulista fora do Brasil — milhares de brasileiros e paraguaios trabalham, direta ou indiretamente, para a facção nas mais diversas áreas de mercado — legal e criminoso, formal ou informal — e como agentes públicos.

Toneladas de drogas, armas, cigarros e outros produtos são comercializados, sob os olhos complacentes da administração pública, que mostram seus dentes e ocasionalmente abocanham alguns membros, mas sem matar a galinha dos ovos de ouro.

Raíssa Benevides Veloso e Francisco Paulo Jamil Marques explicam que os profissionais da imprensa compram as informações passadas pela polícia sem questioná-las, e essa prática, além de ser mais cômoda, adequa-se aos interesses das editorias e daqueles que querem manter o controle social.

Entendo as razões pelas quais a mídia local age dessa forma, difícil mesmo é entender por que o Paraguai é a única nação de língua espanhola a denominar a facção de “Primer Comando Capital” sem o “de la” — será que foi usado para pagar propina? — foi mal, preconceito meu.

O que falei neste site sobre o Paraguai → ۞

A imprensa hispânica e o Primer Comando de la Capital

Há anos acompanho diariamente as publicações sobre a facção Primeiro Comando da Capital em todo o mundo e, para mim, tornaram-se nítidas as diferenças nas formas narrativas da imprensa hispânica sobre os fatos envolvendo a organização criminosa:

  • Reportagens Especiais: Argentina, Colômbia e Espanha apresentam reportagens elaboradas, através pesquisa e com análise de especialistas, apresentando a organização criminosa como uma estrutura internacional de narcotráfico internacional e controle social nas periferias das cidades e no sistema carcerário.
  • Bandeira política: na Bolívia a facção é demonizada, e o ministro do governo Carlos Romero assume o papel de paladino da Justiça.
  • Varejo criminal: o Paraguai se detém ao noticiário policial diário, com reprodução do que é recebido dos órgãos policiais ou judiciários.
  • Citações ocasionais: as demais nações latino-americanas contentam-se em reproduzir publicações de outras nações e vez por outra há alguma reportagem especial.

Perceba, não é de meu gosto dar canseira, colocando palavras vãs, quando se poderia chegar diretamente ao ponto, mas a repórter Valeria Saccone me colocou entre o cutelo e a parede, e resolvi não me calar diante da humilhação na qual seu artigo me jogou.

Onde citei a questões latino-americanas neste site → ۞


As pesquisas pelo Primer Comando Capital pelo mundo

Os gráficos abaixo estão vinculados ao site do Google Trens, portanto a informação que estiver aparecendo talvez não seja a mesma que está vindo para mim no momento em que escrevo.

O primeiro gráfico mostra um quadro que tem se mantido inalterado por muito tempo — o Paraguai é de longe a nação que mais se preocupa com a organização, seguidas pela Bolívia, nação chave na estratégia da organização, seguidas das demais.

No entanto, no último ano a Bolívia superou em muito o Paraguai no interesse pela facção. O assalto aos carros fortes por si só não justificariam o aumento brutal do interesse, mas a facção passou a ser utilizada como bandeira política pelo governo.

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Veja o PCC nos principais jornais hispânicos

O interesse pela facção no meio digital apontado pelo Google Trends se reflete nas matérias produzidas pela imprensa. O Paraguai que mais pesquisa sobre a facção, também é aquele que a imprensa mais fala sobre o assunto.

O periódico paraguaio Ultima Hora já abordou desde 2004, segundo o Google, o assunto 33.100 vezes no momento que faço essa pesquisa, quando a média dos outros meios de comunicação fora do Paraguai gira em torno de 100 artigos citando a facção.

Abaixo, organizado em ordem de número de abordagens estão postas as principais publicações em Espanhol — a imagem é um link para a busca do Google.

Paraguai — Ultima Hora

Paraguai - PCC 1533 ultima hora

Bolívia — La Razón

Bolívia - PCC 1533la razón.jpg

Argentina — La Nacion

Argentina - PCC 1533 la nacion diario

Espanha — El País

Espanha - PCC 1533 elpais

Argentina — Clarín

Argentina - PCC 1533 el clarin diario

Equador — El Comercio

Equador - PCC 1533 el comercio

Argentina — Página 12

Argentina - PCC 1533 pagina 12.jpg

México — El Periódico de México

Mexico - PCC 1533 el periódico

Peru — El Comercio

Peru - PCC 1533 el comercio

México — El Universal

Mexico - PCC 1533 el universal

México — La Prensa

Mexico - PCC 1533 la prensa

México — La Jornada

Mexico - PCC 1533 la jornada

Espanha — ABC

Espanha - PCC 1533 abc

Uruguai — El Observador

Uruguai - PCC 1533 el observador

Uruguai — Montevideo.com

Uruguai - PCC 1533 montevideo

Espanha — El Mundo

Espanha - PCC 1533 el mundo

México — Excelsior

Mexico - PCC 1533 excelsior

Chile — El Mercurio

Chile - PCC 1533 el mercurio

Colômbia — Colombiano

Colombia - PCC 1533 colombiano.jpg

México — Crónica

Mexico - PCC 1533 cronica

México — Milenio

Mexico - PCC 1533 milenio

Espanha — La Razón

Espanha - PCC 1533 la razón

Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)

Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Rícard Wagner Rizzi

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