Entrevista do Marcola para o Globo é falsa, mas continua atual

Entrevista do Marcola foi uma criação do articulista Arnaldo Jabor para o jornal O Globo em 2006, no entanto, passados 17 anos ainda repercute

Entrevista do Marcola é citada por deputado na Argentina

Carlos del Frade é conhecido por investigar o tráfico de drogas em Santa Fé, e como especialista foi entrevistado pelo programa Crimen y Misterio.

Frade é jornalista, escritor e deputado provincial pela Frente Social y Popular (FSP) e citou na edição de ontem uma suposta frase dita por Marcola.

Segundo o parlamentar argentino, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, seria o chefe do Primeiro Comando da Capital e teria afirmado que:

…. a única forma que eles têm de nos vencer é dando trabalho, educação, alegria, cultura e esporte.

Não me lembro dessa afirmação de Marcola, e creio ser algum tipo de alteração na famosa entrevista falsa de Marcola para O Globo.

No entanto, independente de ser ou não dele esta frase, o fato é que o mito Marcola continua forte dentro e fora do Brasil

artigo base no El Confidencial Online: El legislador santafesino termina nombrando lo dicho por Marcol, máximo líder del Primer Comando de la Capital que dijo: la única manera que tienen de ganarnos es dando trabajo, educación, alegría, cultura, y deporte.

Entrevista do Marcola é citada por site no Paraguai

Em janeiro de 2017, estava correndo na internet uma suposta entrevista que o Marcola teria dado à Globo.

Na realidade, a falsa entrevista era uma criação do articulista Arnaldo Jabor e de quando em quando volta a viralizar.

A diferença desta vez é que, a entrevista corria o mundo como sendo verdadeira, e um dos sites que reproduziu como sendo uma entrevista verdadeira foi o Moopio.com

O site paraguaio deve ter percebido o erro e já retirou o artigo:

Así piensa ‘Marcola’, el ‘capo’ del PCC

A entrevista produzida por Arnaldo Jabor para O Globo

Eu trago aqui para quem ainda não leu a reportagem no original, se bem que acho que todos já conhecem:

Entrevista com Marcola para O Globo, capa do jornal da época.

Estamos todos no inferno.
Não há solução, pois não conhecemos nem o problema.

O GLOBO: Você é do PCC?

Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos.

Eu era pobre e invisível… vocês nunca me olharam durante décadas… e antigamente era mole resolver o problema da miséria…

O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias… A solução é que nunca vinha… Que fizeram?

Nada.

O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós?

Nós só apareciamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas…

Agora, estamos ricos com a multinacional do pó, e vocês estão morrendo de medo…

Nós somos o início tardio de vossa consciência social… Viu?

Sou culto… leio Dante na prisão…

O GLOBO: Mas… a solução seria…

Solução? Não há mais solução, cara…

A própria ideia de “solução” já é um erro.

Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio?

Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo?

Solução como?

Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC…) e do Judiciário, que impede punições.

Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios…).

E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país.

Ou seja: é impossível. Não há solução.

O GLOBO: Você não tem medo de morrer?

Vocês é que têm medo de morrer, eu não.

Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora…. nós somos homens-bomba.

Na favela tem cem mil homens-bomba… estamos no centro do Insolúvel, mesmo…

Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.

Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês.

A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… a morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala…

Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em “seja marginal, seja herói”?

Pois é: chegamos, somos nós!

Há, há!

Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?

Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante… mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país.

Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados.

Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomado nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade.

Já surgiu uma nova linguagem.Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”?

Pois é. É outra língua.

Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso.

A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas.

É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O GLOBO: O que mudou nas periferias?

Grana. A gente hoje tem.

Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda?

Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório… Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?

Somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “microondas”…

Há, há…

Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes.

Nós temos métodos ágeis de gestão.

Vocês são lentos e burocráticos.

Nós lutamos em terreno próprio.

Vocês, em terra estranha.

Nós não tememos a morte.

Vocês morrem de medo.

Nós estamos bem armados.

Vocês vão de três-oitão.

Nós estamos no ataque.

Vocês, na defesa.

Vocês têm mania de humanismo.

Nós somos cruéis, sem piedade.

Vocês nos transformam em superstars do crime.

Nós fazemos vocês de palhaços.

Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados.

Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produtos vêm de fora, somos globais.

Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses.

Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

O GLOBO: Mas o que devemos fazer?

Vou dar um toque, mesmo contra mim.

Peguem os barões do pó!

Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas.

Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana?

Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas…

O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas.

O Exército vai lutar contra o PCC e o CV?

Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a guerra”.

Não há perspectiva de êxito… Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas…

A gente já tem até foguete antitanques… Se bobear, vão rolar uns Stingers aí…

Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas…

Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha”, daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou? Ipanema radioativa?

O GLOBO: Mas… não haveria solução?

Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”.

Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência.

Mas vou ser franco…na boa… na moral… Estamos todos no centro do Insolúvel.

Só que nós vivemos dele e vocês… não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela.

Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê?

Porque vocês não entendem nem a extensão do problema.

Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate!”, ou seja, “Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno”.

publicado originalmente neste site em 1º de janeiro de 2017

Ideologia do Primeiro Comando da Capital

A ideologia do PCC 15.3.3, ou a ideologia da “Família 1533”, é peça fundamental na criação da imagem dessa organização criminosa.

Ideologia PCC: buscando aceitação social

A ideologia do PCC 1533 e a criação de uma imagem forte como um grupo que luta pela “Paz, Justiça e Liberdade” garantiu sua aceitação social.

Como explica István Mészáros em “O Poder da Ideologia”, o termo
Ideologia não deve ser tratada de maneira preconceituosa ou vista através de paradigmas morais.

Mas sim, ancorada e sustentada na consciência de sua aceitação social, — onde, definitivamente, o Primeiro Comando da Capital está ancorado e sustentado.

Facção PCC 1533: pode rir, mas não desacredita não

Muito se subestimou e até hoje se subestima a capacidade intelectual dos integrantes do mundo do crime, mas isso é resultado de um errôneo prejulgamento.

De acordo com estes, os criminosos não teriam capacidade de estruturar uma ideologia e um contrato social capazes de sustentar uma organização criminosa transnacional poderosa.

… Subestimado pelo governo, que não conhece a realidade das cadeias, o PCC criou raízes em todo o sistema carcerário paulista.

Nas prisões, diretores ultrapassados, da época repressão [no regime
militar], tentavam resolver o problema de maneira que em foram doutrinados: porretes, choques, água fria, porrada…

Não foi suficiente.

Em menos de três anos, já eram três mil. Em menos de dez anos, 40 mil.

Carlos Amorim

Mas foi assim, pairando por sobre o descrédito daqueles que deveriam estar atentos ao crescimento e fortalecimento da facção criminosa que o PCC alçou voo.

Pode rir, ri, mas não desacredita, não
É só questão de tempo o fim do sofrimento
Um brinde pros guerreiro, zé povinho eu lamento
Vermes que só faz peso na Terra
Tira o zóio, tira o zóio, vê se me erra

Racionais MC’s

Facção PCC 1533: crescendo sob a descrença

O deputado estadual por São Paulo Afanásio Jazadji tentou de todas as maneiras alertar as forças de Segurança para o crescimento da organização criminosa paulista:

Nossas autoridades das áreas de segurança e sistema prisional não deram crédito àquelas constatações, chegando mesmo a ridicularizar a nós, integrantes da CPI da Assembléia Legislativa que investigava o Crime Organizado no Estado, como se estivéssemos mal informados ou “vendo fantasmas”.

E enquanto isso, a facção criminosa ia crescendo e se fortalecendo.

Ideologia do PCC: aceitação social ou capitalismo puro?

Os pesquisadores Álvaro de Souza Vieira e Renato Pires Moreira analisam o crescimento do PCC sob o conceito do metabolismo social de Karl Marx.

Análise de inteligência: das ações ideológicas disciplinares e correcionais promovidas pelo Primeiro Comando da Capital

Já li análises do PCC como ente econômico, mas pesquisadores analisando as liderança da facção sob a lógica da acumulação e expansão contínuas, definitivamente não.

A formação da ideologia estaria vinculada a essa criação de um domínio capitalista do mercado criminal aproveitando-se de mão de obra barata da massa carcerária.

Raúl Zibechi e a evolução histórica da organização criminosa PCC 1533

Você se lembra de Ganga-Zumba? Eu nunca tinha ouvido falar, mas era ele quem controlava o Quilombo dos Palmares e, quando viu que a casa ia cair, fez um acordo com a Coroa Portuguesa para evitar o massacre. Não me acuse de spoiler, você já sabe que deu errado, o sobrinho dele, chamado Zumbi, recusou o acordo e o resultado foi uma carnificina.

Estava lendo o trabalho de Raúl Zibechi, Movimientos sociales en América Latina – El “mundo otro” en movimiento, no qual ele faz uma análise dos movimentos sociais da região, em especial os nascidos nos anos noventa – o Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) tem sua origem em 31 de agosto de 1993.

Zibechi não analisa o facção PCC 1533, mas cita os ataques feitos pela organização criminosa, definindo-os como mola propulsora da construção de uma nova forma de resistência a partir do posicionamento das Mães de Maio. Em outro trecho do trabalho, ele me fez lembrar do acordo de Ganga-Zumba e o destino de Palmares:

“Nesse contexto, os movimentos que emergiram na década de 1990 sofreram mutações: alguns desapareceram por causa de problemas internos, outros foram cooptados pelos governos ou decidiram se dobrar para as instituições. […] e aqueles que persistem sofreram mudanças notáveis. Digamos que alcançaram o ponto de maturidade, se estabilizaram e já não representam risco de desestabilização para os sistemas políticos que aprenderam a se relacionar com eles. No entanto, alguns conseguiram se reinventar, encontrando novas fontes para rejuvenescer sua militância, manterem-se vivos e reforçar seus perfis antissistêmicos.” (tradução minha).

Bem, o Primeiro Comando da Capital sobreviveu, não desapareceu por causa de seus problemas internos, e tampouco “foram cooptados pelos governos”. Mas será que, de fato, o grupo não se dobrou para as instituições? Há controvérsias.

Só a história poderá esclarecer o quanto e como o governo Alckmin e o Primeiro Comando da Capital cederam, durante o banho de sangue de 2005, para que a violência se encerrasse. A vitória da política de Ganga-Zumba derrubou o índice de mortalidade no estado de São Paulo nos anos seguintes, se contrapondo ao índice nacional. Com isso, o PCC sem oposição do governo paulista pôde se concentrar na expansão para os outros estados.

Em outro ponto do trabalho, Zibechi cita que o Governo Lula derrubou em 25% o índice de mortalidade entre os negros. Tá, não vou discutir. Deixo aqui o link para acesso ao gráfico de mortalidade, a linha verde é o índice nacional e cada um tire suas próprias conclusões.

Eu jamais imaginaria encontrar uma definição melhor da transformação histórica pelo qual passou a organização criminosa PCC depois desses 24 anos de existência. Bastou fazer uma pequena alteração na forma com que Zibechi descreve o que aconteceu com os demais movimentos sociais, e chegamos a:

O Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) … não se dobrou perante os governos, mas sofreu mudanças notáveis, alcançando o ponto de maturidade, se estabilizou, aprendeu a se relacionar com os sistemas políticos e hoje não representam risco de desestabilização (é o caso de São Paulo, mas não o do Rio Grande do Norte), consegue se reinventar, encontrar novas fontes para rejuvenescer sua militância, manter-se vivo e reforçar seus perfis antissistêmicos.

A Covid-19, o Primeiro Comando da Capital e a comunidade

O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou que procuraria as lideranças do tráfico para conseguir que os agentes de saúde chegassem em pontos em que nem a polícia chegava.

O presidente Bolsonaro, que vive em seu mundo fora da realidade, ficou possesso, e o assunto acabou tão rápido como começou e as comunidades foram abandonadas para que se virassem.

As pesquisadoras Ana Carvalho, Thais Duarte, Natália Martino, Ludmila Ribeiro e Valéria Oliveira querem saber como os diversos atores sociais supriram a presença do governo no combate à pandemia e seus efeitos nefastos econômicos.

Também será analisado se houve participação do Primeiro Comando da Capital e qual foi seu grau de envolvimento, já que a facção regula o fluxo de pessoas, o comportamento social e o acesso dos serviços públicos em milhares de comunidades marginalizadas.

Se algum dia imaginamos que o Estado atuaria na proteção das populações que vivem em espaços marginalizados em uma emergência, o governo Bolsonaro provou que, ao contrário do que afirmava Max Weber, o Estado não tem e nunca teve a hegemonia do uso legítimo da capacidade de produzir governança.

Como o poder não admite vácuo, nesses territórios sem lei, e agora sem o serviço de Saúde, às organizações criminosas como a facção PCC ganharam espaço, e as pesquisadoras querem saber como aproveitaram essa oportunidade.

Se por um lado sabemos que em algumas regiões integrantes da facção proibiam a circulação de pessoas em respeito ao distanciamento social e organizavam o transporte para os centro de saúde, em outras promoviam festas, eventos, obrigavam o funcionamento do comércio e proibiam o acesso dos funcionários da saúde às comunidades.

O desafio a que se propõe as pesquisadoras não é simples, principalmente porque os meios de comunicação evitam mencionar a facção por medo de represália, tanto por parte do Estado quanto pelo dos integrantes da organização criminosa.

 

Para conhecer os objetivos, metodologia e cronologia da pesquisa baixe o PDF:

Aluguel de presos como escravos sexuais no Paraná


O amanhã chegou. Bem, na realidade ele forçou a entrada, e eu percebi isso quando ouvi algo que me soou assim: “até 1995 ou 1996, o carcereiro chegava e vendia o preso por, digamos, cinco mil reais para ser escravo sexual.”

Não sei se você conhece o podcast paranaense Salvo Melhor Juízo, de Thiago Hansen, Carolina de Quadros e Gustavo Favini, mas, se não, conheça. Os jovens organizadores e apresentadores “proseiam” sobre questões de direito, cidadania, vida e cultura carcerárias – conversando informalmente transmitem conhecimento profundo.

Há tempos acompanho o trabalho do trio e sempre digo a mim mesmo que “amanhã vou escrever sobre eles aqui”, mas o amanhã não chegava, sempre acontecia algo; por vezes fazia sol, outros dias chovia, e quando não acontecia nem uma coisa nem outra o tempo ficava nublado, então deixava novamente para amanhã.

Essa semana não seria diferente, até que Renato Almeida Freitas Júnior começou a contar como era a situação dentro dos presídios paranaenses, antes e depois do domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533). Não deu mais para esperar o amanhã, tinha que ser agora, já, nesse momento, e aqui estou eu.

Renato se aprofundou sobre a realidade carcerária para concluir seu trabalho de mestrado para o Núcleo de Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa da UFPR, sob o título: Prisões e Quebradas: O campo em evidência ou A prisão diluída: uma análise das relações entre a prisão e os bairros periféricos de Curitiba.

O trecho que fez finalmente chegar para mim o dia de amanhã começa com Thiago Hansen propondo uma questão pra lá de complexa, algo mais ou menos assim:

“O tópico de hoje é o Mundo Carcerário, […] mas a questão é:

  • O que que acontece dentro das cadeias?
  • O que acontece dentro dos presídios?
  • Qual é o cotidiano das pessoas que estão dentro do sistema prisional?
  • Como é a vida dos indivíduos encarcerados?
  • Os presos acordam e fazem o quê?
  • Quais são os gestos, as linguagens, e as gírias do detentos?
  • Como eles constroem seu próprio mundo?
  • Em uma palavra: qual é a cultura carcerária no Brasil?”

E, entre outra coisas, o Renato Almeida respondeu mais ou menos assim (se quiser saber exatamente como foi vai ter que ouvir o programa):

“Começamos a reparar que o sucateamento, a invisibilidade e o desconhecimento do que ocorre dentro do cárcere, a menos que sejamos clientela dele, é exatamente por ser essa uma política de Estado. E não é acidentalmente mantido assim, é ativamente mantida assim, para dificultar a organização política e as lutas sociais nesse meio. Aí a gente tem verdadeiros códigos, verdadeiras manifestações normativas subterrâneas, que não tem qualquer relação com o que está na lei.

Tem duas respostas, já entrando na discussão sobre o crime organizado dentro da cadeia, se você entra dentro de um presídio onde o controle está com o PCC, pelo menos na capital Curitiba, o tratamento recebido pelo peso é muito diferente daquele que existia antes dele ser hegemônico, o que aconteceu por volta dos anos 90.

Houve um ganho qualitativo. Suponha que uma pessoa branca, estudante universitário, com boa aparência entrasse em um presídio até 1996, antes do PCC assumir no Paraná, o que acontecia era que o agente penitenciário pegava essa pessoa, colocava na triagem, como acontece até hoje, só que antes de levar a pessoa para dentro, ele avisava o preso que tinha mais dinheiro e oferecia, e dizia: ‘eu vendo ele por’, digamos, ‘por cinco mil reais’. Fechado o negócio, a pessoa era levada para a cela de quem pagasse mais, e todo mundo sabia quem era o dono do garoto.

Era uma relação muito louca! O preso que comprou usava do garoto como achasse melhor, geralmente sexualmente, até o novato ficar “bagunçado”, daí ele era vendido para outro preso, e daí como ele estava totalmente zoado era usado como ‘cofre’ (ou ‘garagem’ para esconder drogas ou celulares no ânus quando havia revista nas celas). Era a lei do mais forte.

Depois do PCC isso mudou radicalmente, e é o que faz que tivesse tanta adesão ao grupo. Aqui fora a gente vê pela mídia o processo de demonização, e outros mais inocentes fazem a romantização, o fato é que ninguém de fato sabe o que acontece ou como se comportam os presos. Por que que tem tanta adesão? Por que não foram suprimidos pela massa carcerária?

Os oito, dez, vinte que vieram para cá organizaram uma massa, e hoje tem pelo menos umas dez mil pessoas, dentro e fora do sistema, ligadas ao Primeiro Comando da Capital. O código ético implantado pelo crime organizado é a mudança radical, onde não é aceito nenhum tipo de opressão nos presídios, onde você resguarda o mais pobre e o mais fraco.” (adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});

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