Você se lembra de Ganga-Zumba? Eu nunca tinha ouvido falar, mas era ele quem controlava o Quilombo dos Palmares e, quando viu que a casa ia cair, fez um acordo com a Coroa Portuguesa para evitar o massacre. Não me acuse de spoiler, você já sabe que deu errado, o sobrinho dele, chamado Zumbi, recusou o acordo e o resultado foi uma carnificina.
Estava lendo o trabalho de Raúl Zibechi, Movimientos sociales en América Latina – El “mundo otro” en movimiento, no qual ele faz uma análise dos movimentos sociais da região, em especial os nascidos nos anos noventa – o Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) tem sua origem em 31 de agosto de 1993.
Zibechi não analisa o facção PCC 1533, mas cita os ataques feitos pela organização criminosa, definindo-os como mola propulsora da construção de uma nova forma de resistência a partir do posicionamento das Mães de Maio. Em outro trecho do trabalho, ele me fez lembrar do acordo de Ganga-Zumba e o destino de Palmares:
“Nesse contexto, os movimentos que emergiram na década de 1990 sofreram mutações: alguns desapareceram por causa de problemas internos, outros foram cooptados pelos governos ou decidiram se dobrar para as instituições. […] e aqueles que persistem sofreram mudanças notáveis. Digamos que alcançaram o ponto de maturidade, se estabilizaram e já não representam risco de desestabilização para os sistemas políticos que aprenderam a se relacionar com eles. No entanto, alguns conseguiram se reinventar, encontrando novas fontes para rejuvenescer sua militância, manterem-se vivos e reforçar seus perfis antissistêmicos.” (tradução minha).
Bem, o Primeiro Comando da Capital sobreviveu, não desapareceu por causa de seus problemas internos, e tampouco “foram cooptados pelos governos”. Mas será que, de fato, o grupo não se dobrou para as instituições? Há controvérsias.
Só a história poderá esclarecer o quanto e como o governo Alckmin e o Primeiro Comando da Capital cederam, durante o banho de sangue de 2005, para que a violência se encerrasse. A vitória da política de Ganga-Zumba derrubou o índice de mortalidade no estado de São Paulo nos anos seguintes, se contrapondo ao índice nacional. Com isso, o PCC sem oposição do governo paulista pôde se concentrar na expansão para os outros estados.
Em outro ponto do trabalho, Zibechi cita que o Governo Lula derrubou em 25% o índice de mortalidade entre os negros. Tá, não vou discutir. Deixo aqui o link para acesso ao gráfico de mortalidade, a linha verde é o índice nacional e cada um tire suas próprias conclusões.
Eu jamais imaginaria encontrar uma definição melhor da transformação histórica pelo qual passou a organização criminosa PCC depois desses 24 anos de existência. Bastou fazer uma pequena alteração na forma com que Zibechi descreve o que aconteceu com os demais movimentos sociais, e chegamos a:
O Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) … não se dobrou perante os governos, mas sofreu mudanças notáveis, alcançando o ponto de maturidade, se estabilizou, aprendeu a se relacionar com os sistemas políticos e hoje não representam risco de desestabilização (é o caso de São Paulo, mas não o do Rio Grande do Norte), consegue se reinventar, encontrar novas fontes para rejuvenescer sua militância, manter-se vivo e reforçar seus perfis antissistêmicos.