Quem falou para você quem é ou como são os PCCs?
Você não precisa me contar quem foi o cagueta que falou para você sobre a facção ou seus membros, quero, apenas, que diga quem forjou em sua mente aquilo que você acredita que seja o Primeiro Comando da Capital.
Você não nasceu sabendo, tampouco seus pais eram irmãos batizados do 15, companheiros ou aliados da organização criminosa. Então, de onde foi que você tirou a ideia do que é ou de como vivem, agem e pensam os garotos da facção?
Você se lembra? Acho que não.
Essa imagem foi criada ao longo do tempo, paulatinamente recebendo informações por meio de terceiros, seja de fontes primárias nas ruas, biqueiras ou nos presídios, ou secundárias, através da mídia ou de comentários de terceiros.
Leio quase todos os artigos publicados sobre o Primeiro Comando da Capital nos últimos anos, e são poucos os geradores de notícias fora do eixo: Folha de S.Paulo, Estadão, UOL, Globo, Campo Grande News e Diário do Nordeste.
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O PCC 1533 na TV é o mesmo que na mídia digital
A mídia televisiva é um show que não acrescenta informação, mas produz espetáculo. Talvez ainda seja a principal formadora da opinião sobre o que são os facciosos.
As pautas, que ilustram e repercutem o conteúdo já produzidos pelas fontes-eixo — até quando o helicóptero do Datena acompanha uma operação ao vivo do GAECO —, são opiniões e informações reproduzidas da base geral.
Você, o irmão batizado do 15, os companheiros e os aliados da organização criminosa, estiveram expostos e construíram sua imagem ou autoimagem sofrendo influência dessas mesmas fontes, ao mesmo tempo que as influenciavam.
“O que é o grupo criminoso e como agem e são seus membros” são ideias produzidas, e não fatos consumados. A imagem está sendo constantemente reescrita, influenciando e sendo influenciada pela mídia, que a reconstrói em parceria com toda a sociedade.
“… a imagem faz mais do que nos estender a mão. Ela segura a nossa e depois nos puxa – aspira-nos, devora-nos – inteiros no movimento ‘mágico’ e ‘misterioso’ da atração empática e da incorporação”. — Georges Didi-Huberman
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A ideia que poderíamos saber definitivamente algo sobre qualquer organização humana foi pensamento predominante em um mundo que já não existe, ruiu com as muralhas da Bastilha em 1789, se bem que algumas pessoas demoraram um pouco a perceber.
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Herói — iguais, porém diferentes?
A representação do que seriam as figuras do vilão e do herói muda de pessoa para pessoa, e o que é considerado “herói” para um grupo de indivíduos e classe social não é obrigatoriamente o mesmo para outros grupos e classes.
No entanto, é preciso entender que essas imagens, tanto do vilão quanto do herói, são construídas por meio da mídia (e essa construção afeta, também, a autoimagem das pessoas).
O Efeito Dobradiça de Tarcília Flores
Um policial pode se ver e ser visto como herói, aquele que “protege a sociedade”, assim como um membro da facção criminosa pode se ver e ser visto como “correndo pelo lado certo da vida errada”, levando paz e segurança à sua quebrada.
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Vilão — iguais, porém diferentes?
Um policial pode ser visto e descrito como vilão, como alguém que abusa da autoridade, oprime as comunidades pobres e é corrupto, assim como um membro da facção criminosa pode ser visto e descrito como aquele que mata, rouba e toma a comunidade em que vive.
Tanto o policial como o faccioso estarão no seu dia a dia alimentando o mito, a construção da imagem, mas, ao mesmo tempo, estarão sendo influenciados pela mídia, que estará sofrendo pressão inconsciente de seus consumidores.
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Você sabe o que é o PCC ou vê um estereótipo?
Outro dia, a colunista do Estadão Eliane Cantanhêde demonstrou como a elite intelectual não conhece o Primeiro Comando da Capital, mas tem uma forte imagem estereotipada da facção — é o exemplo do medo dissecado por Reginaldo em seu trabalho.
Reginaldo Osnildo Barbosa, em sua tese “Análise do fortalecimento da imagem do vilão mediante o medo expresso nas tecnologias do imaginário” (UNISUL), busca compreender a construção pela mídia das figuras distorcidas do herói e do vilão no imaginário social.
Eduardo Portanova Barros explica porque eu, você, a colunista do Estadão e os faccionários, mesmo recebendo as mesmas informações, teremos opiniões e sentimentos tão díspares sobre esse mesmo assunto:
O Primeiro Comando da Capital é imbatível, invencível e intocável, independentemente das afirmações de Lincoln e seus colegas, das operações de nomes exóticos do Ministério Público, da Polícia Federal, da Força Nacional ou até mesmo da sua opinião sobre isso.
A facção estará tão viva e fortalecida quanto o imaginário pintado nas mentes e nas almas daqueles que vivem nas prisões e nas periferias, seja com uma liderança una e forte ou descentralizada.
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Se combatermos o mal, poderemos vencê-lo
Um estereótipo, uma imagem construída, não pode ser vencido pela força das armas — isso é fato, o resto é especulação. Como disse o filósofo alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo: “É para vocês. Vocês sabem quem são. Não preciso dizer mais nada. Vocês vão ter de me engolir”
Já Juan Carlos Garzón Vergara
afirma que é possível vencer facções, como o Primeiro Comando da Capital, basta eliminar sua causa: o Estado sem capacidade de executar e garantir o respeito por seus próprios regulamentos.
Você não precisa me contar quem foi o cagueta que falou para você sobre a facção ou seus membros, mas quero que reflita sobre como você vê o PCC 1533 hoje e, principalmente, sobre quais partes dessa imagem da facção fazem parte da realidade e quais são construções fantasiosas.
Existirão irmãos e companheiros da organização criminosa, independentemente das ações de Lincoln e seus colegas — a menos que mudemos a forma como nós, os membros das diversas classes de nossa sociedade, se relacionam entre si e em relação ao Estado.
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Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)