Nem esquenta, nem ele e nem nenhum outro carcereiro tem importância para mim.
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O carcereiro, a facção PCC 1533, o Estado e a sociedade
Digo a minha garota que ela merece o que está se passando com ela, afinal, foi uma de suas mãos que marcou um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, o mesmo ocorrido talvez se dê no caso de Diorgeres, ou talvez não.
Você se lembra do carcereiro Diorgeres, não?
Nem esquenta, nem ele e nenhum outro carcereiro tem alguma importância para mim, para você ou para aquelas duas acadêmicas, mas, mesmo assim, vou lhe contar algo sobre ele.
(Não devia citar as duas acadêmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS], pois o presidente Jair Bolsonaro alertou que não se deve dar palanque a acadêmicos doutrinados em Gramsci, mas com a permissão do Capitão prefiro dar nome aos bois.)
O que você fazia em fevereiro de 2001?
Caso você não se lembre ou caso não vincule a pessoa ao fato, Diorgeres de Assis Victorio era o carcereiro que foi levado como refém ao telhado do Carandiru com uma faca ao pescoço na apresentação pública do Primeiro Comando da Capital:

Quanto pior for a prisão, melhor será
Assim como a minha garota escolheu marcar um “X” no quadrinho de “opção de função” quando ela se inscreveu no concurso público, Diorgeres escolheu viver nos traiçoeiros corredores do sistema prisional e ser um refém do PCC. Foi escolha dele — ou talvez não.
Desde que eu o conheço, ele não concorda com o zurro popular que exige penas mais longas e condições mais duras e cruéis de encarceramento; assim como ele, o fazem as pesquisadoras da UFRGS: Oriana Hadler e Neuza Maria de Fátima Guareschi.
Contrariando nosso presidente, cito-as, pois foram elas que me explicaram a lógica matemática que leva o Estado a triturar Diorgeres e outros agentes de segurança carcerária (ASPens), sob os aplausos ou indiferença da sociedade, de mim e de você:
As pesquisadoras Oirana e Neusa Maria, ao contrário de mim, de você e do capitão Jair, não acreditam que aqueles trabalhadores e apenados padecem por conta de suas escolhas, mas pelo resultado de uma desumana equação política.

Dos holofotes da mídia ao breu cotidiano
Gilson César Augusto da Silva no artigo “Reality Show das Prisões Brasileiras” faz um breve histórico da evolução do Sistema Carcerário da antiguidade até chegar aos dias de hoje, e compara com a realidade transmitida pelo Big Brother Brasil:
Como fica então aqueles que arriscam sua saúde trabalhando nas galerias do Sistema Prisional, confinados em um ambiente insalubre e claustrofóbico em companhia de pessoas que tiveram problemas de adaptação às normas sociais?
A Segurança Pública e seus agentes são utilizados como peças publicitárias pela mídia e pelos políticos, mas quando os holofotes se apagam são abandonados para sofrerem o desgaste cotidiano, seja nos corredores dos cárceres ou os meandros burocráticos:

Sangue novo como combustível para o espetáculo
Nós não nos importamos com as condições de saúde daqueles que passam suas vidas dentro das muralhas, sejam eles prisioneiros condenados ou aqueles que por lá trabalham – a imprensa e os políticos sabem disso e entregam à nós o que queremos: um espetáculo.
O cruel abandono dos profissionais
Por vezes tratados como refugo, com falsa benevolência, são postos de lado, havendo uma política de isolar estes das novas “equipes especializadas”, formadas por jovens recém-engajados – prontos para começarem o seu próprio desgaste.
O ambiente insalubre do Sistema Prisional afetará diretamente a saúde mental desses garotos, assim como o fez com aqueles profissionais que os antecederam, no entanto a Administração Penitenciária vende a ideia de que agora será diferente…
… e sempre haverá garotos para assumirem as posições daqueles que já se desgastaram perambulando pelo claustros e que agora não mais aceitam alimentar o espetáculo midiático e político com seu sangue e o de sua família .
Você não acredita? Diorgeres explica com detalhes no artigo “Síndrome do pânico em agentes de segurança penitenciária”, publicado no site Canal Ciências Criminais:

A matemática política da opressão carcerária
Para a administração pública prevalece a lógica matemática do ganho político e midiático:
O espetáculo (Esp) apresentado pela mídia para o público é igual ao grau de opressão (Op) multiplicado pela economia feita no investimento carcerário (Ec).
A matemática é simples: Op x Ec = Esp
Quanto maiores forem os fatores maior será a possibilidade do caos extrapolar as muralhas dos presídios e, consequentemente, gerar o maior espetáculo midiático possível, elevando a sensação de insegurança do cidadão e abrindo espaço para um grupo político específico.
Aplaudem-se as novas levas de prisioneiros e de agentes de segurança, não porque o mundo ficará mais seguro, mas por nos trazer uma maior sensação de segurança, não importando quem é Diorgeres ou quem são os agentes penitenciários que vivem nas galerias das carceragens.

A política de inSegurança Pública e a política
Fora do meio acadêmico, poucos admitem que toda sociedade é afetada pelo resultado de uma iníqua equação matemática produzida por grupos políticos especializados em vender sua imagem de paladinos da lei e da ordem discursando sobre pilhas de cadáveres:
Se é compreensível que um cidadão caia no conto do político salvador da pátria, é difícil explicar a posição de profissionais que sofrem na pele as consequências dessa política repressiva e ainda assim continuam as apoiando.
Alguns como Diorgeres questionam há muito políticas que tornam esses ambientes pútridos que impregnam os corpos, as mentes e as almas de todos aqueles que por lá vivem e trabalham. Mas esses são exceções, mas…
… ele, assim como outros ASPens, ao assinalarem com um “X” o quadrinho de “opção de função” quando eles se inscreveram no concurso público não pretendiam carregar os estigmas de dentro do cárcere para suas vidas, suas famílias e seus descendentes.
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
transcrito por Willian Helal Filho para O Globo
Um comentário em “A matemática política da opressão carcerária”