Um agiota na Família PCC 1533

Embora a facção Primeiro Comando da Capital proíba agiotagem, há um caso conhecido de um agiota que financiava ações dentro da organização criminosa paulista.

Foto montagem com dois casais se confraternizamo sobre a frase "um agiota na família 1533".

Financiando as ações da facção PCC 1533

Se há agiotas dentro do Primeiro Comando da Capital, por que nunca conheci nenhum?

Essa questão me surgiu enquanto Joaquim Maria detalhava uma história que eu apenas conhecia superficialmente:

A história de Capitão, um homem responsável por parte do paiol do 19, e que financiava operações de quadrilhas compostas por integrantes da facção PCC 1533, tanto no Brasil quanto no exterior.

Meu encontro com Joaquim Maria no Boa Vista

Meu Encontro com Joaquim Maria em Boa Vista

Estava acompanhando um conhecido que tinha ido entregar um pacote ao “patrão das biqueiras” de Boa Vista. Enquanto aguardávamos no bar situado na entrada do bairro, ao lado da loja de rações, Joaquim Maria se aproximou e sentou-se na mureta para conversar conosco.

Foi dessa maneira que obtive os pormenores sobre a história do Capitão e das pessoas que lhe eram próximas.

Não posso negar o óbvio: eles pertenciam ao mundo do crime, e foi por meio desse lado obscuro da vida que realizaram os sonhos de muitos que vivem nas periferias.

E eu que sempre quis um lugar gramado e limpo, assim, verde como o mar, com cercas brancas, uma seringueira com balança… – Racionais MC’s

Dois casais brindando em uma mesa tendo ao fundo um casal de jovens na periferia e acima a frase "Abandonando Esteriótipos, eles não frequentam os bailes funks".
Facção PCC 1533 Abandonando Estereótipos

Abandone Seus Preconceitos para Ler Esta História

Comumente, altero os nomes dos envolvidos, seja para preservar a discrição ou para evitar possíveis processos judiciais. Contudo, nesta narrativa, muitos dos personagens são de conhecimento público. Portanto, optei por utilizar os nomes reais: José de Meneses (Mene), Eulália (Lia), Nogueira (Capitão) e Cristiana.

Eles se tornaram conhecidos não por serem membros da facção Primeiro Comando da Capital, mas pelos laços de amor e amizade que os uniam. Por essa razão, julguei pertinente compartilhar o que aconteceu com eles.

Nem todos os membros do PCC vivem e agem da mesma forma, ou frequentam os mesmos ambientes. Estes quatro são um exemplo disso; é falacioso o estereótipo construído em torno dos integrantes da Família 1533, como você poderá constatar se conhecer Mene, Lia, Capitão e Cristiana.

É indiscutível que eles, assim como todos nós, flexibilizavam as regras sociais, mas não eram pessoas más.

Vivemos, de certa forma, todos no mundo do crime, aceitando com naturalidade transgressões às normas sociais que nos são impostas e que nos desagradam. O que é trivial para um pode ser deplorável para outro.

A morte de um trabalhador, atingido por oitenta disparos efetuados por soldados do exército enquanto se deslocava com sua família para um chá de bebê, pode ser interpretada como um ato bárbaro, como consequência de discursos políticos populistas, ou como um incidente no qual “o exército não matou ninguém”.

Tudo é relativo; o que é injusto pode tornar-se justo, ou pelo menos aceitável, desde que haja uma justificativa que permita a autorredenção de nossos pecados:

  • Usar o celular enquanto dirige (“só por um minutinho”);
  • Dirigir sob influência de álcool (“estou bem e vou dirigir com cuidado”);
  • Comercializar drogas (“se eu não vender, alguém venderá; é a lei do mercado”);
  • Omitir renda na declaração de impostos (“o brasileiro já paga impostos demais”);
  • Assaltar bancos ou desviar dinheiro público (“roubar dos ricos ou do governo”), etc.

Os quatro, assim como nós, nos enquadramos em uma ou outra infração e condenamos implacavelmente outros grupos. No entanto, o foco aqui é a vida de Capitão Nogueira, e não a minha, a sua, ou a do presidente Bolsonaro. Retornemos ao tema principal…

Um casal trafica em uma área verde sob uma tarja com os dizeres "amar e trabalhar, sempre juntos no amor e nos corres".
Amar e trabalhar na facção pcc 1533

Crescendo no seio da Família 1533

Apesar dos delitos que cometeram, eles se consideravam pessoas de bem, que simplesmente rejeitavam alguns valores impostos por uma sociedade que viam como injusta e desigual. Acreditavam que era seu direito buscar reparações por isso.

Digo isso por conhecer diversas pessoas similares ao Capitão e seus amigos. Por sua vez, o filósofo, sociólogo e jurista italiano Alessandro Baratta, que não teve a oportunidade de conhecer tais indivíduos, expressa um ponto de vista similar, ainda que em termos mais acadêmicos:

“(…) a delinquência como forma de comportamento baseado sobre normas e valores diversos dos que caracterizam a ordem constituída e, especialmente, a classe média, em oposição a tais valores, do mesmo modo que o comportamento conformista se baseia sobre a adesão a estes valores e normas.”

Um vínculo especial se formou entre Lia e Cristiana. Enquanto os pertences eram descarregados do caminhão, Cristiana se ofereceu para ajudar. Naquele instante, elas se tornaram mais do que amigas; tornaram-se irmãs. Com Mene ocorreu algo similar: ele chegou, se interessou por Lia e nunca mais a trocou por outra pessoa.

Mene e Lia experimentaram a adolescência e o amor ao mesmo tempo que conheceram as drogas e o lado obscuro da vida. Cristiana, sendo filha do dono de uma “biqueira”, era quem levava as drogas para os “vaporzinhos” que atuavam nas ruas próximas à sua casa.

Cristiana era uma jovem excepcional, extrovertida, excelente conversadora e muito inteligente. Mene e Lia reconheciam a sorte que tinham em tê-la como amiga. Foi ela quem negociou com seu pai para deixar com eles algumas porções de drogas para vender enquanto namoravam no parque.

Mene e Lia sempre chegavam juntos e partiam juntos da escola, do parque e das festas. Apenas se separavam temporariamente quando Lia ia até a casa de Cristiana para buscar mais mercadorias para vender ou quando Mene era convocado os corres mil graus.

Fotomontagem com um garoto em uma moto em frente a um mapa e sob a frase "Mene cai pela primeira vez, deu fuga de Mairinque à Araçariguama".
Mene da facção PCC cai pela primeira vez

Conhecendo e fazendo negócios com o Capitão

Antes mesmo de completar dezesseis anos, Mene já possuía uma moto. Embora o veículo não estivesse registrado em seu nome, era de fato dele, adquirido com o dinheiro obtido através da venda de drogas no parque, bem como atuando como piloto em assaltos e na distribuição de entorpecentes.

Poucos meses após quitar a moto, Mene se envolveu em uma perseguição com a ROCAM (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas), que se estendeu de São Roque até Araçariguama. Acabou capturado quando o combustível se esgotou. Embora não tenha sido encarcerado, foi levado ao Conselho Tutelar e sua família precisou buscá-lo. Perdeu sua moto como consequência do incidente.

Ao retornar para casa, seus amigos o apresentaram ao Capitão. Mene já ouvira falar sobre essa figura enigmática, mas nunca tivera a oportunidade de encontrá-lo, pois o Capitão raramente frequentava a comunidade local. O ex-oficial da polícia militar, expulso da corporação, também tinha ouvido falar que Mene era firmeza nas responsas e já tinha desenrolado situações delicadas e, por isso, decidiu chamá-lo para uma conversa.

O Capitão fez uma proposta, que foi prontamente aceita por Mene. Ele saiu do encontro com uma moto significativamente melhor do que a que possuía anteriormente. A partir desse momento, Mene começou a realizar tarefas para o Capitão sempre que era convocado. Apesar da grande diferença de idade entre eles, estabeleceu-se uma amizade.

Fotomontagem de um casal sob a frase "deixando a quebrada, da comunidade para o condomínio".
Deixando a quebrada

Todo mundo invejava Mene e Lia

Após ser detido pela polícia pela primeira e única vez em sua vida, Mene resolveu que não queria mais que Lia continuasse naquela trajetória. No entanto, ambos mantiveram-se envolvidos no tráfico até o momento em que ele foi convocado para o serviço militar obrigatório.

No dia em que Mene ingressou no quartel, Lia abandonou a venda de drogas e não mais retornou a essa atividade. Quando Mene foi dispensado do serviço militar, foi ao encontro de Lia na casa dos pais dela, casaram-se e mudaram-se para um bairro de classe média em Indaiatuba.

Se restava alguma dúvida sobre o amor mútuo entre os dois, a atitude de Mene dissipou-as completamente.

Seria impossível amar mais do que aqueles dois se amavam. As garotas tinham todas as razões para invejar a felicidade de Lia.

Depois de se mudarem, o casal nunca mais voltou ao Boa Vista. Apenas “uma pessoa ou outra, especialmente escolhida, conseguia às vezes ter acesso ao santuário no qual os dois viviam. E cada vez que alguém saía de lá,” carregava consigo a impressão do profundo amor que unia o casal.

Mene decide que é hora de mudar o seu futuro e o de sua mulher

Ele não queria mais envolver sua esposa com o mundo do crime. Portanto, ambos deixaram para trás o passado e cortaram as relações que mantinham com o Boa Vista. Desde então, apenas Mene continuou engajado em atividades ilícitas.

Embora sempre tenha sido altamente considerado dentro da facção, Mene percebeu que seu tempo no serviço militar lhe proporcionou habilidades valiosas. Sua destreza e conhecimento na manutenção e operação de armas de fogo de longo alcance lhe permitiram aumentar ainda mais seus rendimentos.

Desde a mudança para Indaiatuba, ele se limitou a participar de assaltos em diferentes regiões do país, a transportar armamentos das fronteiras até São Paulo e a fornecer treinamento em tiro e manutenção de armas longas para os membros da organização.

Fotomontagem de um casal em uma  cidade européia sob a frase "A mulher do Capitão, um amor sincero seria possível?"
A mulher do Capitão

É possível amar um homem com o dobro de sua idade?

Uma década se passou nesta nova vida, e o casal Mene e Lia permanecia apaixonado. José Maria me descreveu a situação nos seguintes termos:

Nenhum obstáculo turvava a felicidade do casal, exceto quando ele precisava sair a trabalho e ficava alguns dias sem comunicação. Contudo, tais momentos eram como chuvas de primavera, que logo davam lugar ao sol, permitindo que florescessem os sorrisos e o amor duradouro.

O casal teve uma única filha, Ana Sophia. No dia do aniversário de dez anos da menina, um automóvel de alto padrão estacionou em frente à sua residência. Dele desceram duas figuras que haviam sido muito importantes no passado de Mene e Lia: o Capitão e Cristiana.

Tudo mudou após a mudança de Mene e Lia

Pouco tempo depois de os jovens Mene e Lia deixarem o Boa Vista, os pais de Cristiana faleceram em um acidente de carro. Sozinha, ela acabou indo morar com o Capitão, que a acolheu como se fosse sua própria filha.

Entretanto, a convivência os aproximou de outra forma, e acabaram se casando alguns anos mais tarde. Contudo, não nos iludamos: a jovem Cristiana nunca esteve verdadeiramente apaixonada pelo velho ex-militar.

José Maria, com seu jeito professoral típico de conversas de balcão de bar, descreveu assim essa relação:

Cristiana não nutria pelo Capitão um amor igual ou sequer inferior ao que ele sentia por ela; dedicava-lhe uma estima respeitosa. E o hábito, reconhecido por todos desde Aristóteles, aumentava a estima de Cristiana e conferia à vida do Capitão uma paz, uma tranquilidade e um contentamento suave, tão dignos de inveja quanto o amor entre Mene e Lia.

Fotomontagem com duas fotos com dois casais em frente a notícias de jornais sob a frase "Saqueando cidades: ações que podem render milhões".
Facção PCC 1533 saqueando cidades

As operações do Capitão e sua nova vida

Cristiana, uma jovem de trinta anos, possuía um sorriso genuíno, cabelos belos, pele sedosa e olhos brilhantes. “Gostosa” seria um termo insuficiente para descrevê-la. Mesmo para alguém que já tinha vivido as belezas que a vida podia oferecer, como era o caso de Mene, era impossível não invejar a sorte do Capitão, um homem na casa dos sessenta anos, mas ainda muito bem apessoado.

Imagine a surpresa e a felicidade de Mene e Lia ao descobrir que o Capitão e Cristiana planejavam mudar-se para perto. Estavam em busca de um lugar tranquilo para viver.

Mene e Lia ofereceram a eles a oportunidade de ficar em sua casa, pois havia quartos disponíveis. No entanto, o Capitão, valorizando sua privacidade, já havia escolhido uma residência em um condomínio luxuoso nas proximidades.

Capitão resolve que é chegada a hora de mudar o futuro seu e de sua mulher

Desde a morte de seus pais, Cristiana havia deixado de participar das atividades de rua para gerenciar os negócios do Capitão e os empreendimentos que lavavam dinheiro para a organização criminosa: lava-jatos, postos de gasolina, uma rede de pizzarias e uma franquia de buffet infantil.

O Capitão continuava a manter o arsenal da facção, financiar as quadrilhas e, apenas para sentir a adrenalina pulsar em suas veias, participava na linha de frente de grandes operações, como ataques a sedes de transportadoras de valores e pilhagens de pequenas cidades.

No entanto, durante uma viagem pela Europa, o Capitão e Cristiana decidiram que mudariam de vida, à semelhança do que Mene e Lia haviam feito no passado. Escolheram se estabelecer nos arredores de Indaiatuba, onde já viviam seus queridos amigos de longa data.

E assim o fizeram. Capitão desarticulou seu esquema criminoso, mantendo apenas o financiamento de atividades para quadrilhas associadas ao Primeiro Comando da Capital.

E assim o fizeram. Capitão desmontou seu esquema criminoso, ficando apenas com o financiamento de ações de quadrilhas ligadas ao Primeiro Comando da Capital.

Fotomontagem de ilustração de uma mão fazendo o símbolo do 3 a frente de uma outra mão colocando moedas na mesa sob a frase "O certo pelo certo, o PCC 1533 e a cobrança de juros".
O certo pelo certo os juros não serão cobrados

O Certo pelo Certo: Os Juros Não Serão Cobrados

Assim como o Capitão, Mene também abandonou todas as suas outras atividades criminosas para trabalhar exclusivamente no transporte de valores e na cobrança de dívidas para seu velho amigo.

Inicialmente, essa operação transcorria tranquilamente, e o lucro para ambos superava o que anteriormente obtinham com tráfico e assaltos. No entanto, a cobrança de juros em empréstimos foi proibida dentro da organização Primeiro Comando da Capital, afetando os rendimentos da dupla.

Segundo as novas regras do crime organizado, o financiador de operações poderia acordar em receber uma parte do butim obtido pela quadrilha nas ações, mas não tinha o direito de cobrar pelo uso do dinheiro em si, como se fosse um empréstimo a juros.

Ainda assim, o financiamento de assaltos e do comércio internacional de grandes quantidades de drogas assegurava lucros substanciais. No entanto, caso as operações fracassassem, a obrigação de pagamento permanecia com o devedor, sem a possibilidade de extorsão através da cobrança de juros.

Essa era uma das regras do “certo pelo certo, e o errado será cobrado”, incorporada para proteger as famílias dos encarcerados de serem extorquidas por dívidas contraídas pelos detentos. A regra também impedia que os recém-liberados carregassem consigo uma dívida impagável.

No entanto, era nesse espectro cinzento, situado entre o preto e o branco, que Capitão e Mene navegavam. Eles buscavam “correr pelo lado certo, do lado errado da vida”, enquanto ainda reivindicavam o que consideravam ser uma compensação justa pelo risco e investimento feitos.

Fotomontagem de um casal tendo ao fundo uma mulher olhando sob a frase "Amor e talaricagem, quando o amor se transforma em pecado".
Amor e talaricagem na facção PCC 1533

A Família 1533, o Amor e a Talaricagem

A vida prosseguia serena nos negócios, e os casais estavam cada vez mais unidos e felizes. As saídas de Mene agora eram menos frequentes e de curta duração, permitindo-lhe retornar rapidamente para Lia. Já Capitão e Cristiana raramente se ausentavam de sua residência.

Em uma ocasião, Cristiana decidiu fazer uma visita a Lia, que, como se verificou, não estava em casa, deixando apenas Mene. Relatarei o diálogo ocorrido entre os dois naquele dia, exatamente como foi descrito por Joaquim Maria:

Após trocarem várias palavras sobre assuntos completamente irrelevantes para nossa narrativa, Mene fixou seu olhar na interlocutora e ousou perguntar:

— Não sente saudade do passado, Cris?

Cristiana estremeceu, baixou os olhos e permaneceu em silêncio.

Mene insistiu, e a resposta de Cristiana foi:

— Não sei; me deixe!

Ela tentou libertar seu braço, mas Mene a segurou.

— Onde pretende ir? Tem medo de mim?

Nesse momento, Mene recebe quase que simultaneamente duas mensagens no WhatsApp. Dá uma olhada rápida, identifica os remetentes e decide não responder imediatamente, para evitar que Cristiana se solte.

Ela parecia claramente desconfortável, como se também nutrisse algum sentimento por ele, sentimentos esses que mantinha reprimidos devido ao seu casamento. Mene, percebendo isso, insistiu:

— Se não me ama, diga. Aceitarei essa confissão como punição por não ter me casado com você, mas sim com alguém que realmente nunca amei. Você sabe que fiquei com Lia apenas para estar mais perto de você e acabei me casando com ela para evitar que ela viesse a odiá-la por “roubar-me” dela. E foi você quem quis que nos separássemos.

Foi dessa forma que Joaquim Maria revelou algo a mim que permanecia desconhecido: o envolvimento anterior entre Cristiana e Mene, ocorrido enquanto este último já estava em um relacionamento com Lia.

Cristiana, naquela época, envolveu-se com Mene puramente por prazer e, percebendo a profundidade e sinceridade do amor de Lia, decidiu afastar-se e deixar o caminho livre para a amiga. Nunca revelou a verdadeira razão para Lia. Agora, depois de tantos anos, Mene decide cobrar a reavaliação de uma paixão juvenil.

A chegada oportuna de Lia interrompeu a conversa, e Mene prontamente mudou de assunto.

Um romance do passado escondido de todos

Foi assim que Joaquim Maria contou para mim algo que ninguém sabia sobre o caso que existiu entre Cristiana e Mene quando este já namorava com Lia.

Cristiana ficou naquela época com ele apenas por prazer, e quando viu que o amor de Lia era verdadeiro e sincero deixou o jovem para a amiga, sem nunca lhe dizer nada. Agora, depois de tantos anos, Mene resolve exigir o resgate de uma paixão adolescente.

Para sua sorte, Lia chegou, e Mene mudou de assunto.

Fotomontagem de duas garotas olhando uma outra mexendo no celular sob a frase "Sininho e Camila Veneno, recebeu não leu o pau comeu",
As mensagens de Sininho e Camila Veneno

O destino resolve que é chegada a hora de mudar o futuro daqueles casais

Cristiana se despediu do casal, mas, na saída, Mene ficou a sós com ela e novamente declarou seu amor, afirmando que não sossegaria enquanto não ficassem juntos, nem que fosse ao menos uma noite – ela lhe devia isso.

Quando Mene entrou novamente em casa, comentou com a esposa que Cristiana estava agitada e aconselhou que ela fosse visitar a amiga assim que possível para ver se o que a afligia.

Nunca saberei se o rapaz instigou a mulher apenas por um prazer doentio, para ver se Lia havia desconfiado de alguma coisa ou para testar o quanto a antiga amante conseguiria manter o antigo segredo.

Um descuido e uma descoberta

O que sei é que naquele dia, um pouco mais tarde, Mene teve que ir até o aeroporto de Viracopos retirar alguns equipamentos que chegavam e que deveriam ser levados até um galpão em Pirituba, na Zona Oeste de São Paulo, ainda naquele dia.

Enquanto isso, Lia foi à escola buscar Ana Sophia e deixou a menina para estudar na casa de uma amiga. Ao voltar para casa, sozinha, resolveu visitar Cristiana, conforme havia lhe sugerido o marido antes de sair.

Ela ligou para Mene para avisá-lo onde ela estaria, mas ouviu o telefone tocando no quarto – na pressa de sair, ele devia ter esquecido o aparelho em casa. Ela notou que havia duas mensagens não lidas, e resolveu ler as mensagens.

O casal não tinha segredos, confiavam totalmente um no outro. Foi ela mesma quem havia escolhido a senha do celular para ele. Eram as duas mensagens que Mene havia recebido e não lido enquanto estava tentando convencer Cristiana a voltar o relacionamento com ele.

Mensagem enviada por “Sininho”:

“Mene, se acha que sou trouxa, parabéns, a única coisa que você vai conseguir com isso é fika sozinho. Vc fika com a Camila, ela me disse. ME ESQUECE CARA DE PAU.”

Mensagem enviada por “Camila Veneno”:

“Seu merda, não aparece aqui, Sininho é minha amiga, vc é um bosta e td que vc disse prá ela é mentira, aprende ser homem. Vc me engana com ela, e vc nunca nunca nunca nunca me pagou, não sou sua puta. Rodada é sua mãe! Nunca vem mais.”

Lia sempre foi forte, mas sentou e chorou. Eram essas as missões que deixava o marido por dias fora de casa?

Fotomontagem tendo ao centro uma estrada, à esquerda uma doca de descarga, à direita a cidade de São Paulo.
Armas de Viracopos à ZO SP

Uma mensagem misteriosa interrompe a missão de Mene

Mene não havia esquecido o celular, ele o deixara de propósito, como sempre fazia quando saía em um missão – se o sinal do aparelho fosse rastreado, seu localizador apontaria que ele não saiu de sua residência.

O que de fato ele esqueceu, porque se distraiu com Cristiana, foi de apagar as duas mensagens. A mulher não costumava mexer no aparelho, então ele depois resolveria com calma a parada com as duas piranhas de Campinas.

Ele retirou o pacote no aeroporto de Viracopos e já seguia pela Rodovia dos Bandeirantes quando recebeu uma mensagem no aparelho que levava nas operações e que só o Capitão tinha o número:

“Vem para já minha casa, agora. Preciso falar com você sem demora.”

O Capitão sabia que ele estava no meio de um serviço que ele mesmo havia passado. O que podia ser tão urgente assim para interromper o trabalho?

Primeiro imaginou que o esquema foi descoberto pela polícia, que iria interceptá-lo na estrada ou no momento da entrega, mas também poderia ser que o parceiro percebeu alguma trairagem e os compradores poderiam tentar zerá-lo e ficar com o pacote sem pagar.

Se arrependeu de ter aceitado aquele serviço. A paga era boa, mais que o triplo que o normal, mas eles haviam prometido às mulheres que não mais iriam fazer esses corres, só que não resistiram à tentação de uma grana fácil.

Fotomontagem de uma interminável estrada sob a frase "missão cancelada, vem já para minha casa, agora."
Missão cancelada

Quando minutos se transformam em horas

O azar é que já havia passado o último retorno, ficando longe para voltar por Campinas, e até para cortar pela Vinhedo-Viracopos teria que ir até Itupeva, perto de Jundiaí, para fazer o retorno, uma hora e meia de viagem – nesse tempo daria para entregar o pacote…

A cada quilômetro rodado suas emoções se alteravam, ora se tranquilizava, ora ficava ansioso – e havia ainda longos sessenta quilómetros pela frente para se martirizar, e nem o trânsito estava colaborando.

Eles estavam tão sossegados, para que foram se meter nessa? – Mene não se conformava.

“Preciso falar com você sem demora.” – dizia a mensagem.

Isso não estava certo, se o plano tivesse sido descoberto eles tinham uma mensagem combinada para Mene abortar a missão e mocosar o pacote.

Será que a polícia estaria esperando na casa do velho?

Ou talvez não, pode ser que o Capitão ficou muito puto com o cancelamento da missão e queria a companhia do rapaz para se desestressar. Isso tinha acontecido no passado, quando ele era mais novo, mas agora pode ser que o velho militar tivesse uma recaída.

Aquela estrada parecia nunca acabar, nunca percebeu como era tão longa.

Pensou em seguir antes para sua casa, pegar a mulher e fugir, desaparecer por uns dias e só voltar depois de ter saído fora do flagrante; ou seria melhor seguir a ordem do companheiro?

Deveria ir a casa do Capitão armado ou desarmado, com ou sem o pacote?

Fotomontagem de um homem olhando para carros parados na garagem de uma residência sob a frase "na casa do capitão, espere sempre pelo inesperado",
Na casa do capitão expluso da PM

Mene resolve se deixar levar pelo destino

Entrou no condomínio e seguiu para a residência do Capitão. Não notou nenhuma reação diferente nos seguranças da portaria, que ligaram para a casa para que o proprietário autorizasse sua entrada.

Mas se a polícia estivesse esperando por ele, os seguranças, que eram todos policiais e guardas civis que faziam bico para o condomínio, não iriam estragar o flagrante, pelo contrário, deveriam estar torcendo contra ele.

“Foda-se”, pensou. Ele iria descobrir em poucos minutos.

Mene podia esperar tudo, menos aquilo

Ele gelou ao chegar próximo à casa e ver que o carro de Lia estava ali. Cristiana devia ter contado ao marido da talaricagem de Mene, e o velho que chamara Lia para resolverem juntos a parada.

Parou próximo, planejando uma forma de se livrar da acusação de Cristiana, pois talarico morre pelo Dicionário da Facção PCC 1533.

Talarico. O destino de talarico é a morte:

1. Ato de Talarico: Quando o envolvido tenta induzir a companheira de outro e não é correspondido, usa de meios como, mensagens, ligações, ou gestos. Punição: exclusão sem retorno, fica a cobrança a critério do prejudicado e é analisado pela Sintonia.

Não adiantaria fugir, ele seria caçado pela facção e seria justiçado.

Fotomontagem do Tribunal do Crime do PCC 1533 sob a frase "o certo pelo certo e o errado será cobrado".
Tribunal do Crime – Agiotagem

O destino não devia ter reunido novamente os quatro

Resolveu entrar, conversar, sentir o clima, ouvir as acusações e depois jogar a culpa em Cristiana, acusando-a de querer trocar o velho Capitão por ele, e como ele a teria recusado, ela o acusava falsamente para se vingar.

No final ela iria se ferrar e ele se sairia bem, quem duvidaria que ela não tivesse interesse em trocar o velho por ele?

Às vezes o destino nos prega algumas peças.

Mene e Capitão haviam resolvido abandonar a maioria de suas atividades criminosas para se dedicar às suas famílias.

A infidelidade de Mene com outras garotas poderia ter abalado um pouco esse cenário tranquilo, principalmente depois que Lia descobriu as mensagens e resolveu ir à casa de Capitão para desabafar com Cristiana, sem imaginar que a amiga também havia ficado no passado com Mene, e que agora desejava reatar o caso.

Mas nem Lia e nem o Capitão jamais saberiam disso por Cristiana – Mene estava certo, a garota realmente queria ficar com ele, só não tinha coragem de assumir essa posição, temendo que se o marido desconfiasse mataria a ambos.

O certo pelo certo e o errado será cobrado

Quando Lia chegou à casa, foi surpreendida por seis homens armados que mantinham Capitão e Cristiana sentados em um sofá, e ela foi colocada junto a eles.

Cristiana chorava, mas ela e o Capitão ficaram em silêncio por quase uma hora até que Mene entrou e também foi imediatamente rendido.

Com uma voz suave, mas com as gírias próprias da facção, um dos homens avisou ao Capitão e a Mene que seriam levados para um debate, pois estavam sendo acusados de agiotagem.

Com calma, o homem afirmou que não precisavam se preocupar, que tudo seria esclarecido e logo voltariam para casa se estivessem correndo pelo certo, e que o resto da quadrilha continuaria ali para garantir que eles não tentassem alertar a segurança ao sair.

Capitão saiu conduzindo seu carro, tendo ao lado Mene, e no banco de trás dois homens do Tribunal do Crime.

Passaram-se meia hora até que os que estavam na casa receberam a mensagem de que os homens estavam seguros no cativeiro e que podiam deixar a casa.

Segundo Raymundo Juliano Feitosa cobrança mais cruel pelo Código Penal do PCC é o chamado xeque-mate: esquartejamento do infrator enquanto ele ainda está vivo, e só depois ele é morto e todo esculacho é filmado e jogado nas redes – essa condenação é aplicada aos estupradores e pedófilos, também, tem por finalidade servir de exemplo para outros que teriam interesse em fazer o mesmo.

Mas o xeque-mate não seria o caso para Mene.

A polícia atuando nas ruas

Foi mais ou menos essa história que Joaquim Maria me contou, se bem que acrescentei alguns detalhes que eu já conhecia, assim como outras coisas descobri depois conversando com um ou com outro por aí.

A noite já havia fechado quando o “patrão das biqueiras” no Boa Vista chegou para fechar o negócio, e tudo se resolveu rapidamente – ao lado do bar há uma loja de ração com uma balança, o que facilita tudo.

Por pura ironia do destino ficamos conversando por algum tempo antes de poder voltar para casa, porque uma equipe da força tática parou para fazer a abordagem em alguns garotos que desciam a avenida quase em frente ao bar em que estávamos.

Pedimos mais algumas cervejas enquanto olhávamos a polícia trabalhando. Como os garotos estavam limpos, só receberam os esculachos de praxe.

Me veio uma outra pergunta em mente: será que eles agiriam com esse mesmo procedimento se houvessem câmeras nos uniformes ou se estivessem em um bairro nobre da cidade?

Os policiais, assim como nós mesmos, cometemos uma ou outra infração e condenamos sem perdão os pecados cometidos pelos outros. Contudo, não vim aqui para falar sobre como os policiais fazem seu trabalho, e sim sobre dois casais de criminosos.

(Esse texto é baseado em fatos reais que foram adaptados tendo como base o conto “Casada e viúva” de Joaquim Maria Machado de Assis)

Autor: Ricard Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porém, é que aqui, assim como ninguém sabe que você é um cachorro, não dá para sacar se a pessoa do outro lado é do PCC. Na rede, quase nada do que parece, é. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fã no Facebook pode ser um robô; e, como é o caso da página em questão, um aparente editor de site de facção pode se tratar de Rícard Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

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