A “Senhora do Fuzil” chamou a atenção das autoridades ao ostentar luxo nas redes sociais. A investigação revelou sua ligação com a facção PCC 1533 e o papel desempenhado na guarda de armas da facção.
“Senhora do Fuzil”: descubra como a vida luxuosa de Mariana nas redes sociais levou à revelação de sua conexão com a organização criminosa paulista.
“Senhora do Fuzil” e seu envolvimento com o Primeiro Comando da Capital (Facção PCC 1533) chocaram a opinião pública. A jovem, aparentemente desfrutando de uma vida luxuosa, escondia um segredo perigoso: guardar armas para a facção criminosa.
Em contraste, armeiros do PCC são responsáveis pela compra e manutenção das armas fornecidas aos membros da facção. Contudo, pessoas como Mariana, atuam como guardiões temporários dessas armas, mantendo-as escondidas.
No mundo do crime, frequentemente vemos mulheres escondendo armas para seus companheiros, pois elas tendem a ser ignoradas durante abordagens policiais, que costumam focar nos homens.
Entretanto, algumas guarnições policiais incluem policiais femininas que realizam revistas nas mulheres suspeitas. Nesses casos, é possível que essas garotas acabem presas por porte de armas e drogas que, na verdade, pertencem a outras pessoas.
Mulher é presa sob suspeita de guardar fuzis para o PCC. Polícia suspeita que Mariana Fragoso, de 25 anos, alugava armas para criminosos e, por isso, ela foi apelidada de 'senhora do fuzil'#PortalR7#R7https://t.co/i5UX4LMaoX
O estilo de vida ostensivo de Mariana nas redes sociais chamou a atenção das autoridades. Afinal, seus gastos exorbitantes não condiziam com seu emprego como auxiliar administrativa em uma clínica médica.
Mariana aparece em lanchas e casas luxuosas nas fotos que compartilhava com os seus mais de 11 mil seguidores. Essas postagens nas redes sociais geraram desconfiança sobre os rendimentos da jovem.
Após a prisão da “Senhora do Fuzil”, um verdadeiro arsenal foi encontrado em seu apartamento. Inclusive, um dos fuzis apreendidos teria sido usado em um duplo homicídio, conforme registrado pelas câmeras de segurança de um bar em São Paulo.
Preservando sua lealdade à facção, Mariana não revelou os verdadeiros donos das armas durante seu depoimento. Entretanto, a polícia acredita que, ao analisar seu celular apreendido, conseguirão obter informações cruciais para a investigação.
O caso da “Senhora do Fuzil” ressalta a complexidade das operações do Primeiro Comando da Capital. A facção criminosa recruta pessoas de diferentes perfis, incluindo mulheres que, como Mariana, desempenham papéis-chave na logística do crime organizado.
Mano, os caras da ONU tão falando que o cultivo de coca cresceu pra caramba, tipo 35% só de 2020 pra 2021, é um recorde desde 2016.
A demanda pela cocaína também tá subindo, e com essa produção enorme, a parada pode até chegar na África e na Ásia, saca?
Mas o Uruguai tá em uma situação sinistra, tipo, Primeiro Comando da Capital, tá voando com avião cheio de droga lá e deixando os pacotes lá em pista de pouso clandestina, nos departamentos de Artigas, Salto e Paysandu, mano.
Tem outra rota que vai do Peru e Bolívia até o Rio da Prata, aí os caras descem na costa atlântica na Argentina ou Uruguai, muitas vezes pelo Paraguai, e usam o Hidrovía Paraguai-Paraná pra levar a droga pelos barcos, junto com voos clandestinos, sacou?
E os portos de Montevidéu tão sendo usados pelos grupos criminosos pra transferir a droga pros navios, às vezes a cocaína é consolidada no Uruguai antes de ser embarcada pra fora, é o que a ONU falou.
Uma menina que estava fazendo o dever de casa na escola em um confronto ocorrido entre facções há um ano, creio eu, morreu sentada em uma cadeira com uma bala que atravessou a chapa e rachou seu crânio.
Morreu com o caderno escolar, pedimos que isso não volte a acontecer, mire no alvo, por favor não nos deixe morrer.
As balas estão voando na periferia nos confrontos e muitas das bocas do PCU não exigem a disciplina do PCC.
Quando vão aplicar o Estatutos e a Disciplina do Primeiro Comando da Capital aqui no Uruguai para seus aliados?
No Uruguai, uma pessoa se vê na difícil posição entre disputas entre nações e organizações criminosas.
Vou contar minha história.
Sou de família de comunistas, tupamaros, criminosos e trabalhadores, e tenho aprendido muito com todos eles nesses meus trinta e oito fevereiros vividos.
Lido com os códigos da velha escola da consciência de classe. Sou de esquerda e, embora tenha crescido entre bandidos, fui abençoado e muito cuidadoso, e nunca esperei que a traição viesse de um irmão, de um oprimido, pois para mim o inimigo eram os opressores, eram os fascistas.
Nestes últimos dois anos vivi coisas horríveis!
Pela primeira vez sofri a traição daqueles, sendo meus irmãos, cantavam canções revolucionárias comigo, e acredite, dos quais eu nunca teria imaginado sofrer uma traição que quase me matou, mas cuja dor me ceifou minha fé no homem.
Nasci em fevereiro de 1984, não tenho antecedentes criminais, morei em São Paulo, Bahia, Romênia, e muitos outros lugares sem nunca ter traficado. Respeito quem o faça, mas não é meu bastão — amo demais a classe trabalhadora, não poderia agir assim.
Apesar eu mesmo ser usuário de drogas, me recuso a escravizar nas drogas os filhos dos pobres trabalhadores.
Eu e muitos outros, militamos pela legalização da maconha no meu país, o Uruguai. Conseguimos. A ideia era, com a legalização haver maior controle sobre o comércio desses produtos.
No final nada disso aconteceu. Como o governo não estatizou ou nacionalizou as empresas, nós apenas regularizamos o mercado para as empresas estrangeiras exportarem nossa produção — passamos a ser vacas de ordenha para sermos sugados por investidores estrangeiros.
Se eu planto, eles roubam, não tem brotos de qualidade na periferia, só prensagem paraguaia, e um bom broto vale tanto quanto cocaína. Tudo para o lucro dos capitalistas dos narcóticos. Entendo agora o porquê, poucos dias depois da legalização, os EUA ameaçaram o presidente José Mujica de congelar as contas bancárias uruguaias em território americano: queriam que a produção não pudesse ser nacionalizada e por isso o Uruguai só regulamentou o comércio.
Nós que militamos pela legalização de nossa produção fomos espancados pela polícia e agora, as empresas estrangeiras podem explorar esse mercado e nos deixar com as migalhas, colhendo os frutos de nossa luta.
No Uruguai a guerra continua! Na periferia, a direita perdeu o mercado de drogas, mas encontrou o caminho perfeito para virar o jogo: usam cavalos de Tróia!
A estratégia é procurar um consumidor ou parceiro de negócios e ao menor deslize ou crime, estes são presos e o preço de sua liberdade é pago com a traição de seus colegas, amigos ou familiares.
Muitos aceitam participar desse novo mercado que antes pertenciam as organizações criminosas argentinas ou a facções brasileiras como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Mais cedo ou mais tarde esses que aceitaram participar desse novo mercado acabam sendo presos por algum motivo e negociam sua liberdade com a condição de se infiltrarem para entregar seus antigos comparsas de facção.
Eu nunca pertenci ao tráfico de drogas, sou apenas um usuário, jornalista, cabeleireiro, e anarquista ligado às lutas sociais. Cresci em um bairro de trabalhadores e estudei no bairro de La Blanqueada. Tenho amigos do Nacional, do Penarol e do Cerro, criminosos, traficantes, crianças, políticos, militantes de esquerda, universitários, ateus, católicos, brasileiros, argentinos, e todo o tipo de gente boa e ruim.
Eu não me importo como cada um escolhe viver sua vida, desde que não seja fascista, nem policial, nem vote na direita, se tem códigos antiquados e a consciência de classe é a única coisa que me interessa.
Há dois anos minha vida se tornou um inferno.
Sou da escola onde um criminoso não voltava para casa para não colocar em risco a sua família ou os seus companheiros — só voltaria depois de avisar a todos do risco e da família ou os companheiros decidirem que queriam se arriscar.
Se alguém em risco me avisasse, eu correria o risco, mas sem avisar! Cagando para minha segurança e a da minha família, aí não! Isso para mim não é a ética de um bom criminoso — o certo pelo certo!
Há dois anos aluguei de um amigo uma pequena estância, lugar onde eu vendo artesanato com meu pai de coração, um ex-prisioneiro político pelo Partido Comunista da Argentina, um homem que merece o céu, incorruptível.
Eu com esse amigo cantávamos as músicas revolucionárias da banda argentina Los Redondos, e entoávamos o hino “Violencia es Mentir”! E foi esse amigo quem colocou em risco a vida e a liberdade minha e a de toda a minha família.
Eu havia alugado um quarto em uma fazenda para usarmos para nossa diversão. Como cresci na selva, eu sei como os macacos se movem e, de repente, em uma noite de muita tensão, eu que conhecia a linguagem do crime percebi que algo de errado estava acontecendo.
Não estávamos só nós dois, haviam outros amigos e eles falavam muito, e descobri que eles roubaram drogas de alguma das facções e para pagar tinham que roubar outro traficante que ia descarregar a mercadoria de uma embarcação.
Eu e minha família não tivemos nada com isso! Eu e minha família fomos colocados por eles na linha de tiro de grupos criminosos poderosos — eu matei, mas morreria por minha família.
Imagine meu avô de 88 anos, seguindo os antigos códigos de conduta, onde se uma chave de fenda é roubada da loja de móveis ele não chamaria a polícia, preferia ele mesmo ir procurar o ladrão e lhe quebrar o joelho. Imagine se ele descobre o roubo da cocaína!
Pequei um dos que estavam metidos nessa enrascada. O derrubei e coloquei seu pescoço debaixo de minha perna. Ele me ameaçou dizendo que era da facção brasileira Comando Vermelho.
A mãe desse CV chamou um amigo dela da polícia, mas para sua surpresa veio a Guardia Republicana criada por Mujica, que me levou para o Comissário de Castillos, onde inventaram uma falsa ordem para abordar minha família — ou eu aceitaria participar do esquema de denúncia ou a ordem seria cumprida.
Foi aí que entendi o que estava acontecendo. Como os negócios se davam entre o Uruguai, a Argentina e o Brasil; e entre os grupos criminosos Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC).
O Primeiro Comando da Capital pelo menos administra muito bem a empresa: dá tranquilidade e não obriga ninguém que não pertence ao mundo do crime de se integrar a facção.
A partir daí minha vida foi um inferno.
As pessoas descobriram ao longo do tempo que ninguém de fato é livre. Todos pagam por sua liberdade às autoridades e às facções. Quiseram me prender de várias maneiras e me silenciar.
Um antigo amigo do papai que há muito não aparecia veio com a desculpa de comer um churrasco, mas depois de um tempo apareceu com uma van que parecia ter sido puxada: com vidros quebrados e com muita droga.
Ele me convidou para participar de um esquema e eu exigi que ele fosse embora. Inconformado com a resposta, ele me sequestrou por dois dias durante o inverno. Enquanto fiquei cativo, minha cabeça era enfiada minha cabeça gelo enquanto me torturava, para no fim, plantar a van na porta da minha casa e me entregar para a Polícia de Azul, denunciando que eu estava com as chaves, sendo que, essas vans são destravadas por um sistema eletrônico!
Um pesadelo sem fim.
Depois de um tempo, apreenderam um caminhão de um paraguaio e eu estaria envolvido; depois foi algo haver com um estuprador que continuava foragido; e assim como essas, outras denúncias apareciam — toda vez que começo a me recuperar, eles invadem minha casa e roubam meus telefones.
Eles esperam que eu cometa um erro ou desista de resistir e negocie como outros fizeram minha paz e liberdade, mas eu prefiro morrer a ser um miserável traidor.
Não é minha guerra!
Eu obviamente prefiro o Primeiro Comando da Capital onde se corre pelo certo, mas meu lugar de militância é no social e não quero me envolver com o crime.
Espero que essa guerra termine e que eu e meus avós, que dedicamos nossas vidas pelo socialismo, não mais sejamos torturados pelo fascismo ou pela guerra por domínio de drogas!
Se eu morrer amanhã, não foi ajuste de contas, pois nada vendi. Não é que sou incorruptível, mas não deram nem o preço, mas meu lugar é na imprensa ou trabalhando com as crianças para tirá-las das mãos dos tiranos que agem com violência e mentira.
somos filhos de trabalhadores viciados em oxi
Se usássemos a mesma energia para encontrar uma dose para fazer a revolução, a realidade da América seria diferente. As utopias de esquerda morreram na periferia, você não sente cheiro de revolução, você só sente cheiro de crack, chumbo, abuso, paramos a exportar ladrões de primeira linha e ao invés de jogadores de futebol, hoje os garotos não jogam mais bola em bairros populares, todos querem ser traficantes, sem importa que envenenar seu colega de classe faz parte.
Traição é pão de cada dia, te vendem por um segundo fogo e nem por 3 gramas. Não há garantias de resistência real para o viciado, não há lugar em clínicas ou prazo inferior a 6 meses em psiquiatria. A droga é cortada cada vez mais, e com uma qualidade cada vez menor.
Só consigo pensar em uma solução, que os Estados de cada país latino nacionalizem o mercado de drogas, eu disse nacionalizar não regulamentar. É a humilde opinião de uma filha de trabalhadores viciada em oxi.
Tragédia e transformação: o PCC e as curvas de homicídio no Triângulo Mineiro/MG
Há vinte anos, o Primeiro Comando da Capital, passou dominar hegemonicamente o mundo do crime no estado de São Paulo, o que reduziu em mais de 66% as taxas de homicídio no estado.
Que a facção PCC 1533 também modificou as dinâmicas criminais de modo notável em Minas Gerais não resta dúvida, mas como e quais foram as consequências, como era e no que se tornou o mundo do crime, e como se dará essa expansão, são algumas questões que serão estudadas para se buscar, enfim a resposta para algumas perguntas:
Qual a relação entre a flutuação das taxas de homicídios no Triângulo Mineiro e a presença do PCC na região?
Como a expansão do PCC para o Triângulo Mineiro impacta as taxas de homicídios da região, comparando três municípios: Uberlândia, Uberaba e Araguari? — Biblioteca Virtual FAPESP
O que se pode esperar da estratégia de crescimento da Comunidade do Complexo de Israel no intrincado tabuleiro do crime organizado.
O ativista russo de direitos humanos Artemiy Semenovskiy (Артемий Семеновский) comentou no grupo de WhatsApp do site que recebeu informações que Manaus teria sido dominada pelo Comando Vermelho (CV).
Fiquei intrigado.
Há muito rola por lá a guerra entre as facções, mas a definição do conflito não me parecia estar próxima, apesar de me preocupar com a postura de grupos que antes se aliavam ao PCC: Guardiões do Estado GDE e o Bonde dos 40 B-40.
O GDE passou para a neutralidade e o B-40 tornou-se inimigo, matando integrantes e saqueando suas biqueiras do PCC, enquanto a antes poderosa Família do Norte FDN se dissolve.
Fabrício dos Santos Chaves, um dos líderes da Família do Norte, se escondeu com a família em Teresina após a FDN ter desmoronado, mas acabou sendo preso juntamente com sua mãe dele e outras seis pessoas por homicídios cometidos no Maranhão.
A resposta para essa intrincada e bilionária disputa pelo poder e pelos negócios nas regiões Norte e Nordeste pode estar nas comunidades do Complexo de Israel CDI no Rio de Janeiro, como me fez ver o canal Band Net News.
O Complexo de Israel é um grupo criminoso carioca, contrário ao Comando Vermelho, e que, apesar de manter parceria com Primeiro Comando da Capital, é considerado um grupo neutro e não aliado, assim como o GDE.
Comandado pelo traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa (Peixão ou Aarão), o Complexo de Israeltem suas bases nas comunidades da Zona Norte do Rio de Janeiro: Cidade Alta, Vigário Geral, Parada de Lucas, Cinco Bocas, e Pica-pau.
fonte: Canal Band Net News
O futuro do PCC nas mãos do Complexo de Israel
Aarão está mudando o desenho do crime organizado no Brasil.
A neutralidade de Aarão em relação ao PCC, permite que:
acesse seus produtos como drogas, armas e cigarros;
aproveite sua logística de distribuição e conhecimento;
contato com sua liderança do crime em todos os estados e países; e
feche parceria com o Terceiro Comando Puro TCP, aliado fiel dos paulistasno Rio de Janeiro.
Essa situação favorece o Primeiro Comando da Capital pois enfraquece o Comando Vermelho em sua base sem ter o custo de manter uma guerra direta no território onde seu inimigo está melhor estruturado.
No entanto, o Complexo de Israel demonstra que pretende despontar como uma força nacional e para isso fechou aliança com duas facções de fora do estado:
Cartel do Norte CDN do Amazonas, formado por antigos integrantes da Família do Norte FDN que debandaram com a sua implosão, e que atualmente é uma facção aliada ao Primeiro Comando da Capital.
Aarão não faz segredo que pretende criar uma rota de transporte de drogas, armas e outros ilícitos a partir do Rio de Janeiro em direção ao Norte e fazer o caminho inverso com outros produtos oriundos da Rota dos Solimões.
Com a derrocada da Família do Norte, esperava-se que o PCC tomasse com certa facilidade a Rota dos Solimões, pois enfrentaria um Comando Vermelho enfraquecido por estar sendoatacado em seu território pelo Terceiro Comando Puro e demais aliados locais da facção paulita, e milicianos que usam as polícias Militar e Civil como tropas de apoio.
A integração da Rota do Solimões e da Rota Caipira sob o monopólio do PCC concentraria o abastecimento de ilícitos dos grupos, bondes, facções e vendedores individuais, e portos para exportação em todo o país.
É possível que a pretensão de Aarão se encaixe nesse plano, pois ao unir o Terceiro Comando Puro (Rio de Janeiro), Guardiões do Estado (Ceará), e Cartel do Norte (Amazonas), cria uma rota ligando Rio de Janeiro à Manaus, ao mesmo tempo em que auxilia os paulistas no enfraquecimento do CV.
Um ex-aliado (GDE), um antigo aliado (TCP), e um novo aliado (CDN) do Primeiro Comando da Capital passam agora a girar em torno do Complexo de Israel, que se torna uma nova força aglutinadora.
Aarão do Complexo de Israel seria o novo Marcola do PCC?
A prisão e morte das antigas lideranças do Primeiro Comando da Capital podem ter desarticulado seus negociadores, ou as novas lideranças paulistas estão perdendo o contato e o respeito da tropa na base.
O canal Band Net News coloca o dedo na ferida ao afirmar que “as crias do Terceiro Comando Puro … tem o estado de espírito bastante semelhante dos crias do Guardiões do Estado e do Cartel do Norte”.
Renato Alves Pereira, o Carioca, um dos líderes do Primeiro Comando Puro, perseguido no Rio de Janeiro, deu fuga para Fortaleza no Ceará, mocozando-se no bairro Vicente Pinzon e nas comunidades de Rosalina, Passaré e Itaperi.
Carioca caiu no campo em que guerreavam o Comando Vermelho e os Guardiões do Estado, e estava junto a eles quando perderam o território para o CV, e teve que retornar ao Rio de Janeiro, mas levou consigo 30 GDEs.
Com esse reforço, o Terceiro Comando Puro e as tropas do Complexo de Israel buscaram expandir seus territórios, assinando na prática um pacto de sangue entre os grupos cariocas e o cearense.
A disputa pelo território no Norte do Brasil Carioca também seguiu então para Manaus, para unir forças com o Cartel do Norte de João Branco, o vulgo JB, já corria com os crias do Primeiro Comando da Capital, para derrotarem juntos o Comando Vermelho que está nas mãos de Gelson Carnaúba, o Mano Gê.
Comando Vermelho domina com focos de resistência do Cartel do Norte em: Mozinha, Gilberto Mestrinho, São José e Tancredo Neves;
Zona Norte
Comando Vermelho domina o bairro Novo Aleixo com uma pequena área sob o domínio de um cria da Família do Norte,
Comando Vermelho domina a Cidade Deus e Cidade Nova com poucos focos de resistência do Cartel do Norte, e permanece em disputa o Conjunto Habitacional Viver Melhor e a Comunidade Monte Olimpo;
Zona Sul
Cartel do Norte controla com pouca resistência do Comando Vermelho em partes do: Alvorada, Morro da Liberdade, Santa Luzia, São Lázaro, São Jorge, e Vila da Prata, Parque 10 de Novembro, Colônia Oliveira Machado;
Zona Oeste
Comando Vermelho domina em especial no bairro Compensa, local onde a organização criminosa teve origem, mas tem sofrido ataques do Cartel do Norte no Carbraz, Parque São Pedro, Redenção e Bairro da Paz; e
Centro
Comando Vermelho controla com resistência no Bairro do Céu controlado por um cria chamado Marcelinho da extinta Família do Norte.
O Coroado de Manaus tem uma posição estratégica, é o bairro da Zona Leste que faz fronteira com a região central e é cheio de becos e vielas, que dificultam a a ação da polícia e facilita. — Ayrton Senna Gazel para o emtempo
“Agora é CDN. O coroado é CDN”, gritam eles. Os bandidos ainda aparecem ameaçando os jovens que estavam na quadra.
Um segundo vídeo, gravado no mesmo espaço, feito como “direito de resposta”, mostra membros da facção criminosa rival, Comando Vermelho, apagando as pichações e pintando a própria sigla no muro, também usando armas.
Graças as vitórias do Comando Vermelho sobre os crias dos Guardiões do Estado, vários deles foram para o Rio de Janeiro, onde se somaram aos crias do Complexo de Israel e do Terceiro Comando Puro atacando o CV em sua base.
Agora, com o enfraquecimento do CV carioca, os crias cearenses estão começando a buscar a independência. Nas penitenciárias de segurança máxima do Ceará já houve entrega de camisa de integrantes que se declararam “população”.
A neutralidade valeria também para as comunidades fortalezenses de : Curió, Alagadiço Novo, Lagoa Redonda, Guajerú, Coaçu e Paupina, todos na Grande Messejana, além de Moura Brasil e Itaoca; e para os municípios como Maranguape, Caucaia, Aracati, Crato, Sobral e Barreira. — BenditoJor
Artigo de Chris Dalby para o InSight Crime (livre tradução)
Mesmo o que parece ser um massacre liderado pela polícia dificilmente mudará a dinâmica da violência extrajudicial policial no Rio de Janeiro.
A violência é uma instituição tão natural como a própria vida humana. Decorre do nosso instinto de sobrevivência, sendo o grande motivo para o homem ter dominado a natureza. Mas essa afirmação não pretende trazer glamour à violência.
Talvez no último estágio da existência humana, a evolução definitiva seja exatamente vencer o instinto natural que nos propala a nos destruirmos mutuamente.
O estranho entrou na casa, cambaleando e deixando um rastro de sangue atrás de si. Ele correu para os fundos, para o quarto da menina de nove anos. A polícia não estava muito atrás, gritando para saber onde ele estava. Eles haviam seguido o sangue. As crianças se esconderam atrás da mãe. Os policiais foram para a sala dos fundos e tiros foram disparados.
Os relatos dos moradores do Jacarezinho são anônimos e difíceis de verificar. Mas todos eles parecem apontar para a mesma conclusão: este foi um massacre.
Em 6 de maio, pelo menos 25 pessoas foram mortas neste bairro da zona norte do Rio de Janeiro, incluindo um policial, no que foi chamado de a pior operação policial da cidade.
No início da manhã, cerca de 200 policiais, apoiados por um helicóptero que transportava um franco-atirador, entraram na favela . A operação foi baseada em “informações concretas de inteligência” de que o Comando Vermelho (CV), uma das maiores gangues do Jacarezinho no Brasil, vinha recrutando menores para suas fileiras, segundo nota da polícia.
Mas, de acordo com depoimentos de testemunhas coletados pela mídia brasileira e internacional, muitos dos mortos foram baleados dentro de casas, muitas vezes não nas suas próprias, enquanto tentavam fugir sem oferecer resistência.
O membro da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Joel Luiz Costa, postou no Twitter que visitou várias casas no Jacarezinho e viu evidências semelhantes de execuções extrajudiciais em cada uma: “Casas derrubadas, tiros, execução. Não havia sinal de troca de tiros. Um menino morreu sentado em uma cadeira. Isso foi uma execução.”
Vários fatores consagraram uma cultura de impunidade nas forças de segurança do Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar, as declarações de certos políticos e jornalistas glorificaram o assassinato como uma medalha de honra para a polícia. O presidente Jair Bolsonaro deu carta branca às forças de segurança, e o ex-governador do Rio, Wilson Witzel, certa vez disse que a polícia deveria ter permissão para “massacrar … bandidos” de helicópteros.
Mesmo depois dos assassinatos do Jacarezinho, Tino Junior, apresentador do Balanço Geral RJ, programa popular da cidade, deu início a uma tempestade no Twitter, parabenizando os policiais por suas ações, incentivando-os a realizar mais batidas e até sugerindo às mães de as vítimas devem ser “aliviadas”.
“Devido à postura belicosa de “durão com o crime” do presidente, muitos políticos de direita, policiais e membros do público se sentem encorajados, pedindo mais repressão, não menos. Há uma proporção considerável de brasileiros que apoia a repressão aos bandidos . De fato, há um número desconcertante de cidadãos que apoiam chacinas como as que ocorrem no Jacarezinho”, disse à InSight Crime Robert Muggah, fundador e diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, um think-tank brasileiro que pesquisa segurança no Brasil.
De acordo com Muggah, somente uma mudança real na liderança política pode trazer ações substanciais para melhorar a situação.
“É necessária uma comissão de inquérito sobre o massacre, incluindo a destruição de provas. Ao mesmo tempo, deve haver uma reinstalação dos mecanismos de supervisão da polícia, incluindo restrições mais fortes ao uso discricionário da força, penas disciplinares mais duras, o uso de câmeras corporais e treinamento e apoio para policiais que sofrem de doenças psicológicas. Estes são imensamente desafiadores devido à força das associações policiais, bem como à oposição política mais ampla”, acrescentou.
Embora as operações policiais tenham diminuído significativamente por alguns meses, agora elas voltaram aos níveis anteriores à pandemia. As incursões caíram 64% com relação ao ano anterior entre junho e setembro de 2020, mas a partir de outubro de 2020, aumentaram rapidamente para pelo menos um por dia. Entre junho e março de 2021, a polícia do Rio matou 797 pessoas, segundo relatório da Universidade Federal Fluminense (UFF).
De acordo com Benjamin Lessing, professor da Universidade de Chicago que examina o crime organizado, a decisão da Suprema Corte ainda foi um passo na direção certa.
“É difícil imaginar uma decisão judicial que proibisse totalmente os policiais de entrar nas favelas. Devia haver exceções. Mas a violência caiu meses após a decisão. De modo geral, o método que mais consistentemente reduz a violência no Rio é limitar as operações policiais”, disse Lessing à InSight Crime.
“É difícil provar que a operação foi feita deliberadamente para beneficiar as milícias. Mas isso os beneficia, e se em alguns meses o Jacarezinho virar território de milícia, devemos olhar para trás para esse massacre como um passo importante”, disse Lessing.
“Independentemente disso, milícias em todos os lugares podem usar isso como uma forma de obter apoio civil. Esses tiroteios não acontecem em áreas controladas por milícias. Assim, as milícias podem prometer aos moradores que os tiroteios não acontecerão mais”, acrescentou.
No Jacarezinho, os protestos começaram, com moradores indignados exigindo uma investigação. A polícia afirmou que a operação foi justificada, que os protocolos foram seguidos e coordenados com a Delegação de Proteção à Criança e ao Adolescente do Rio (DPCA). A proteção deles pode não ser muito consoladora para a menina de nove anos que viu um homem morto a tiros em seu quarto.
O suposto líder do PCC no Paraguai, conhecido como “Koringa”, foi extraditado ao Brasil depois de alguns dias tumultuosos nos quais membros da organização criminosa paulista encenaram uma tentativa ousada, mas sem sucesso, de livrá-lo da prisão.
Giovanni Barbosa da Silva, vulgo “Koringa”, foi detido no dia 9 de janeiro pela polícia paraguaia na cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero. Segundo nota da Procuradoria-Geral da República, ele vinha sendo procurado por autoridades do Paraguai desde junho de 2020 sob a acusação de organização criminosa, narcotráfico e tráfico de armas. Barbosa da Silva era considerado o comandante paraguaio do Primeiro Comando da Capital (PCC), informaram as autoridades.
Sua importância para a organização ficou evidente quando, poucas horas após sua prisão, na manhã de 10 de janeiro, cerca de 40 assaltantes armados atacaram a instalação policial onde Barbosa da Silva estava detido. Inicialmente, eles fizeram três policiais como reféns, mas as forças de segurança conseguiram revidar, resgatar seus colegas e capturar dois dos agressores, de acordo com um relatório da EFE citando fontes policiais.
Mais tarde naquele dia, Barbosa da Silva foi entregue às autoridades brasileiras na ponte que separa os dois países em Foz do Iguaçu e depois transferido para uma penitenciária federal. Os outros dois membros do PCC presos foram mantidos sob custódia no Paraguai.
Na noite de 11 de janeiro, autoridades brasileiras rastrearam vários integrantes do PCC que participaram do ataque para libertar Barbosa da Silva até uma casa em Ponta Porã, cidade próxima à fronteira com Pedro Juan Caballero, segundo informações da mídia. Houve um tiroteio que acabou se espalhando pelas ruas e deixou oito membros da facção mortos.
A violência continuou ao longo da fronteira com um policial sendo baleado e morto em 12 de janeiro em Pedro Juan Caballero. O mesmo oficial, Fredy César Diaz, teria ajudado a repelir a tentativa de resgate alguns dias antes.
Segundo informes da polícia brasileira, Barbosa da Silva é muito próximo de Anderson Lacerda Pereira, vulgo “Gordão”, suspeito de ser um grande narcotraficante do PCC, responsável por lavar dinheiro da facção e aficionado por arte — já esteve ligado ao furto de obras de Pablo Picasso.
Antes de se instalar no Paraguai, Barbosa da Silva residia em São Paulo, onde supostamente dirigia as operações do PCC na zona norte da cidade e onde foi ferido em um tiroteio em 2017, segundo reportagem do UOL.
Análise de crime InSight
A longa investigação das autoridades brasileiras e paraguaias que levou à identificação e prisão de Barbosa da Silva, bem como à tentativa de resgatá-lo, deixa poucas dúvidas de que ele era um dos principais operadores do PCC no Paraguai.
Koringa ignorou os contínuos e significativos golpes que a facção vinha colecionando, crente que estaria protegido pelo poder da facção Primeiro Comando da Capital.
Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, vulgo “Minotauro”, outro líder do PCC no Paraguai foi preso em fevereiro de 2019, se bem que continuava a exercer influência significativa sobre as operações da organização criminosa de dentro da prisão.
As forças de segurança paraguaias prenderam dezenas de integrantes do Primeiro Comando da Capital, muitas vezes graças à inteligência de seus colegas brasileiros, mas a organização criminosa paulista costuma aproveitar as prisões para estender sua influência e recrutar novos membros dentro das prisões.
Em janeiro de 2020, 75 faccionados do PCC conseguiram abrir um túnel para fora de uma prisão em Pedro Juan Cabellero — o ministro da Justiça do país acredita que a gangue pode ter pago US $ 80.000 a funcionários da prisão para permitir a fuga.
A incapacidade do Paraguai em avançar na luta contra o Primeiro Comando da Capital permitiu a organização criminosa transformar grande parte do país em base de operações, a partir da qual supre de cocaína o mercado brasileiro.
Hoje, o Brasil se tornou o segundo maior mercado do mundo depois dos Estados Unidos, com dois milhões e oitocentos mil consumidores, obrigando o Primeiro Comando da Capital a desenvolver uma cadeia logística que garantisse o fluxo constante, seguro e em grande escala do produto.
Com integrantes do PCC operando através da fronteira com virtual impunidade, o próximo Bonitão pode não demorar muito para surgir.
Diálogo entre integrantes do Primeiro Comando da Capital são um registro histórico de como se deu a expansão da facção paulista.
Há exatos quatorze anos, o repórter Fábio Serapião do jornal O Estado de São Paulo, trouxe a público escutas telefônicas envolvendo presos do Primeiro Comando da Capital.
Inimigos tiveram tempo para fugir, trocar a camisa ou se converter
Um dos diálogos ocorre entre Sumô e Taylor e mostra que antes de atacar os inimigos dentro do Presídio de Monte Cristo em Roraima, foi dado um prazo de 40 dias para que os inimigos decidissem deixar o presídio — e 145 aproveitaram para fugir.
PCC Sumô (Ozélio de Oliveira) o “geral do estado de Roraima” que estava preso na Casa de Custódia de Piraquara no Paraná, e o PCC Taylor (Diego Mendes de Andrade) que tinha a missão de “pregar a filosofia da família 1533” e arregimentar novos integrantes dentro da Penitenciária Federal de Mato Grosso do Sul, e uma outra com o PCC
Sumô: Quando nós banimos ali o Estado (das prisões de Roraima) a gente pregou a nossa ideologia, que é a paz, justiça, liberdade, igualdade e união, muitos ali tiveram o direito de pular o muro, o outro saiu até aqui no Fantástico irmão, pularam. Quantos que pularam no total ali em 40 dias ali, oh Taylor?
Taylor: 145 irmãos, 145 meu padrinho.
Sumô: 145 só pros irmão ter uma ideia como o barato foi louco. Hoje é … uns quartel do lado porque o barato ficou louco mermo.
Em outra conversa no fim do mês de março daquele ano, Sumô fala com Wax Nunes de Lima, um “salveiro” do PCC, responsável pela transcrição, transmissão e salvaguarda dos “salves” emitidos pelo comando da facção. Os dois falam sobre como conseguir celulares nas prisões. Sumô comenta a facilidade para se conseguir telefone nos presídios de Roraima e diz que onde está preso, no Paraná, são “somente” dois celulares por galeria.
“Eu morro de inveja de vocês aí que todo mundo tem um, isso aqui custa 5 mil real (sic) um aqui dentro moleque”, explica Sumô. “Caro que só né! Padrinho, aqui 5 mil é que nós paga pro cara comprar pra nós aparelho”, responde Wax.
Outra conversa de maio, de um integrante da facção criminosa apontado como “Vandrinho”, revelou a negociação de armas de dentro da cadeia. Segundo a PF, o traficante usa os termos “abacaxi” e “canetas” para se referir a granada e pistolas, respectivamente.
Na mesma interceptação, Vandrinho afirma que a facção criminosa precisa medir forças com a polícia. “Porque parceiro nós tem de somar contra a opressão, contra esses bota preta aí parceiro (sic)”, afirma o traficante.
O Primeiro Comando da Capital e outras organizações criminosas se fortaleceram durante os fechamentos das cidades por conta do Coronavírus.
Douglas Farah, presidente da consultoria americana IBI Consultant, afirma que o crime organizado sairá fortalecido e capitalizado dessa crise, e terá melhores condições de adquirir negócios legais e ampliar suas atividades ilícitas se aproveitando da desorganização das forças políticas e de repressão ao crime…
As biqueiras seguiram abastecidas, e os clientes não foram impedidos de comparecer. Graças ao presidente Bolsonaro não houve lockdown e o fechamento do comércio foi frouxo, parcial e por pouco tempo.
Governadores avisaram que fariam barreiras nas estradas, mas o governo federal bloqueou a iniciativa, impedindo a ação nas estradas federais, e contando com apoio tácito dos policiais estaduais e do movimento dos caminhoneiros, bases do bolsonarismo, que inviabilizaram a iniciativa nas estradas estaduais.
Enquanto as atividades legais e os indivíduos tiveram interrupção em seus empreendimentos, as organizações criminosas mantiveram seus negócios, as organizações criminosas mantiveram-se ativas.
Juntou-se a essa facilidade logística que não ocorreu em outros países que implantaram um rígido lookdown controle nas estradas, à natural experiência em burlar as restrições e negociar: prazos e formas de recebimento.
O Promotor de Justiça Lincoln Gakiya confirmou que as exportações gerenciadas pela facção Primeiro Comando da Capital a partir do porto de Santos para a Europa e África não tiveram significativa interrupção por problemas logísticos…
… mas como ficaram os negócios em outros locais onde o presidente da República não deu uma mãozinha para os irmãos?
Fechamento? Fala sério! O comércio internacional de drogas em tempos de pandemia.
Quando uma onda de infecções por coronavírus atingiu a Itália no final de março, Rocco Molè, um membro da organização criminosa ‘Ndrangheta, enfrentou um dilema.
Ele tinha um estoque 537 kg de cocaína, contrabandeados recentemente para o porto de Gioia Tauro, no sul da Itália, que seu clã controla. Mas, devido aos bloqueios trazidos para controlar o vírus, ele só podia mover pequenas quantidades da droga de cada vez para o norte, em direção aos usuários europeus de cocaína.
Então ele decidiu enterrar o esconderijo em um bosque de limão.
O incidente relatado em uma declaração da polícia italiana mostra a situação enfrentada pelos contrabandistas de cocaína, já que a pandemia global aumentou as fiscalizações nas rotas de transporte, forçando a interrupção das redes usuais de contrabando e distribuição, mas também demonstra a flexibilidade do comércio ilegal, que manteve os negócios em expansão, enquanto muitas atividades legais do mundo estavam impedidas de trabalhar.
No caso de Molè, a aposta acabou sendo um erro caro, de acordo com o comunicado de 28 de março. A polícia italiana, realizando verificações de bloqueio, viu quando um motorista desviou da barreira e o seguiu até o bosque onde ele havia enterrado os tijolos embrulhados em plástico. Ele agora está preso, acusado de tráfico de drogas.
Mas os repórteres da OCCRP descobriram que a indústria de cocaína do mundo – que produz cerca de 2.000 toneladas por ano e produz dezenas de bilhões de dólares — se adaptou melhor do que muitas outras empresas legítimas. A indústria se beneficiou dos enormes estoques de drogas e insumos que havia antes da pandemia e de sua ampla variedade de métodos de contrabando. Os preços de rua em toda a Europa aumentaram em até 30%, mas não está claro quanto disso se deve a problemas de distribuição e quanto às quadrilhas de traficantes que tiram proveito dos clientes locais.
O que está claro é que a cocaína continuou a fluir da América do Sul para a Europa e a América do Norte. As rotas de tráfico fechadas foram substituídas por novas e as vendas nas ruas e eventos foram substituídas por entregas de porta em porta.
Na Colômbia, o maior produtor mundial de cocaína, bloqueios e esforços de erradicação do governo reduziram parte da produção, enquanto as restrições de viagens fecharam algumas rotas de exportação significativas, como lanchas. Nos mercados de destino na Europa e nos Estados Unidos, as autoridades ainda estão apreendendo grandes quantidades com frequência notável – um sinal de que os traficantes de drogas ainda estão fazendo um comércio vigoroso.
Por mais de um mês, os repórteres da OCCRP na Europa e na América Latina acompanharam anúncios de apreensões e conversaram com policiais, analistas e fontes do comércio de cocaína.
Eles descobriram que o um setor se mostrou ágil em encontrar maneiras de contornar as medidas globais sem precedentes de bloqueio e quarentena. O comércio de cocaína está prosperando em um mundo onde até mesmo os pilares do petróleo estão enfrentando grandes interrupções.
Como muitos países começam a reabrir parcialmente suas economias, os traficantes estão em posição de se tornarem mais poderosos do que nunca. Com as economias em perigo e muitas empresas enfrentando a ruína, os narcotraficantes estão capitalizados e serão capazes de comprar negócios legais.
Um helicóptero da polícia colombiana patrulha uma região produtora de coca no departamento de Nariño, no sudoeste do país. Crédito: Juan Manuel Barrero Bueno, c / o OCCRP
Os esconderijos estão em toda parte
A pandemia afetou inicialmente a produção nos países da América do Sul, onde as folhas de coca são cultivadas e transformadas em cocaína. Mas essa queda na produção nunca reduziu o comércio, porque a maioria das quadrilhas de traficantes tem grandes quantidades de drogas armazenadas em mãos.
No Peru, onde aproximadamente 20% da cocaína é produzida no mundo, os bloqueios de saúde pública impostos pelas comunidades locais paralisaram o cultivo e a produção de coca, de acordo com Pedro Yaranga, analista de segurança peruano.
“O que em quase quatro anos a agência de controle de drogas não conseguiu, o coronavírus fez em poucas semanas”, disse ele.
Na Bolívia, onde se produz cerca de um décimo da coca do mundo, o quadro é invertido, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Nesse país, “o COVID-19 está limitando a capacidade das autoridades estatais de controlar o cultivo de coca, o que pode levar a um aumento na produção de coca”, disse o UNODC em um relatório de 7 de maio.
Na Colômbia, onde 70% da cocaína do mundo é produzida, o quadro é mais confuso. A polícia antinarcóticos erradicou mais de 1.969 hectares de plantações de coca nas três semanas após os bloqueios entrarem em vigor em todo o país em 25 de março, informou a polícia antidrogas do país ao OCCRP.
“A percepção da população é que [o governo] está aproveitando a quarentena e as pessoas presas em suas casas para erradicar a coca”, disse Jorge Elías Ricardo Rada, chefe de um sindicato que representa os interesses dos pequenos agricultores na região de Córdoba. “Eles tiram o pouco que as pessoas têm.”
Em Catatumbo, uma região próxima à fronteira com a Venezuela, “os negócios estão praticamente paralisados”, disse Giovanny Mejía Cantor, jornalista independente sediada em Ocaña, a principal cidade da região. Normalmente, a área produz coca suficiente em um ano para produzir 84 toneladas de cocaína pura, mas isso diminuiu para um pouco.
“As comunidades entraram na estrada e criaram bloqueios para impedir que as pessoas entrassem em sua vila por medo de coronavírus”, disse Mejía, acrescentando que isso impediu o movimento de matérias-primas necessárias na produção, incluindo folhas de coca e produtos químicos.
Um fazendeiro de coca recolhe folhas de coca em Guaviare, Colômbia. Crédito: Juan Manuel Barrero Bueno, c / o OCCRP
O maior cartel de exportação do país, no entanto, não parece ter sofrido. Membros do clã do Golfo da Colômbia disseram que puderam recorrer aos estoques guardados antes da pandemia, bem como folhas de coca de fazendas menores que ainda estão funcionando e não exigem uma grande força de trabalho.
O reduto do Clã do Golfo fica em Urabá, no noroeste da Colômbia, uma região estratégica com plantações de coca, laboratórios e portos de exportação. O grupo normalmente tem cerca de 40 a 45 toneladas de cocaína processada armazenada naquela área, cerca de dois meses de exportações, de acordo com um membro do Clã do Golfo, que pediu para ser identificado como “Raúl”. Ele se recusou a ser identificado porque isso o colocaria em perigo físico e legal.
“Sempre houve um estoque, é uma cadeia muito organizada. É a maneira de controlar tudo, especialmente o preço. Os estoques estão em praias como Tarena [perto da fronteira com o Panamá], plantações de banana, na selva. Os esconderijos estão por toda parte”, disse Raúl.
Um relatório de inteligência da Marinha colombiana de abril obtido pelo OCCRP também concluiu que os cartéis provavelmente estavam exportando cocaína armazenada antes da crise do COVID-19.
A marinha colombiana também descobriu que os produtores de cocaína se adaptaram facilmente aos desafios na movimentação de seus produtos. Os Estados Unidos, no norte, são o maior cliente individual.
Tradicionalmente, os contrabandistas usavam lanchas pequenas e muito rápidas, bem como embarcações de pesca e submarinos, para percorrer sua rota norte. Os bloqueios tornaram esses métodos mais difíceis de usar, principalmente por razões logísticas. Então, em vez disso, os contrabandistas estão voltando para rotas mais antigas e lentas, que geralmente são divididas em partes.
Com base em várias fontes no norte da Colômbia, incluindo Raúl e um plantador de coca, a OCCRP conseguiu traçar aproximadamente seis rotas novas ou revividas que se acredita serem atualmente usadas pelos traficantes. Isso inclui rotas para o Panamá através de áreas indígenas.
Membros do povo indígena Kuna estão trazendo drogas por terra, fazendo pequenos barcos subirem as águas costeiras. No Darien Gap, uma selva espessa e montanhosa na fronteira da Colômbia e Panamá, a cocaína está sendo transportada por caravanas de até duas dúzias de carregadores de mochila.
Credit: Elena Mitrevska, c/o OCCRP
As exportações para o outro maior mercado de cocaína do mundo, a Europa, sofreram ainda menos interrupções. Diferentemente das exportações para os Estados Unidos, a cocaína com destino à Europa normalmente é transportada em cargas aéreas e marítimas legais, especialmente junto a produtos frescos de movimento rápido, como flores e frutas. Este último, como alimento, continuou a se mover desimpedido durante a pandemia, ajudando a alimentar o hábito de cocaína da Europa, com 9,1 bilhões de euros por ano.
A indústria de banana da Colômbia, por exemplo, foi isenta de medidas locais de bloqueio, permitindo que a cocaína continue se movendo pela cadeia de suprimentos da colheita.
“[Qualquer pessoa] nas autoridades ou na segurança que se intromete nessa rota cai”, disse Rául, membro do Clã do Golfo, acrescentando que as pessoas que são pagas para facilitar o contrabando de cocaína têm um incentivo para manter as drogas fluindo.
“Todo mundo come”, disse ele.
A terceira principal rota de exportação da América do Sul – na qual cocaína da Colômbia, Peru e Bolívia é transportada por terra e depois enviada do outro lado do Atlântico a partir do porto brasileiro de Santos – ainda está em operação, disse Lincoln Gakyia, promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo encarregado de combater o crime organizado.
No México, os cartéis que controlam o tráfico para o norte nos Estados Unidos floresceram sob condições de bloqueio. As apreensões na fronteira dos EUA aumentaram mais de 12% nas duas semanas após a imposição das restrições de viagem, indicando tráfego intenso contínuo, segundo dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA.
Os traficantes de drogas “abandonaram o método tradicional de enviar remessas frequentes, porém pequenas, através da fronteira sudoeste, para remessas menos freqüentes, mas maiores”, disse a DEA em resposta às perguntas dos repórteres, acrescentando que não está claro se esse foi o resultado do COVID-19 ou outros fatores.
Os cartéis mexicanos usaram a crise como uma oportunidade de relações públicas. As pessoas associadas aos cartéis, incluindo a filha do chefe do cartel de Sinaloa, Joaquín “Guzmán, conhecido como El Chapo”, distribuíram publicamente alimentos e outros itens essenciais para os pobres.
Enquanto isso, a violência contra as drogas do país continua inabalável, com uma média de 80 vidas por dia.
“Eles podem estar dando compras para as amigas da mãe de Chapo, mas isso não significa que se importem com o bem do país”, disse Guillermo Valdés, ex-chefe da agência nacional de inteligência do México.
A Marinha da Colômbia mostra o resultado de uma apreensão de cocaína no Oceano Pacífico em 17 de abril de 2020. Crédito: Marinha da Colômbia, c / o OCCRP
Recordes de apreensões de drogas na Europa
Na Europa, a pandemia provocou um aumento nas grandes apreensões nos portos e acelerou uma tendência que está tornando a Espanha um ponto de entrada cada vez mais importante para o suprimento de cocaína no continente. Apesar de um grande número de apreensões, os traficantes de drogas na Europa não estão vendo grandes interrupções no fornecimento de cocaína.
Em março e abril, a Espanha apreendeu mais de 14 toneladas de cocaína em remessas de entrada – um número seis vezes maior que o mesmo período do ano anterior, disse Manuel Montesinos, vice-diretor de vigilância aduaneira da Agência Espanhola de Impostos.
“Estamos muito impressionados com o ritmo frenético”, disse Montesinos. “Quase todos os dias recebemos alertas de detecções de operações suspeitas.”
Em um exemplo, as autoridades espanholas apreenderam quatro toneladas de cocaína de um navio a cerca de 555 km da costa. O navio com bandeira do Togo era um navio de suprimento offshore, não projetado para uma viagem em alto mar. No entanto, o navio havia sido ancorado no Panamá pela última vez e navegou através do Atlântico, em direção à costa galega da Espanha, com 15 pessoas a bordo.
Pelo menos sete outras grandes remessas de mais de 100 kg foram apreendidas na Espanha, principalmente em frete de entrada. Quatro deles pesavam mais de uma tonelada.
Um homem adiciona cal às folhas de coca, juntamente com outros produtos químicos, para fazer pasta de coca em Guaviare, Colômbia. Crédito: Juan Manuel Barrero Bueno, c / o OCCRP
Ramón Santolaria, chefe de narcóticos da polícia nacional da Espanha na Catalunha, disse que os traficantes de cocaína podem ter assumido erroneamente que a pandemia reduziria o monitoramento nos portos.
Os cartéis “precisam continuar exportando”, afirmou Santolaria. “Eles são como uma empresa. Eles não podem armazenar tudo em seus países, pois seria muito arriscado.”
Enquanto os portos da Espanha tiveram um boom de cocaína, a Itália ficou em silêncio como ponto de chegada, apesar de abrigar grupos da máfia que dominam o comércio de cocaína na Europa.
As apreensões caíram 80% nos meses de março e abril em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com Riccardo Sciuto, diretor da Direção Central dos Serviços Antidroga (DCSA), a agência antidrogas da Itália.
A cocaína destinada ao mercado local agora está chegando por estrada do resto da Europa. “A Itália não recebeu muito via portos ou aeroportos e é porque durante o bloqueio os controlamos muito”, disse Marco Sorrentino, chefe do departamento anti-máfia da polícia financeira da Itália, a Guardia di Finanza.
Grupos criminosos italianos transferiram suas operações para a Espanha, onde possuem grandes “colônias”, segundo Sorrentino.
“As máfias italianas e seus parceiros enviaram cocaína principalmente para Algeciras ou Barcelona, e de lá a transportaram sobre rodas para o resto da Europa e para a Itália”, disse ele. “Como cobertura, eles usavam caminhões cheios de frutas frescas ou também farinha de soja”, que se assemelha a cocaína.
Nos grandes portos do norte da Europa de Roterdã, na Holanda, e Antuérpia, na Bélgica, a cocaína continua chegando como antes, escondida em remessas de bens de consumo legais, segundo as autoridades locais.
“Não vamos ter ilusões, os criminosos continuarão sem piedade”, disse Fred Westerbeke, chefe de polícia de Roterdã.
“Vemos ainda mais atividade no porto. Nas últimas semanas, prendemos muitas pessoas que esvaziam os contêineres onde as drogas estão ocultas”, disse ele, acrescentando que houve mais de 40 prisões desde que os bloqueios entraram em vigor.
Talvez como resposta ao aumento das apreensões, o preço de venda da cocaína tenha aumentado de 20 a 30% durante o período de bloqueio, de meados de fevereiro até o final de abril, em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Sciuto da DCSA. Seis meses atrás, grupos criminosos na Europa pagavam de 25.000 a 27.000 euros por um quilo de cocaína; agora eles desembolsam entre 35 mil e 37 mil euros, disse ele, acrescentando que a polícia espanhola notou a mesma tendência.
Credit: Elena Mitrevska, c/o OCCRP
Disque drogas em tempos de pandemia e a Dark Web
Nas ruas, os bloqueios causaram estragos nas vendas de cocaína – mas também não conseguiram parar o comércio. Mas, em alguns casos, pelo menos, as adaptações dos traficantes podem realmente colocá-los em uma posição mais lucrativa do que antes, pois os usuários de cocaína estão desesperados e confinados em casa.
“Embora não faltem produtos, aumentaram um pouco os preços e estão reduzindo mais”, disse Sorrentino, da Guardia di Finanza, da Itália, referindo-se ao processo de diluição da cocaína com substâncias mais baratas.
Os traficantes de cocaína e usuários regulares em Roma disseram que demorou várias semanas para que novos métodos de distribuição entrassem em vigor depois que medidas rigorosas de bloqueio tornaram o comércio regular muito arriscado.
A solução? Entregá-lo aos clientes sob a forma de pedidos de alimentos ou transportados por trabalhadores essenciais, carregando documentos que lhes dão permissão para circular livremente. Os revendedores também mantiveram posições em filas socialmente distanciadas fora dos supermercados – um dos únicos lugares permitidos para se reunir em público sob as rígidas regras de bloqueio da Itália, que começaram a diminuir no início de maio.
As restrições de bloqueio também levaram a um aumento no comércio pela dark web, parte da internet que não é visível aos mecanismos de pesquisa e deve ser acessada usando um software especial que oculta as identidades dos usuários.
“Vimos um aumento da dark web sendo usado também na Itália e existe a regra da ‘coronasale’ – descontos para a pandemia do COVID-19”, explicou Sorrentino, acrescentando que as grandes quantidades oferecidas indicaram que os descontos eram destinado a revendedores e não a usuários individuais.
As mãos de um apanhador de folhas de coca em Guaviare, Colômbia. Crédito: Juan Manuel Barrero Bueno, c / o OCCRP
As propagandas de “cocaína colombiana” aumentaram junto com o número de vendedores nos dois mercados, onde os traficantes oferecem um grama de 80% de cocaína pura por US $ 80. O preço de um grama é o mesmo, mas a pureza tende a ser muito menor.
Muitos clientes pareciam satisfeitos: “Excelente serviço em tempos difíceis”, escreveu um deles.
Os principais mercados da Dark Web registraram um aumento nas vendas de aproximadamente 30% desde que as medidas de bloqueio começaram a entrar em vigor em todo o mundo, mas não é possível identificar a origem dos vendedores, de acordo com Giovanni Reccia, chefe da Unidade Especial de Prevenção de Crimes Online da Guardia di Finanza da Itália. A maioria deles declara estar sediada na Holanda, Alemanha e Reino Unido.
Assim como antes da crise, a cocaína representava cerca de 15% de todas as vendas de drogas da Dark Web, atrás da maconha, que possui um quarto do mercado on-line de drogas ilegais.
O resultado do comércio contínuo de cocaína, segundo Sorrentino, da Guardia Finanza, é que os grupos do crime organizado provavelmente sairão da crise com muito dinheiro em uma economia onde muitos outros estão lutando para sobreviver.
“Cidadãos particulares que precisam e não têm acesso a um empréstimo bancário serão vítimas de agiotas”, disse ele. “Mas o que mais nos preocupa é que as empresas lícitas possam estar em necessidade e ser abordadas por organizações da máfia que se propõem a se tornar acionistas minoritários”.
“E quando isso acontece, eles realmente assumem a empresa inteira”, alertou Sorrentino.
O artigo original da OCCRP foi escrito por Cecilia Anesi, Giulio Rubino, Nathan Jaccard, Antonio Baquero, Lilia Saúl Rodríguez, Aubrey Belford; com reportagem adicional de Koen Voskuil, Raffaele Angius, Bibiana Ramirez, Juan Diego Restrepo E. e Luis Adorno. Esta história foi feita em colaboração com o jornal Algemeen Dagblad, na Holanda, e o VerdadAbierta.com, na Colômbia.
O que o Google Trends 2019 pode nos dizer sobre as mudanças pelas quais passou o Primeiro Comando da Capital no Brasil de Bolsonaro?
A facção PCC 1533 na era Bolsonaro
Se até 2018 não se podia falar em “crime organizado” sem mencionar a facção PCC 1533, neste ano ela ficou somente em 14º lugar entre os “principais assuntos relacionados” e sequer apareceu no quadro das “principais pesquisas relacionadas”.
Além disso, os usuários do Google, pela primeira vez, não vincularam o nome da facção paulista ao termo “organização criminosa” ― em 2018 o PCC estava em 16º lugar nos “principais assuntos relacionados”.
Nada acontece por acaso, e essa invisibilidade e desinteresse do usuário do Google é consequência do amadurecimento da organização e da ascensão ao poder do presidente Jair Bolsonaro e do fortalecimento das milícias pelo Brasil.
Bolsonaro e Wilson Witzel enfraqueceram a facção carioca Comando Vermelho (CV), e com isso a facção paulista Primeiro Comando da Capital pôde se dedicar aos negócios longe dos holofotes midiáticos.
As cruéis execuções que ocorreram corriqueiramente até 2018, tanto nas ruas quanto dentro dos presídios, quase que desapareceram dos noticiários e das redes sociais, tendo sido substituídas pela “violência policial”.
O PCC e seu aliado carioca, o Terceiro Comando Puro (TCP), teriam fechado acordos com grupos milicianos evitando o confronto direto com seus inimigos, que passaram a morrer em “confronto com a polícia”, diminuindo a atenção pública sobre a organização criminosa.
O crime organizado estaria ainda mais organizado: agora passa a utilizar as forças de segurança do Estado.
A forma como se faz a consulta reflete o tipo de usuário: se o termo completo é, por um lado, mais utilizado por profissionais como jornalistas, pesquisadores ou agentes públicos, por outro, os termos curtos são buscados pela garotada.
A garotada quer saber sobre “frases do PCC” ou “o que significa 1533”e navegar pelas imagens dos símbolos; já os que pesquisam pelo nome completo buscam informações sobre o Estatuto, Marcola e o Comando Vermelho.
As principais perguntas feitas na rede mundial sobre o PCC 1533 foram: “quando surgiu?”, “qual é o lema?” e “qual é a maior facção criminosa do Brasil?”.
As pesquisas por imagens da facção utilizando-se o Coringa superaram Yin Yang (Town & Country), Marcola, carpa e Bob Marley somados, só ficando atrás do “palhaço” (não obrigatoriamente o Coringa) ― consequência do filme lançado em 2019.
Segundo o Google, outras pesquisas relacionadas à facção são: favelas, penitenciária, grupo musical Facção Central, arma, mal e, por incrível que pareça, curriculum vitae.
A falta de ações espetaculares derrubou o interesse pela organização criminosa no exterior, que passou quase despercebida. As principais pesquisa foram feitas em Portugal, Taiwan, Países Baixos, Argentina e Itália.
Em língua espanhola se consolidou “Primer Comando Capital”, sendo o termo “Primer Comando de la Capital” utilizado apenas raramente na Argentina. Os países onde houve mais buscas foram: Uruguai, Paraguai, Argentina, Peru e Chile.
Assim como no Brasil, a facção também foi utilizada como ferramenta em campanha política, como demonstra os dados do Trends: o Uruguai alcançou 100 pontos em 2019, enquanto que no restante da década a média foi inferior a 1 ponto.
Em inglês, as pesquisas têm duas origens: Inglaterra e Estados Unidos. Sendo que na terra da Rainha todas as pesquisas utilizam o termo “First Capital Command”, enquanto que nos EUA 57% delas seguem a grafia “First Command of the Capital”.
Imagens mais buscadas 2019: “PCC 1533”
A facção PCC 1533 nos estados
Historicamente Alagoas é o estado em que mais se pesquisa a respeito do termo “Primeiro Comando da Capital”, e neste ano não foi diferente, mas o que salta aos olhos é o aumento que se deu nas pesquisas vindas do Distrito Federal, do Espírito Santo e do Maranhão.
Se na maioria dos estados da federação não houve alteração significativa de interesse a respeito da facção, nos estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Norte as buscas caíram pela metade.
Agradecimento aos mais de 130.000 visitantes que nos prestigiaram em 2019 com 265.000 visualizações.
É por isso que foram ótimas notícias quando o Ministro da Justiça anunciou recentemente que a taxa de homicídios caiu mais de 20% em 2019 em comparação com o mesmo período do ano passado.
O que ele não mencionou, no entanto, foi que a taxa de homicídios no país vinha caindo continuamente desde o início de 2018, muito antes da eleição do presidente de Jair Bolsonaro.
Embora Bolsonaro e seus seguidores tenham tentado “apropriar-se” de melhorias recentes na segurança pública, a diminuição de assassinatos tem pouco a ver com seus esforços.
Antes de tudo, é importante lembrar que 2017 foi um annus horribilis no Brasil, uma orgia de violência letal. Mais pessoas foram violentamente assassinadas – quase 64.000 – do que em qualquer outro momento da história da nação.
A violência é uma instituição tão natural como a própria vida humana. Decorre do nosso instinto de sobrevivência, sendo o grande motivo para o homem ter dominado a natureza. Mas essa afirmação não pretende trazer glamour à violência.
Talvez no último estágio da existência humana, a evolução definitiva seja exatamente vencer o instinto natural que nos propala a nos destruirmos mutuamente.
Segundo: ações da gestão anterior de combate ao crime
Um conjunto de medidas implantadas durante a administração do presidente Michel Temer em 2017 e 2018 também pode ter desempenhado um papel na redução de assassinatos. Isso inclui melhorias na coordenação e gestão das forças policiais e o aprimoramento das capacidades de investigação nos níveis nacional e estadual.
As autoridades federais também começaram a separar ativamente os líderes das facções violentas de outros prisioneiros nas prisões estaduais. Operações policiais militares e federais em larga escala foram lançadas em alguns estados para aplacar a violência urbana. Mesmo assim, essas medidas não devem ser exageradas: as taxas de homicídios também começaram a cair em estados como Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que não receberam muita atenção federal.
Terceiro: programas estaduais de treinamento e gestão
Possivelmente mais importante para a redução da taxa de homicídios foram os vários programas e projetos de segurança pública foram lançados pelos estados brasileiros muito antes da eleição presidencial de 2018, como o trabalho policial orientado a problemas e medidas de prevenção social em lugares como Ceará, Espírito Santo, Pará e Pernambuco.
Essas intervenções focaram na melhoria do treinamento policial, concentrando os recursos policiais nas áreas mais pobres e a participação das comunidades locais mais diretamente no planejamento e execução da segurança. Além disso, controles mais rigorosos foram impostos em algumas prisões estaduais, embora isso não tenha impedido massacres em 2019 em algumas partes do país.
Fatores estruturais, como mudanças na economia e demografia do Brasil influíram no resultado: é concebível que a desaceleração da economia brasileira entre 2014 e 2016 possa ter aumentado os crimes contra a propriedade, enquanto melhorias marginais desde 2018 contribuíram para sua redução.
Enquanto isso, a redução de longo prazo na população jovem do país – mais de 12% desde 2000 – também pode desempenhar um papel. Embora esses e outros fatores possam ter contribuído em graus variados, é necessário um estudo mais aprofundado para entender melhor sua influência específica.
O Brasil ainda é o país mais violento do mundo
A redução contínua de homicídios em 2019, embora sem dúvida positiva, tenha sido precificada. Embora os níveis gerais de homicídios tenham diminuído nos últimos vinte meses, os assassinatos policiais aumentaram 23% em 2019, um recorde.
Embora as taxas de homicídios tenham caído, o Brasil ainda tem um recorde de homicídios em 2019. O Ministro da Justiça informou que houve “apenas” 21.289 assassinatos nos primeiros seis meses do ano. Isso se compara a 27.371 pela mesma época do ano passado, de acordo com o Violence Monitor.
Embora as reduções de homicídios tenham sido registradas em todo o país, a maior redução foi no Nordeste, onde a violência entre facções disparou nos últimos anos. Não se engane: o Brasil ainda é o país mais violento do mundo e, de longe.
A forte retórica contra o governo Bolsonaro, com mão dura contra o crime, incentivou a polícia a usar força letal excessiva.
A lei é: Cinco tem que morrer para cada policial morto
A polícia brasileira matou 6.220 cidadãos em todo o país em 2018, em comparação com 5.179 em 2017. Desde que Wilson Witzel, governador do Rio, lançou sua “guerra ao crime” em 2019, os assassinatos da polícia aumentaram para níveis não observados desde o final dos anos 90, com pelo menos 1.075 vítimas registradas nos primeiros sete meses do ano, seu ponto mais alto em 20 anos.
Pelo menos 120 franco-atiradores foram implantados em toda a região metropolitana, com ordens para atirar em qualquer um que esteja armado, sem fazer perguntas. De fato, ao considerar os assassinatos policiais, a “redução” de homicídios no Rio foi de apenas 1% no ano.
Quando os mesmos policiais morrem em um confronto, a violência em represálias também aumenta. Havia 343 policiais mortos em serviço e fora de serviço em 2018, 87 em serviço e 256 fora de serviço.
Isso se compara a 373 policiais mortos em 2017. Um estudo do Rio de Janeiro descobriu que um assassinato policial poderia aumentar as mortes de civis cinco vezes na área no mês seguinte. Uma análise do Ministério Público, da Polícia Civil e dos dados do ISP no Rio detectou um aumento de 70% nas mortes por armas de fogo cometidas pela polícia em áreas onde um policial havia sido morto.
No pequeno estado de Santa Catarina, por exemplo, uma nova arma de fogo era registrada a cada 35 minutos em 2019. Isso é perigoso em um país onde quase três quartos de todas as mortes já envolvem uma arma de fogo.
O trabalho duro da polícia pode gerar um efeito temporário de “esfriamento” em crimes violentos. Porém, estudos de intervenções duras na América Latina indicam que esses impactos tendem a ser transitórios e de curta duração. Eles também são frequentemente seguidos por um aumento da violência letal, enquanto as facções adotam táticas cada vez mais violentas em resposta.
Eles não são apenas dolorosamente ineficazes a médio prazo, mas são economicamente ineficientes. Com a economia do Brasil em dificuldades e o país enfrentando austeridade, isso é algo que o governo deve pensar.
A transferência de Marcola para uma prisão federal e a análise comparativa sobre o PCC e sua evolução em relação às principais organizações criminosas latino-americanas.
Facção PCC 1533: estará ativo o salve geral do apocalipse?
Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola do PCC, foi transferido para um presídio federal. E agora? O que se pode esperar como resultado disso? Haverá represálias por parte de integrantes da facção?
Há alguns anos, o Apocalipse foi previsto. Não pelos profetas de Israel ou pelos apóstolos cristãos, mas pelos líderes da Família 1533, prisioneiros da P2 de Presidente Venceslau – e já se vão mais de cinco anos…
O fim do mundo planejado pelos chefes do Primeiro Comando da Capital se daria no exato momento em que Marcola, o líder maior da facção, fosse impedido de sair do encarceramento após cumprir o seu tempo normal de prisão.
Aconteceu com Gegê do Mangue e teria que acontecer com Marcola
Rogério Jeremias Simone, o Gegê do Mangue, acabou saindo pela porta da frente do presídio, dentro das normas legais, e assim também se esperava que acontecesse com Marcola. Contudo, temia-se que a Justiça encontrasse subterfúgios para mantê-lo preso.
A prorrogação do período de prisão de Marcola seria o gatilho do Apocalipse: ataques à ordem pública e às forças de segurança, que, diferentemente de 2006, em que estiveram à frente dos ataques os crias do 15, esses seriam orquestrados pelos profissionais da facção.
O tempo passou, e cada vez menos se ouvia falar dentro da facção sobre o Apocalipse, afinal outras condenações estavam a caminho de Marcola, que não mais contava com a saída a curto prazo. Assim, um novo gatilho foi criado: a transferência de Marcola para a federal.
Princípio básico da ação policial: uso progressivo da força
Até hoje, os governos paulistas utilizaram a técnica de endurecimento paulatino para a retomada do controle do sistema carcerário, algo assim como quando se coloca uma rã na água e esta é colocada em fogo brando, e ela assim, vai se deixando ficar até morrer.
Hoje, a revista das visitas nos presídios é feita através de sistemas eletrônicos, e o serviço de inteligência das Secretarias de Segurança e da Administração Penitenciária (SASP), assim como a Promotoria Pública de São Paulo (MP-SP), têm conseguido interceptar e bloquear as comunicações dos presos.
O governo do Ceará, logo no começo da mais recente administração, optou por quebrar a ideologia de paulatinidade no endurecimento do tratamento dado aos prisioneiro — deu no que deu, e foi necessário o envio de forças federais para o estado.
Ao escolher agir de forma abrupta e não seguir com um processo gradual, o governo João Dória abandonou o bom senso e escolheu o caminho mais perigoso e ao alertar a rã a colocou em movimento.
O recado no entanto foi mandado.
Transferir Marcola para um presídio federal é um fato histórico e uma aposta do governador João Dória que tem poucas chances de não lhe ser vantajosa politicamente:
se houver reação por parte dos facciosos, ele ganhará com o aumento do medo da população que reforçará sua estratégia de combate rígido às organizações criminosas.
se não houver uma reação dos criminosos, ele terá demonstrado que venceu a facção criminosa ao enfrentá-la de frente, o que os seus antecessores não tiveram coragem ou falta de senso de fazer.
Dentro da facção, não se acreditava que João Dória, assim como seus antecessores, resolveria arriscar o embate, pois o número de mortos entre os agentes públicos e as ações de terror desgastariam o governo.
O erro de cálculo dos faccionados se deu ao acreditar que o governador estaria preocupado com a vida dos policiais e seus familiares, que ao contrário do salve de 2006, também seriam alvo no Apocalipse, no entanto…
Um novo tempo, um novo Primeiro Comando da Capital
Já se vão mais de cinco anos desde que o Apocalipse foi planejado. O mundo e a facção não são mais os mesmos, contudo, a imagem que a população tem do que é uma facção criminosa pode não ter acompanhado essa evolução.
Se aproveitando da ingenuidade da maioria, políticos e parte da imprensa vendem soluções se coadunam com o imaginário popular, como a política de aprisionamento e a transferência das lideranças criminosas para os presídios federais.
No entanto, hoje, o Primeiro Comando da Capital é uma organização mais horizontal e formada por subgrupos que não terão sua vida alterada pelo envio de Marcola e outros líderes para fora do estado e sua colocação no regime disciplinar diferenciado.
A estrutura da organização criminosa dentro e fora dos presídios continua existindo e me parece natural que haverá uma disputa interna para ocupar o lugar dessas lideranças que conseguimos isolar nos presídios federais. Não tenho nenhuma esperança que o PCC acabou
Nesse novo horizonte, o Apocalipse passou a ser apenas uma opção. Se será colocada em marcha ou não, será uma decisão tomada levando em conta os interesses políticos, econômicos e sociais da maioria dos integrantes da facção.
Será que justamente no momento em que se está sendo colocado em pauta uma nova legislação penal seria interessante para o mundo do crime uma onda de atentados?
A mim parece claro. A facção Primeiro Comando da Capital retaliará apesar de não ser a melhor solução técnica, pois assim como João Dória, sabe que deve agir pensando em sua platéia mesmo que seus homens sejam mortos.
A questão não é se, mas sim quando e se estamos preparados para contar os mortos e o prejuízo, mas o importante é que o governador cumpriu sua promessa de campanha.
Todo cuidado é pouco quando se mexe com a Família 15
Esperando uma possível onda de ataques o governo do estado de São Paulo colocou em prontidão 100 mil policiais militares e o governo federal autorizou a utilização da Força Nacional para guardar os presídios federais de: Brasília, Porto Velho (RO) e Mossoró (RN).
Apesar de Marcola e os demais líderes transferidos terem deixado de ser uma peças fundamentais para o bom funcionamento da facção os faccionados podem optar pela retaliação para impedir que outras medidas venham a ser implementadas.
Esperando uma possível onda de ataques o governo de São Paulo colocou em prontidão 100 mil policiais militares e fez operações em 3.300 pontos em todo o estado.
O governo federal autorizou a utilização da Força Nacional para guardar os presídio federal de Brasília e efetivos das forças armadas para guardarem o entorno dos presídios federais de Porto Velho (RO) e Mossoró (RN).
PCC o “vencedor” do crime na América Latina (GameChangers 2018)
Os especialistas em crimes transnacionais do site InSight Crime, Jeremy McDermott, Mimi Yagoub, Victoria Dittmar e Mike LaSusa, analisaram as principais organizações criminosas que se fortaleceram em 2018 e ranquearam, após investigarem as estratégias e a virulência de sua expansão territorial e econômica durante o ano, sua capacidade de resistir às investidas das forças públicas e sua capacidade de domínio fora de suas fronteiras.
O Primeiro Comando da Capital, segundo esses especialistas é a que melhor resultado teve, ficando à frente do Exército de Libertação Nacional (ELN)da Colômbia e do Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG) do México. Essa resiliência se deve à adaptação às novas realidades e ao uso racional da força, por isso não houve nenhuma reação imediata à transferência de sua lideranças.
Embora a tendência geral durante a última década na América Latina tenha sido a fragmentação de estruturas criminosas, três grupos quebraram esse paradigma e ganharam grande visibilidade, crescendo em número e influência territorial dentro e fora das fronteiras de seus países.
Enquanto muitos criminosos buscavam agir nas sombras, atuando em operações cada vez mais longes dos olhos do público, esses grupos foram para as ruas e apresentaram-se abertamente como organizações criminosas.
A exposição pública de sua força e marca são o segredo de seu sucesso? Ou será que a atenção que as facções estão atraindo com suas ações resultará na fúria e no poder de repressão das autoridades nacionais e internacionais, motivando sua fragmentação e desaparecimento definitivo?
Primeiro Comando da Capital (Primeiro Comando da Capital – PCC)
A gangue prisional mais poderosa do Brasil em 2018, se aproveitou a total falta de vontade política para enfrentá-la:um governo fraco, paralisado e aparentemente corrupto do presidente Michel Temer gastou seu limitado capital político simplesmente agarrando-se ao poder. Foi nesse ambiente que o então candidato Jair Bolsonaro, um extremista em questões de segurança, concorreu e ganhou as eleições para presidente da República de 2018.
O PCC passou vários anos em expansão, mas em 2018 houve uma aceleração de seu crescimento, e sua estrutura estava muito mais coesa do que as estimativas levavam a crer: com operações agressivas no Paraguai e na Bolívia, e tentáculos que alcançam Colômbia, Argentina, Uruguai e Venezuela. A participação da quadrilha no comércio internacional de cocaína também revela uma capacidade de obter maiores lucros e se expandir para fora da América do Sul.
Um dos fatores que teriam influenciado o crescimento acelerado da facção seria a quebra, em 2016, da aliança que havia firmado com o Comando Vermelho (CV). Seu fortalecimento permitiu que a organização carioca fosse enfrentada, e esse enfrentamento não só não a enfraqueceu como levou o PCC ao domínio tanto de fontes primárias quanto de rotas.
Arquivos apreendidos pelas autoridades em 2018 elucidam fontes de renda, táticas de lavagem de dinheiro e aumento de recrutas do PCC. Os documentos indicaram que a receita anual do grupo pode chegar a US $ 200 milhões. De acordo com os arquvios, os membros do PCC pagam uma taxa de afiliação de até R$ 950,00 por mês, que é usada principalmente para manter os membros do grupo que estão na prisão.
A expansão do PCC no exterior tem sido mais evidente no Paraguai. O crescimento nesse país e a vontade do grupo para agir em desafio aberto a qualquer resposta paraguaia ficaram claros após o assalto cinematográfico na sede da Prosegur, uma empresa de carros blindados em Ciudad del Este. Com precisão militar, 60 homens armados explodiram as portas da sede da empresa e pacificamente levaram US$ 11,7 milhões, passaram em carreata atirando para em direção à fronteira e terminaram a fuga em barcos pelo rio Paraná em direção ao Brasil.
Desde então, as raízes do PCC no Paraguai, principal produtor de maconha na América do Sul e paraíso dos contrabandistas, se tornaram arraigadas e disseminadas. Acredita-se que o PCC agora domine a cidade fronteiriça paraguaia de Pedro Juan Caballero, onde exerce o controle total dos negócios de maconha e cocaína que passam por lá.
Todas as organizações criminosas brasileiras querem acesso à farta produção de cocaína colombiana e peruana, tanto para abastecer o mercado interno quanto para baratear o preço de venda e para conseguirem se inserir no comércio internacional de drogas — o que só é possível com o controle de custo, pegando a mercadoria direto do fornecedor externo.
A presença do PCC na zona trilateral, entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, outro país produtor de cocaína, intensificou-se nos últimos anos, muitas vezes acompanhada de massacres e extrema violência. A Bolívia não foi isenta de uma dinâmica semelhante, embora em 2018 fosse o Comando Vermelho, mais do que o PCC, que tinha uma presença mais óbvia naquele país .
A Venezuela, com corrupção generalizada e fracasso econômico, tornou-se uma fonte de armas para grupos criminosos, e o PCC procurou estocar armas pesadas para lá.
Embora alguns dos principais líderes do PCC tenham morrido, o grupo conseguiu manter sua direção e controle graças a sua estrutura de atuação, que mais se parece como uma franquia com um conselho de administração do que com uma estrutura verticalmente integrada. Esse conselho de diretores é conhecido como “Sintonia Geral Final”, e é formado por cerca de oito a dez membros, e seriam eles quem tomariam as decisões mais importantes sobre estratégia e diretrizes gerais para as atividades dos membros do PCC.
Ironicamente, a eleição de Bolsonaro pode ser um estímulo para o PCC, sem dúvida, em termos de recrutas, porque estão previstos mais confrontos e prisões de membros, segundo a retórica de campanha do presidente.
Especificamente, o motor de crescimento do PCC são as prisões. As prisões são os lugares onde o PCC ancora sua base e cria sua força e suas bases sociais. Quanto mais a política de aprisionamento for promovida como uma resposta à violência, mais o PCC será fortalecido e expandido. Paradoxalmente, o estado acaba atuando para fornecer mais membros ao PCC.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos, e segue de perto os Estados Unidos e a China, ambos com populações totais muito maiores. E esse número parece destinado a crescer durante o ano de 2019.
É opinião do InSight Crime que o PCC em breve se tornará uma das estruturas criminais mais importantes do continente americano, juntando-se aos colombianos e aos mexicanos. A expansão futura, especialmente no nível transnacional, dependerá de quanto o PCC está envolvido no negócio da cocaína, aproveitando a posição do Brasil como uma das principais pontes de tráfico da droga para a Europa e além.
“O PCC está no Brasil, Bolívia, Paraguai e está entrando no Uruguai e na Argentina. Eles vão nessa direção. Existe um vácuo e eles vão se expandir e expandir. E dominar “.
O que os usuários do Google interessados na facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) buscaram em 2018 e o que podemos concluir destes resultados.
O Primeiro Comando da Capital prossegue firme e forte
Apesar do grande esforço da mídia, dos órgãos de segurança e dos políticos durante a campanha eleitoral, a facção PCC 1533 se manteve exatamente dentro de sua média histórica na década – 31 pontos:
PCC
CV
FDN
2018
31
13
10
2017
ano atípico
2016
32
13
6
2015
34
12
6
2014
46
16
2
2013
36
12
–
2012
29
5
–
2011
18
14
–
2010
22
6
–
Durante 2017 houve as grandes chacinas dentro do sistema prisional que se iniciaram com o ataque perpetuado pela facção Família do Norte (FDN) em Compaj,no Amazonas, culminando com a guerra dentro da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, e batalhas e assassinatos em carceragens por todo o país subvertendo o resultado, por essa razão optei por excluir os números desse ano na tabela.
Em 2018 os usuários do Google continuaram relacionando apenas o Primeiro Comando da Capital ao termo “Crime Organizado”; não por menos, este ano se aprofundou o racha dentro Família do Norte, e o Comando Vermelho (CV)perdeu espaço com a intervenção militar no Rio de Janeiro – E aí 2, valeu ostentar os pesadões nas biqueiras?
Os usuários do Google deixaram de referenciar as facções criminosas cariocas Comando Vermelho e Amigo dos Amigos (ADA) ao termo “facção criminosa”, o que pode estar refletindo perda de importância desses dois grupos após a intervenção federal no Rio e a guerra pelo domínio da favela da Rocinha:
Termo: “facção criminosa”
2018
2017
Primeiro Comando da Capital
11
12
Família do Norte
–
7
Comando Vermelho
1
5
Amigo dos Amigos
–
2
Primeiro Grupo Catarinense
–
2
Terceiro Comando Puro
1
–
O interesse do internauta reflete o poder midiático das facções
As facções criminosas no Brasil se dividem em nacionais, regionais e locais. As facções nacionais PCC, CV e FDN mantêm rotas de importação e exportação e abastecem as facções regionais e locais com armas e drogas.
Os números do Trends 2018 confirmam a previsão de Camila Nunes Dias de que a hegemonia da facção paulista nas prisões se refletiria nas ruas, afinal imagem é tudo. Os garotos querem pertencer a um grupo de sucesso e a pouca pesquisa das outras facções nacionais demonstram que está havendo a quebra do interesse por elas, inclusive nas quebradas onde suas crias são captadas.
O Rio de Janeiro continua lindo, mas não tão amigo
A surpresa dos números do Trends 2018 se deu pela desimportância atribuída pelo internauta ao Comando Vermelho enquanto facção criminosa, que passou a ter tanta relevância na rede quanto o Terceiro Comando Puro (TCP), outra facção regional aliada do Primeiro Comando da Capital que sequer apareceu no Trends 2017.
A expectativa de crescimento da facção Amigo dos Amigos, outra aliada regional do PCC no Rio de Janeiro, não se concretizou; ao contrário, devido ao apoio dado pelas forças de segurança para as milícias, somado à batalhas nos morros contra as facções inimigas em 2018.
A utilização dos braços regionais permitiu ao PCC ser ignorado pelo carioca que pesquisa “facção criminosa”, mas os dois aliados regionais da facção, pela primeira vez, superaram individualmente o Comando Vermelho:
Terceiro Comando Puro
78
Amigo dos Amigos
50
Comando Vermelho
43
Primeiro Comando da Capital
21
Os usuários perderam interesse na facção inimiga Primeiro Grupo Catarinense (PGC) que chegou a aparecer na listagem de 2017, quando a facção capixaba que tentou barrar o Primeiro Comando da Capital, que buscava garantir o livre trânsito dos insumos oriundos do Paraguai, criar novas rotas alternativas para a exportação pelos portos de Santa Catarina e dominar os presídios.
O internauta que se interessou em pesquisar sobre o PCC em 2019 queria saber mais a respeito do seu líder, do funcionamento do grupo criminoso e sobre os principais inimigos da facção.
Assim como no ano anterior, as pesquisas feitas por meio das palavras “homicídio”, “roubo”, “assalto”, “insegurança”, “assassinato”, “morte” não foram vinculadas ao PCC ou ao crime organizado, mas…
… diferentemente de 2017, o Primeiro Comando da Capital deixou também de ser uma referência nas pesquisas feitas sobre os termos “sistema prisional” e “sistema carcerário”, refletindo a pacificação imposta pela facção sobre as trancas sob seu domínio, a separação mais criteriosa feita pelos agentes públicos e o acordo tácito com as facções inimigas.
Pelo segundo ano consecutivo, o grupo musical Facção Central supera os Racionais MC’s e Mc Zóio de Gato nas pesquisas feitas pelos usuários.
A imprensa e a facção PCC
Nenhum órgão de imprensa se destacou esse ano, em oposição ao que aconteceu em de 2017, quando a UOL chegou a ser citada como referência de busca para questões sobre a facção criminosa paulista.
A pesquisa pela facção por estado da federação
Os sul-matogrossenses, que sequer pesquisavam sobre o termo “Primeiro Comando da Capital” em 2017, passaram a liderar como os usuários que mais procuram sobre o tema. Além das ações policiais tentando desarticular o braço da Rota Caipira que passa por lá, também houve destaque nas mídias das ligações da facção paulista com as forças policiais, que chegavam a disponibilizar escolta com viaturas oficiais para caminhões com contrabando de cigarros.
O Ceará manteve a posição de destaque devido à guerra entre facções que ainda impera por lá, onde o Primeiro Comando da Capital e seu aliado Guardiões do Estado (GDE) disputam palmo a palmo os corações e as almas dos jovens nas periferias.
Mato Grosso do Sul
100
Ceará
77
São Paulo
55
Alagoas
46
Bahia
29
Pará
29
Amazonas
28
Goiás
27
Santa Catarina
26
Maranhão
23
Paraíba
23
Minas Gerais
21
Paraná
21
Mato Grosso
20
Rio Grande do Norte
20
Distrito Federal
18
Espírito Santo
17
Rio de Janeiro
17
Pernambuco
16
Rio Grande do Sul
8
Os estados do Acre, Maranhão, Piauí, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Tocantins, devido à baixa taxa de acesso à rede, não tiveram relevância na pontuação, por isso ficaram de fora da listagem. No entanto, o Alagoas teve um número significativo de pesquisas pelos termos “facção PPC” e “PCC 1533″.
O nome da facção paulista no Brasil e no mundo
O termo “Primeiro Comando da Capital” se tornou mais homogêneo, sendo preferido pela metade dos usuários em todas as regiões do país, ao contrário de 2017, quando os termos “Facção PCC” e “PCC 1533” tinham o mesmo índice de busca.
A tendência entre os povos de língua espanhola segue no caminho da unificação do termo para “Primer Comando Capital” em vez de “Primer Comando de la Capital”, que hoje só é predominante na Colômbia e ocasionalmente na Argentina e no Chile.
As nações latinas que mais buscam informações sobre o grupo criminoso foram: Paraguai (100), Bolívia (24), Argentina (5) e Colômbia (?).
A busca pelos termos em inglês “First Commander of the Capital” e “First Capital Commander” não tiveram relevância em 2018, esse segundo ainda foi consultado com alguma frequência este ano no Reino Unido e no ano passado na Dinamarca.
No exterior as pesquisas pelo termo em português “Primeiro Comando da Capital” foram feitas em 2018 principalmente em Portugal, Países Baixos, Taiwan e Itália. A surpresa ficou por conta da entrada na lista do país asiático que desbancou a tradicional Argentina.
A vida não é difícil e nem fácil, mas é cheia de regras que precisam ser seguidas para se caminhar em paz. Isso vale para mim, para você, para os crias do 15 e para a população das comunidades da periferia, mas para os que seguem as regras está suave.
É a lei do certo pelo certo e o que é errado será cobrado.
Toda vez que vou à região do Jaraguá na Zona Norte de São Paulo eu me perco. Por isso planejo cada passo antes de sair:
“… chegando na pracinha ‘que dá pros’ predinhosdeixo o carro, vou o resto do caminho a pé, encontro o aliado, entro e saio da comunidade (um pé lá e um pé cá) – simples assim.”
Já estava escurecendo quando cheguei. Havia um grupo de garotos tomando cerveja próximo de onde eu havia planejado deixar o carro. De boa, quem não é visto não é lembrado, e se eu deixasse o carro ali toda viatura que passasse iria consultar a placa – melhor não.
Rodei mais dois quarteirões e parei na Lourenço Matielli, ali ninguém botaria reparo na placa de fora.
Deixei o carro, segui a pé até a entrada da comunidade onde o aliado estava me esperando, e entramos na comunidade.
Ao contornar o campinho, escorreguei em uma tábua molhada: ninguém riu, ninguém ajudou, ninguém disse nada – me levantei, seguimos e resolvemos a parada.
Eu só estava lá de passagem, jogo rápido, mas o aliado aconselhou que eu ficasse ali até seus familiares irem para o culto. O clima estava pesado e não dava para sair de lá sem trombar com alguma viatura, e eu sendo de fora de certo seria parado.
Não carregava nenhum bagulho comigo, mas regras são regras, e é melhor não dar sorte para o azar. Normas de conduta existem para serem seguidas, elas garantem a paz na comunidade e a segurança de todos.
A quebrada estava molhada, e desde que começaram a procurar Amanda qualquer deslize poderia entornar o caldo.
Era polícia para todo o lado depois que o caso ganhou espaço na televisão e chamou a atenção da mídia para a comunidade, e isso é ruim para todos.
A polícia querendo resultados pressionava até morador que nunca se envolveu com a criminalidade – patifaria com a população, a cara deles.
Ninguém comentou nada quando escorreguei, assim como ninguém falaria nada sobre o caso do desaparecimento de Amanda, a ex do irmão Vampirinho do PCC, principalmente depois que começou a correr o boato que ela estaria pagando de X9 para a Civil:
Caracterizado quando um integrante da organização leva informações para outras facções ou para a polícia…
A punição para caguetagem é a morte
Enquanto a polícia não encontrasse os corpos a pressão continuaria. Alguém teria que vazar a informação para dar chance para os agentes acharem o local, mas se nem assim isso fosse resolvido, alguém ia ter que pular na frente e assumir o B.O. para restabelecer a paz. – é assim que funcionam as coisas da ponte para cá.
A imprensa teria cenas para colocar no noticiário, os policiaisiam pousar de Charles Bronson, os negócios voltariam a fluir suave e a população não ia ficar mais na pressão – só que alguém ia ter que assumir o B.O. voluntariamente, é a lei do PCC 1533.
Alguns dizem que ela não morreu por passar informações à polícia.
Amanda, ao romper o relacionamento com Vampirinho,se envolveu com Dentinho, um outro homem do mundo do crime, mas não é assim que se “corre pelo lado certo da vida errada”, e ela conhecia o proceder da facção.
Existe todo um proceder a ser seguido para estar dentro do código de ética do crime, e Dentinho, sendo criminoso, também tinha a obrigação de conhecer:
Para não cair na talaricagem, Dentinho teria que ir falar com o ex-companheiro de Amanda para tirar a limpo a história da separação, para só então ficar com ela.
A facção Primeiro Comando da Capitalé por sua natureza machista, e uma mulher ao se unir a um companheiro não pode simplesmente lhe dar as costas e trocá-lo por outro – a cobrança pela talaricagem fica a critério do prejudicado após a análise do Sintonia.
Eu não sei o que aconteceu por lá, o que sei é que Amanda e Dentinho desapareceram e que quatro corpos foram localizados enterrados na mata depois que a Guarda Civil Municipal recebeu uma dica de onde eles estariam – vamos ver se agora diminui a pressão.
Por estar circulando fora da minha quebrada, eu poderia até morrer ou ser preso, com sorte apenas levar um esculacho ou tomar um salve, ou, no mínimo, ter que dar explicações para os integrantes da facção ou da polícia. Tô fora!
Você imagina que só é morto, preso ou leva esculacho da polícia quem corre pelo lado errado da vida? – garoto inocente.
Você imagina que só pode tomar um salve ou ter que dar explicações para integrantes da facção quem for do crime? – acorda para a vida.
As pessoas que conheci naquela comunidade não sabem o que Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau disseram sobre o Contrato Social, mas elas sabem que não devem rir, ajudar ou fazer comentários quando uma visita escorrega numa tábua.
Ao abrir mão dessas pequenas liberdades privadas a comunidade garante em troca proteção contra aqueles que possam roubar, extorquir, matar ou estuprar na favela e nos predinhos.
Hobbes, Locke e Rousseau chamariam isso de Contrato Social, mas aquela gente que mora ali não chama de nada, apenas segue as regras, e todos continuam sem problemas – simples assim.
Eu, sendo uma visita naquela comunidade, tinha meus privilégios, mas deveria evitar encontrar com os representantes do Estado constituído (polícia) ou do Estado paralelo (facciosos) – se um me parasse e o outro visse, sujaria para meu lado. Tô fora!
Se você duvida que as coisas acontecem como estou lhe contando ou que Finn e Monique não estão certos em suas conclusões, não se preocupe, afinal os pesquisadores se basearam em Giorgio Agamben, que afirmou certa vez:
“Acredite em tudo que eu disse, não acredite em nada. Aprenda a diferenciar fatos e opiniões pessoais. Faça sua PRÓPRIA pesquisa, então, ESCOLHA no que acreditar.”
… ou talvez Giorgio não tenha dito isso – talvez seja uma opinião pessoal minha ou de outra pessoa qualquer. Pensando bem, é melhor você fazer sua própria pesquisa e só então escolher se acredita ou não em mim e em Finn e Monique.
A banalização da morte
Quando da morte de Marielle Franco, circularam pelas redes sociais fotos com uma garota sentada no colo de um homem e a frase: “Marielle e Marcinho VP, a santa da Globo e seu namorado” – tem gente boa que vai arder no inferno por ter compartilhado essa foto.
Há quem comemore quando um ladrão, traficante, talarico, político, policial, inimigo, pederastra, empresário ou comerciante é morto pela ação legal ou ilegal do Estado: pelas mãos de policiais ou membros de facções criminosas – talvez seja este o seu caso.
O fato de aceitarmos cada vez com maior naturalidade que o outro seja morto é uma consequência natural de nossa paulatina imersão em um Estado de exceção – aquela história do sapo na água fervendo.
Ninguém daria a mínima se eu desaparecesse naquela quebrada da Zona Norte, assim como ninguém está preocupado com toda aquela população que vive à sombra de dois Estados, que impõem suas regras em troca de uma suposta garantia de segurança.
Para horror de Judith Butler, matar deixou de ser o ápice da desigualdade social para se tornar uma ferramenta de controle social aceita tanto por aqueles que vivem nas áreas de risco quanto por aqueles que assistem de longe, pelas telinhas da tv ou pela internet.
Martin Buber explica como funciona esse poder intrínseco do homem de negociar na prática sua liberdade em relação ao outro dentro de cada ambiente, tipo assim: não rir de uma visita que escorrega ou não comentar o que se sabe para quem não se deve.
Pode parecer hipocrisia ou foucaultionismo, mas esse nosso poder de gerir de forma calculista nossa vida é o que aos poucos nos trouxe para esse ponto onde estamos.
Erra quem acredita que nós não fomos atingidos pelos aviões em 11 de setembro de 2001.
Aquele clima pesado que pairava sobre a comunidade na Zona Norte de São Paulo e que me obrigava a esperar o melhor momento para sair era apenas um dos reflexos na comunidade do ataque às Torres Gêmeas – se bem que ninguém por lá dava conta disso.
Há tempos, os Estados paralelos passaram paulatinamente a criar regras e a cobrar obediência para garantir a segurança das comunidades às quais pertencem, sob os aplausos de muitos e o silêncio da maioria, isso mesmo antes de 11 de setembro, mas…
… após o atentado da Al Qaeda, o Estado Constituído em diversos países, aos poucos, passou a questionar direitos e a tolerar abusos por parte de seus agentes, sob os aplausos de muitos e o silêncio da maioria, com o pretexto de manter a paz.
Por causa disso, policiais e facciosos estavam ainda mais empoderados para cobrar de mim e de qualquer outro que seguisse suas regras de comportamento, e eu estava lá, entre um e outro, mas a quem recorrer? Ao Chapolin Colorado?
Meu soberano deve me proteger, e é por isso que aceito seu jugo e suas ameaças – pelo menos é o que Hobbes me garantiu. Pode parecer uma posição hipócrita, mas, conscientemente ou não, é o que eu e você fazemos todos os dias.
Como foi descrito por Charles Tilly, a população da comunidade da Zona Norte sabe que deve obediência aos policiais que representam o poder da legalidade, mas também devem aos criminosos locais que efetivamente garantem a segurança no dia a dia.
Eu não preciso que Charles me diga que nesses tempos pós 11/9 a vida é menos valorizada, tanto pelos agentes do governo quanto pelos faccioso, e por isso esperei para sair em um momento em que não encontrasse nenhum deles pelo caminho.
Nem todos podem ser mortos assim sem mais nem menos
Giorgio Agamben afirma que eu, Amanda, Dentinho e os garotos das favelas e das comunidades estamos na lista dos matáveis, mas nem todos têm “vidas nuas”, desprotegidas, que estão sujeitas à execução sem a punição dos matadores.
Giorgio só não negou o inegável
Enquanto alguns, entre eles talvez você, negam que estejam sob o jugo de algum poder soberano, Giorgio analisou os limites que essa elite se impõe e descobriu a lógica aplicada por esses grupos para separar quem pode ou não ser morto.
“Elite” talvez não seja como você descreveria um grupo pequeno de policiais ou criminosos que advogam para si o poder de decidir quem vive e quem morre, mas são eles que controlam os bens mais preciosos dos homens: sua vida e sua liberdade.
Giorgio chuta para o escanteio a noção de que o soberano é aquele que detém o poder legal, reconhecendo a soberania naquele que tem a “capacidade de matar, punir e disciplinar com impunidade”.
A vida nua não pode ser magra
Caroline Humphrey no entanto alerta que a vida pode “ser nua”, como afirma Giorgio, mas que esse conceito não pode ser entendido sem uma análise profunda de cada “modo de vida” em cada comunidade.
Eu sabia, mesmo sem que Caroline me dissesse, que naquela comunidade eu poderia ser punido por infringir uma das normas não escritas mas aceitas por algum daqueles soberanos, e ficaria por isso mesmo, sem punição para meus algozes.
Em um mashrut na Mongólia ou em uma van irregular nas periferias brasileiras existe um universo real colorido convivendo com a utopia dos que enxergam o mundo em preto e branco – Lei! Ora, a lei.
Dentro de cada um daqueles veículos, assim como nas comunidades, as regras de conduta são aceitas ou toleradas pelos passageiros, acima mesmo das leis formais da sociedade, para que essa tênue película que separa o real do utópico não seja rasgada.
Experimente tirar a camiseta em uma van e se sentar ao lado de uma garota: a regra de conduta daquela comunidade não aceita. Diga que você está amparado pela Constituição Cidadã de 1988 (desculpe se me rio: kkk).
Cada proprietário de van ou de mashrut é um pouco soberano, mas responde a um grupo maior que garante sua soberania. Da mesma forma ocorre em comunidades urbanas e rurais com soberanos locais, ligados ou não ao governo oficial.
Cada nicho social abandonado pelo Estado de direito a sua própria sorte cria sua malha social com soberanos locais chancelados pela autoridade do Primeiro Comando da Capital ou alguma outra organização criminosa, como ressalta Graham Willis:
“[Impondo] sua própria violência estrutural, toda institucionalizada e simbólica”.
Assim, seus representantes, da mesma forma que os policiais, têm autoridade para fazer o uso da força e decidir quem poderá entrar na lista das vidas (in)desejáveis e “mortais”.
A morte por consenso desnudada por Graham vale tanto para policiais quanto para criminosos, tanto para vítimas como para algozes. Aqueles que decidem sobre quem vive ou morre em uma comunidade também são mortos impunemente.
Do ponto de vista de Graham, não há dois soberanos, mas sim uma soberania consensual, em que o Estado de direito aceita a regulação da violência por “outros regimes” apenas quando é de seu interesse.
Então tá, mas, para mim, não muda nada. Vou ter que baixar a cabeça e responder às perguntas dos representantes do soberano ou do suserano, que podem decidir impunemente sobre minha vida ou minha liberdade.
Eu só pensava em sair de lá de boa e o mais rápido possível. Chegou a hora do culto e a família do aliado com seus trajes de igreja caminharam comigo a reboque – eu não estava muito no estilo “crente”, mas dava para passar batido.
Para quem mora em condomínio parece natural ter seguranças para impedir a ação de criminosos dentro de suas muralhas, assim como para quem mora em uma comunidade também parece natural que os traficantes locais mantenham a ordem na quebrada.
Isso não acontece apenas aqui – afirmam Finn e Monique.
O que horroriza não é o fato da facção PCC 1533 tomar para si parte da segurança pública, mas desnudar esse acordo tácito entre o Estado de direito e o poder paralelo, que desde sempre esteve nas mãos de policiais corruptos, vigilantes, milicianos ou gangues locais.
O Estado se apresenta como representante único e legítimo, mas os detentores da soberania local, mesmo que na ilegalidade, por vezes estão mais afinados ao “sistema de valores locais compartilhados” pelas comunidades, e daí sua aceitação tácita.
Ao contornarmos os predinhos passamos por um grupo de rapazes sendo abordados por duas viaturas da força-tática. Nem preciso descrever a cara que o policial que fazia a segurança da equipe fez em nossa direção.
Acostumados, o casal e as crianças nem ligaram – normal para eles, para mim, te conto o que pensei:
“É assim que pensam em formar um Estado unificado, onde o cidadão trabalhador se sente protegido pelo poder legal? Firmeza, vai nessa! Ponto para a criminalidade.”
No mundo real da comunidade, as pessoas andam dentro das regras de um Estado dividido e terceirizado, enquanto a mídia e os burocratas ficam atrás de suas mesas escondidos sob montanhas de procedimentos, ideologias e números, vivendo em um mundo utópico.
Me despeço da família e agradeço pela companhia, que me livrou do possível transtorno e do constrangimento de passar por uma geral da polícia ou ser chamado para o debate pelos garotos da comunidade.
“OK Google, me lembre amanhã de perguntar ao Dr. Barsalini na padaria Santo Antônio se o Glauco da PUC-Campinas é parente dele.”
O que me fez lembrar da tese de Glauco foi a cara de satisfação de dois rapazes que estavam de farda naquela abordagem policial na Zona Norte de São Paulo enquanto conduziam um dos aviõezinhos preso por tráfico de drogas na quebrada.
O trabalho do acadêmico aponta como consequência desse encarceramento em massa o surgimento e a expansão das organizações criminosas e o que aquelas “pessoas que vivem em comunidades pobres pensam sobre o crime e o policiamento”.
Assim como Finn e Monique, Glauco busca entender o crime organizado em um contexto global e contemporâneo, evitando se contaminar pelo ambiente provinciano que acredita que o fenômeno PCC 1533 é uma criação fora da realidade mundial e de seu tempo.
Ao chegar na segurança de meu lar, depois de resolver as responsas que tinha acertado com o aliado, fui para meu merecido descanso, tão satisfeito quanto aqueles dois policiais que levaram o garoto para ser doutrinado na filosofia da Familia 1533.
Como diria minha velha amiga Odete de Almeida: “É prá cá bá”
Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)
Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)