O que explica a diminuição de homicídios no Brasil?

O governo Bolsonaro, com mão dura contra o crime, incentivou a polícia a usar força letal. Terå sido essa a causa da redução da taxa de homicídios?

Robert Muggah para o OpenDemocracy (versĂŁo editada pelo InSight Crime)

O Brasil Ă© a capital do crime no mundo.

É por isso que foram ótimas notícias quando o Ministro da Justiça anunciou recentemente que a taxa de homicídios caiu mais de 20% em 2019 em comparação com o mesmo período do ano passado.

O que ele não mencionou, no entanto, foi que a taxa de homicídios no país vinha caindo continuamente desde o início de 2018, muito antes da eleição do presidente de Jair Bolsonaro.

Embora Bolsonaro e seus seguidores tenham tentado “apropriar-se” de melhorias recentes na segurança pĂșblica, a diminuição de assassinatos tem pouco a ver com seus esforços.

Leitura obrigatória para quem quer entender sobre o tema: “Evolução e Determinantes da Taxa de Homicídios no Brasil”

Portanto, o que explica a redução de homicídios?

Antes de tudo, Ă© importante lembrar que 2017 foi um annus horribilis no Brasil, uma orgia de violĂȘncia letal. Mais pessoas foram violentamente assassinadas – quase 64.000 – do que em qualquer outro momento da histĂłria da nação.

Primeiro: fim da pacificação entre PCC e CV

A explosĂŁo da violĂȘncia ocorreu em grande parte devido Ă  quebra de uma trĂ©gua entre duas facçÔes de traficantes de drogas rivais no paĂ­s – Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) – e disputas pelo controle do trĂĄfico de drogas no paĂ­s . A violĂȘncia entre facçÔes coincidiu com um boom na produção de cocaĂ­na na ColĂŽmbia e no Peru. A diminuição gradual do homicĂ­dio em 2018 e 2019 pode ser interpretada como uma espĂ©cie de “correção”.

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Segundo: açÔes da gestão anterior de combate ao crime

Um conjunto de medidas implantadas durante a administração do presidente Michel Temer em 2017 e 2018 também pode ter desempenhado um papel na redução de assassinatos. Isso inclui melhorias na coordenação e gestão das forças policiais e o aprimoramento das capacidades de investigação nos níveis nacional e estadual.

As autoridades federais tambĂ©m começaram a separar ativamente os lĂ­deres das facçÔes violentas de outros prisioneiros nas prisĂ”es estaduais. OperaçÔes policiais militares e federais em larga escala foram lançadas em alguns estados para aplacar a violĂȘncia urbana. Mesmo assim, essas medidas nĂŁo devem ser exageradas: as taxas de homicĂ­dios tambĂ©m começaram a cair em estados como Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que nĂŁo receberam muita atenção federal.

Terceiro: programas estaduais de treinamento e gestĂŁo

Possivelmente mais importante para a redução da taxa de homicĂ­dios foram os vĂĄrios programas e projetos de segurança pĂșblica foram lançados pelos estados brasileiros muito antes da eleição presidencial de 2018, como o trabalho policial orientado a problemas e medidas de prevenção social em lugares como CearĂĄ, EspĂ­rito Santo, ParĂĄ e Pernambuco.

Essas intervençÔes focaram na melhoria do treinamento policial, concentrando os recursos policiais nas åreas mais pobres e a participação das comunidades locais mais diretamente no planejamento e execução da segurança. Além disso, controles mais rigorosos foram impostos em algumas prisÔes estaduais, embora isso não tenha impedido massacres em 2019 em algumas partes do país.

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Quarto: demografia e crescimento econĂŽmico

Fatores estruturais, como mudanças na economia e demografia do Brasil influíram no resultado: é concebível que a desaceleração da economia brasileira entre 2014 e 2016 possa ter aumentado os crimes contra a propriedade, enquanto melhorias marginais desde 2018 contribuíram para sua redução.

Enquanto isso, a redução de longo prazo na população jovem do paĂ­s – mais de 12% desde 2000 – tambĂ©m pode desempenhar um papel. Embora esses e outros fatores possam ter contribuĂ­do em graus variados, Ă© necessĂĄrio um estudo mais aprofundado para entender melhor sua influĂȘncia especĂ­fica.

O Brasil ainda Ă© o paĂ­s mais violento do mundo

A redução contĂ­nua de homicĂ­dios em 2019, embora sem dĂșvida positiva, tenha sido precificada. Embora os nĂ­veis gerais de homicĂ­dios tenham diminuĂ­do nos Ășltimos vinte meses, os assassinatos policiais aumentaram 23% em 2019, um recorde.

AlĂ©m disso, os casos de violĂȘncia sexual e abuso racial dispararam. Ainda mais alarmante, os desaparecimentos aumentaram e foram descobertas sepulturas clandestinas , indicando a probabilidade de operaçÔes de limpeza social cometidas pela polĂ­cia e pelas milĂ­cias.

“Acho que elas sĂŁo piores do que as facçÔes. No caso da facção fica muito claro quem Ă© o bandido e quem o mocinho, a milĂ­cia transita entre o Estado e o crime, o que Ă© bem pior.”

desembargadora Ivana David

Embora as taxas de homicĂ­dios tenham caĂ­do, o Brasil ainda tem um recorde de homicĂ­dios em 2019. O Ministro da Justiça informou que houve “apenas” 21.289 assassinatos nos primeiros seis meses do ano. Isso se compara a 27.371 pela mesma Ă©poca do ano passado, de acordo com o Violence Monitor.

Embora as reduçÔes de homicĂ­dios tenham sido registradas em todo o paĂ­s, a maior redução foi no Nordeste, onde a violĂȘncia entre facçÔes disparou nos Ășltimos anos. NĂŁo se engane: o Brasil ainda Ă© o paĂ­s mais violento do mundo e, de longe.

A forte retórica contra o governo Bolsonaro, com mão dura contra o crime, incentivou a polícia a usar força letal excessiva.

A lei Ă©: Cinco tem que morrer para cada policial morto

A polícia brasileira matou 6.220 cidadãos em todo o país em 2018, em comparação com 5.179 em 2017. Desde que Wilson Witzel, governador do Rio, lançou sua “guerra ao crime” em 2019, os assassinatos da polícia aumentaram para níveis não observados desde o final dos anos 90, com pelo menos 1.075 vítimas registradas nos primeiros sete meses do ano, seu ponto mais alto em 20 anos.

Pelo menos 120 franco-atiradores foram implantados em toda a regiĂŁo metropolitana, com ordens para atirar em qualquer um que esteja armado, sem fazer perguntas. De fato, ao considerar os assassinatos policiais, a “redução” de homicĂ­dios no Rio foi de apenas 1% no ano.

Quando os mesmos policiais morrem em um confronto, a violĂȘncia em represĂĄlias tambĂ©m aumenta. Havia 343 policiais mortos em serviço e fora de serviço em 2018, 87 em serviço e 256 fora de serviço.

Isso se compara a 373 policiais mortos em 2017. Um estudo do Rio de Janeiro descobriu que um assassinato policial poderia aumentar as mortes de civis cinco vezes na ĂĄrea no mĂȘs seguinte. Uma anĂĄlise do MinistĂ©rio PĂșblico, da PolĂ­cia Civil e dos dados do ISP no Rio detectou um aumento de 70% nas mortes por armas de fogo cometidas pela polĂ­cia em ĂĄreas onde um policial havia sido morto.

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Ninguém sabe quantos estão morrendo

O presidente pede mais impunidade policial e sua determinação em simplificar as leis sobre armas tambĂ©m incentiva o “vigilantismo”. Desde 2018, centenas de milhares de armas de fogo foram registradas em todo o paĂ­s, embora ninguĂ©m saiba o nĂșmero exato devido a relatĂłrios conflitantes das autoridades pĂșblicas.

No pequeno estado de Santa Catarina, por exemplo, uma nova arma de fogo era registrada a cada 35 minutos em 2019. Isso Ă© perigoso em um paĂ­s onde quase trĂȘs quartos de todas as mortes jĂĄ envolvem uma arma de fogo.

O trabalho duro da polĂ­cia pode gerar um efeito temporĂĄrio de “esfriamento” em crimes violentos. PorĂ©m, estudos de intervençÔes duras na AmĂ©rica Latina indicam que esses impactos tendem a ser transitĂłrios e de curta duração. Eles tambĂ©m sĂŁo frequentemente seguidos por um aumento da violĂȘncia letal, enquanto as facçÔes adotam tĂĄticas cada vez mais violentas em resposta.

Eles não são apenas dolorosamente ineficazes a médio prazo, mas são economicamente ineficientes. Com a economia do Brasil em dificuldades e o país enfrentando austeridade, isso é algo que o governo deve pensar.

Robert Muggah para o OpenDemocracy (versĂŁo editada pelo InSight Crime)

Autor: Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porĂ©m, Ă© que aqui, assim como ninguĂ©m sabe que vocĂȘ Ă© um cachorro, nĂŁo dĂĄ para sacar se a pessoa do outro lado Ă© do PCC. Na rede, quase nada do que parece, Ă©. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fĂŁ no Facebook pode ser um robĂŽ; e, como Ă© o caso da pĂĄgina em questĂŁo, um aparente editor de site de facção pode se tratar de RĂ­card Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

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