Falta cocaína no varejo – causas e consequências

Está faltando pó nas biqueiras paulistas, e as consequências já podem ser sentidas dentro do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533).

Um atraso inesperado na fronteira

Quem não tem nada para falar deve ficar de boca fechada, e por isso não te dei mais notícias. Então, vim aqui só para dizer que meus dois parceiros morreram e te aconselhar a tomar cuidado para não seguir o mesmo destino.

“Descansem em paz, guerreiros, onde estiverem, sei que estarão olhando por nós aqui.”

Eu estava de mau humor quando almocei pela última vez com Brunão e o De Lua. Eu gosto de almoçar nesses restaurantes na beira da estrada, próximo à janela, vendo a liberdade lá fora – liberdade é tudo de bom, mas eles decidiram que iríamos almoçar na cidade.

Pararam no Restaurante da Dona Ilda em Coronel Sapucaia. O lugar era perfeito: ambiente familiar com pessoas tranquilas. Chances de sermos abordados ali: zero. Além disso, nunca comi um prato caseiro tão bom, e ainda fomos muito bem atendidos por lá.

Não havia pressa, teríamos que esperar até o dia seguinte para acompanhar o caminhão que traria mercadoria da fronteira do Paraguai para São Paulo.

O Paraguai é hoje o principal produtor de maconha da região e o maior corredor de cocaína da Bolívia para a Europa. A coca boliviana é misturada no Paraguai com precursores químicos ilegais que chegam de outros países.

Em seguida, é escondido em caminhões e contêineres para ser transportado para a África e a Europa. Cabo Verde e Roterdã são os principais portos de destino, segundo a Secretaria Antidrogas do Paraguai (Senad).

Catalina Oquendo – El País

O plano inicial era escoltar o caminhão do momento em que a carga chegasse de Capitán Bado até encostar no galpão na Zona Leste de São Paulo. Sairíamos no final da tarde e chegaríamos antes do dia clarear, só parando para abastecer.

Percorrer 1.200 quilômetros à luz do dia não me parecia muito promissor, mas a paga seria boa, e não dava para voltar atrás.

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Chuva forte na Bolívia seca as biqueiras paulistas

Já no Restaurante da Dona Nina conheci alguns brasileiros que trabalhavam na Bolívia e estavam por lá de passagem, e o que me contaram me pareceu mentira, mas não era: a falta de cocaína em São Paulo estava sendo causada pela chuva na Bolívia.

Eles  que dos cinco caminhões que haviam conseguido carregar com as folhas de coca, apenas dois chegaram ao seu destino. Os demais acabaram atolados, e suas cargas foram perdidas ou se tornaram imprestáveis.

Milhares de hectares de plantação da coca foram dizimadas pelas tempestades, muitas delas de granizo, destruindo todo o esforço dos campesinos para a contenção de danos às plantações – este foi o ano mais chuvoso dos últimos 50 anos.

As tempestades conseguiram o que Lincoln Gakiya e seus colegas do MP-SP há muito prometem: derrubar o tráfico de cocaína em solo paulista e colocar em risco toda a estrutura da facção Primeiro Comando da Capital (PCC 1533).

Antes de seguir para Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul, fomos avisados que os militares estavam tomando a região da fronteira, o que poderia dificultar o acesso. Quanto a isso estávamos preparados, mas não tínhamos como nos contrapor ao clima.

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Tombou: toneladas de maconha pelo solo

Nosso trunfo para burlar a fiscalização e os militares acabou sendo a causa de nosso fracasso. Não que ele não tenha feito sua parte, mas foi por orientação dele que pegamos a estrada durante o dia e não à noite, como pretendíamos.

A engrenagem entrou em movimento às nove e meia da manhã e só deveria parar às onze da noite. À uma da manhã já estaríamos em casa.

O Ecosport prata seguido do caminhão entrou na MS-289 em direção à Amambaí, e nós passamos a escoltá-los à certa distância. O batedor havia garantido que não seríamos parados pela fiscalização na estrada, pelo menos no Mato Grosso do Sul.

A manhã estava nublada, sem chuva, mas a pista estava escorregadia – foi o que bastou para que tudo desse errado logo no começo da viagem.

Vimos apenas o caminhão fazendo uma manobra brusca e saindo da pista, sem mais nem menos – talvez tenha sido uma distração do motorista com o celular, um buraco ou um animal –, nós o vimos apenas entrar no barreiro e tombar, simples assim.

Chegamos juntos com o batedor que voltou pela pista de ré. Ele levou o motorista do caminhão para a Ecosport e deu pinote enquanto nós recolhemos o que deu em nosso veículo – De Lua queria recolher mais, mas Brunão ameaçou deixá-lo por lá.

Dias depois ficamos sabendo que o motorista do caminhão e o batedor acabaram sendo presos na primeira barreira policial ainda em Amambaí. Nós caímos pelo Paraná e chegamos em segurança – pelo menos o que recolhemos deu para garantir o nosso.

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Seu aliado agora pode ser seu inimigo – Brunão morre

Essa foi a última vez que vi os dois com vida. De Lua e Brunão continuaram juntos em diversos corres de roubo de carga e tinham o mesmo fornecedor fixo de pó, mas agora estavam com problemas para receber a mercadoria.

Ambos resolveram procurar, através dos irmãos conhecidos, outros fornecedores, mas cada um fez seus corres sem falar com o outro:

  • De Lua acabou chegando a uma companheira chamada Equidna. Deixa eu explicar, “companheira” não é a mulher de um irmão do PCC, estas são conhecidas como cunhadas: companheiras são as garotas que correm junto nas fitas.
  • Brunão chegou a um irmão que ficou de fazer a entrega em Sorocaba.

Brunão, o primeiro a rodar.

Chegou no local combinado, mas caiu nas idéias do irmão: entregou o dinheiro e ficou aguardando enquanto ele ia buscar a mercadoria.

Estaria esperando até hoje se ainda estivesse vivo.

Quando percebeu que caiu em um golpe, voltou sem nada para casa, furioso. Tentou recuperar o prejuízo, mas já era tarde, acabou sendo encontrado morto em seu carro.

Talvez o dinheiro que ele perdeu não fosse dele, talvez ele ameaçou quem não devia, ninguém sabe – o fato é que foi morto.

A trairagem e os golpes sempre existiram dentro da Família 1533, como acontece em qualquer outra família. A facção para controlar o sangue dos criminosos que ferve dentro de cada membro da organização criou regras de conduta, mas um lobo sempre será um lobo.

→ conheça o Estatuto do Primeiro Comando da Capital

→ conheça o Dicionário do PCC (Código Penal do Crime)

Agora os lobos estão esfomeados, e os carneiros estão escassos, e esse é o momento em que Charles Darwin fala mais alto: “a seleção natural não é a lei do mais forte, é seleção daqueles que estão mais bem adaptados para sobreviver”.

Brunão, você não foi selecionado, só lamento, guerreiro. Aqueles que colavam contigo prometeram vingança, mas o tempo e as dificuldades resfriam os ânimos, e mesmo agora, poucos dias depois de sua morte, poucos ainda falam sobre te vingar.

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Peloponeso fica na Zona Sul de São Paulo

De Lua, por sua vez, foi à Zona Leste de São Paulo buscar sua encomenda: trinta mil reais de puro pó, sobre o qual ele já havia feito o teste e comprovado a qualidade. Mas em época de crise não se pode confiar nem mesmo na própria sombra.

O que lhe foi entregue era puro lixo. Sequer deveria ter 20% de pureza, mal poderia substituir a maizena como mistura. Trinta mil reais jogados fora. Porém, ao contrário de Brunão, De Lua tinha um nome para correr atrás: a companheira Equidna.

Eu pensei que Equidna fosse nordestina, por causa do nome, mas ela é paulista mesmo, e mãe de perigosos membros da facção. Quem me contou mais sobre ela foi Hesíodo, e foi ele quem contou a De Lua como encontrá-la:

“No Jardim Solange, na Zona Sul de São Paulo, vai pela Estrada do M’Boi Mirim até o COPAGAZ, daí quebra à esquerda em uma rua sem saída. Tem uns galpões do lado esquerdo, mas ela fica mocosada mesmo no morro no fim da rua Peloponeso.”

Não foi por falta de aviso. Hesíodo e seus amigos disseram para De Lua deixar quieto, que ela era mais perigosa até mesmo que seus filhos mais perigosos, mas ele não escutou, ele não era disso. Pegou sua moto e partiu para trocar umas idéias com a companheira.

Dessa viagem apenas seu corpo voltou. Acredito que tenha ainda sido socorrido com vida, pois Leonardo chegou a publicar com detalhes em seu site o que aconteceu, desde que ele chegou ao Peloponeso até quando perdeu a consciência.

Onde falei nesse site sobre as companheiras do PCC → ۞

Os últimos passos do guerreiro

Acredito que Leonardo tenha tido acesso aos registros policiais e às declarações do pessoal do resgate do SAMU, pois têm muitos detalhes que só De Lua poderia ter contado. Leonardo escreveu algo mais ou menos assim:

“Ninguém que entrava naquela parte do Peloponeso em busca de Equidna retornou com vida. De Lua, um pequeno traficante do interior resolveu realizar tal façanha, para alguns foi coragem, para outros mera estupidez.

Assim que parou sua moto, se dirigiu para um grupo de rapazes que ali estavam. Quando citou o nome de Equidna, ele percebeu que o clima fechou. Sabia que devia ter saído de lá naquele momento, ou melhor, nem devia ter ido até lá.

Atrás dos garotos havia uma passagem para dentro da favela, e para qual seguiu sem ser impedido ou seguido.

Seria entrar e sair, afinal aquela favela não podia ser muito grande: havia a estrada do M’Boi Mirim e do outro uma vasta área verde que devia ser um parque de manancial.”

“Nas comunidades normalmente tem muita gente pelas vielas, se ouvem vozes, música e o som dos rádios e televisores, mas ali quanto mais seguia pelas vielas, maior ficava o silêncio.

A noite era de lua, e em São Paulo não há escuridão. A própria luz da cidade ilumina até as ruas onde não há nenhum poste ou janela aberta, mas aqueles becos pareciam cada vez mais escuros.

Parou, tentou se orientar pelos sons, mas não conseguiu. Acendeu a lanterna do seu celular, e colocou a mão em seu 38 que estava sob a camiseta. Queria sacar a arma, mas sabia que podia encontrar uma criança na comunidade – melhor não.

Estava preparado para qualquer desafio, mas sentia algo que não era normal. Não era medo, era uma ansiedade muito forte, uma angústia que ele não conseguia descrever mas que parecia uma bola no seu peito.

A luz da lanterna de seu celular brilhava forte, mas não conseguia iluminar mais que as paredes de alvenaria da favela. O caminho se inclinava para baixo, e depois de descer por alguns minutos ele já estava totalmente perdido.

Primeiro bateu em algumas portas, depois as esmurrava e chutava, mas ninguém respondia. Nenhuma luz saía por de baixo das portas ou pelos vãos das janelas.”

Seguindo em frente, mas sem rumo

“Quanto mais o guerreiro andava, mais parecia que havia para andar. Chegou a virar em curvas que sequer existiam, indo de encontro a paredes – nada o ameaçava, mas sua angústia e seu desespero já o sufocavam.

Caminhava cada vez mais rápido, mas de repente parou, e uma rajada de ar arrepiou seu corpo e gelou sua alma, fazendo-o questionar se sua decisão de entrar ali teve algum mínimo de sensatez.

Deu mais um ou dois passos e viu que estava na beira de um barranco. Se virou para voltar, mas ficou parado no escuro, sentia que havia mais alguém ali mas não conseguia enxergar nada naquele breu.

Sacou a arma e apontou para frente. Esticou o braço que segurava a lanterna do celular para tentar ver um pouco à frente.”

O encontro com Equidna

“Um rosto feminino apareceu, iluminado apenas por sua lanterna, era Equidna. Eles se olharam, olhos nos olhos. Ela sorriu mostrando dentes irregulares e sem ameaças, mas ele tremeu pela primeira vez na sua vida.

De Lua sentiu uma fisgada, apenas uma, mas conta que caiu no chão gritando de dor. Ninguém apareceu por muito tempo até que perdeu a consciência.

Ele foi encontrado próximo à ponte do Aracati, à beira da Represa do Guarapiranga, na manhã do dia seguinte, ainda com vida, mas acabou morrendo naquele mesmo dia sem que sua família tivesse sido localizada.”

Texto original de Fernando sobre Equidna → ۞

Imagem é tudo: os integrantes do PCC 15.3.3 como vilões

A imprensa como construtora do imaginário do membro da facção Primeiro Comando da Capital como vilão e “inimigo público número um”, e os números do Google Trends 2018.

Os ataques do PCC acabaram, mas o pior vem agora

Eu aguardei o fim dos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital para fazer uma análise sobre dos números referentes ao período de movimentação da facção. Não pretendo me ater aos ataques e suas causas, e sim no interesse popular.

Este site possui uma página com dados estatísticos em tempo real que podem informar sobre as ações dos membros do PCC na linha do tempo e em sua localização geográfica – ferramentas interessantes para quem estuda a organização criminosa.

Outras ferramentas complementares estão disponíveis em outros pontos do site. Então, esperei os dados indicarem que a turbulência havia passado e fui compilar as informações — simples assim.

Antes de postar os resultados, encontrei-me com Reginaldo. Pior viagem. Se arrependimento matasse, eu teria sido fulminado. Reginaldo destruiu, ou melhor, desconstruiu toda minha linha de raciocínio.

Talvez você conheça Reginaldo Osnildo Barbosa por ter lido seu livro “Vidas quebradas: reflexos do crack”. Eu só vim a conhecê-lo por meio de sua tese “Análise do fortalecimento da imagem do vilão mediante o medo expresso nas tecnologias do imaginário” (UNISUL).

Onde citei neste site atentados e ataques do PCC → ۞

PCC 1533, poder e medo registrado no Google Trends

Tudo me parecia simples com o fim da onda de ataques, no entanto, Reginaldo mostrou que não, o pior viria agora: é preciso entender o que se passou comigo e contigo, mas, principalmente, o que se passou com a imprensa.

“Quando tiros desferidos contra postos policiais, ônibus queimados e outros incidentes levaram medo para dezenas de cidades…” — É quase impossível afirmar quando essa frase foi pronunciada, encaixando-se perfeitamente em diversos momentos após 2002.

Quem nasceu após 1995 apenas o que ouviu falar sobre o poder e o medo que a facção paulista pode gerar. A média de interesse pelo termo “Primeiro Comando da Capital” segundo o Google Trends, em 2018, até o dia 15 de junho, estava em 9,5 pontos, contra uma média histórica de 3,4 pontos de fevereiro de 2004 até dezembro de 2017.

Eu considerava momentos de pico quando as buscas pelo termo alcançavam a marca de 6 pontos — em catorze anos, esse fenômeno ocorreu em 10 ocasiões, sendo que em 2018 apenas o mês de maio ficou abaixo dessa marca.

Onde citei neste site os dados do Google Trends → ۞

Picos históricos de busca para o termo “Primeiro Comando da Capital”

  1. 2006, de maio, 100 pontos — Mega ataque em São Paulo;
  2. 2006, agosto, 29 pontos — Sequestro de repórter da Globo para divulgação do estatuto;
  3. 2018, junho, 14 pontos — queima de ônibus em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte contra tortura e falta de condições nos presídios, ações de inteligência contra a facção;
  4. 2018, de fevereiro a abril, pico de 14 pontos — Assassinato de Gegê do Mangue;
  5. 2004, junho, 10 pontos — (Deus sabe o porquê);
  6. 2012, outubro e novembro, pico de 10 pontos — 20 anos de Carandiru — eleições municipais;
  7. 2005, dezembro, 8 pontos — balanço geral do ano do Mega ataque;
  8. 2017, janeiro, 7 pontos — Massacre no Presídio de Compaj — Guerra contra a coligação FDN–CV no norte do país;
  9. 2017, de dezembro à janeiro de 2018, 7 pontos — Guerra entre PCC e as facções FDN–CV; e
  10. 2006, dezembro, 6 pontos — PCC e as escolas de samba.

Onde citei neste site os ataques de 2006 → ۞

Eu, você, a imprensa, o PCC e a colunista do Estadão

A colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Eliane Cantanhêde, chamou-me a atenção para a forma como a imprensa repercute o ponto de vista do Estado e de suas forças policiais sem se preocupar de fato com a verdade:

“Depois dos caminhoneiros […] o Brasil está tentando respirar, e agora, esses ataques do PCC, e isso é muito grave porque não tem reivindicação nenhuma por trás, eles inventam que é por causa das condições dos presídios, mas não é, né? É uma demonstração de força, né?

E é muito preocupante, num país que está aí machucado por uma série de coisas. Foram 24 ônibus queimados em 24 horas em Minas Gerais por ordem do principal e mais perigoso e aterrorizante grupo criminoso do país, que é o PCC. Os estados estão de cabelo em pé preocupados, porque é ordem do PCC.”

Raíssa Benevides Veloso e Francisco Paulo Jamil Marques me chamaram a atenção para a situação no seu artigo “O Papel das Fontes Oficiais na Cobertura sobre Segurança Pública — um estudo do jornal O Povo entre 2011 e 2013”.

Onde citei neste site a imprensa → ۞

A imprensa e os ataques do PCC de junho de 2018

A imprensa oficial demoniza as facções criminosas e a crise carcerária, utilizando-as como espetáculo de circo televisivo, como já havia nos contado Gilson César Augusto da Silva, no trabalho “Reality Show das Prisões Brasileiras”.

Por outro lado, há a mídia alternativa fortalecendo a imagem do fora da lei Robin Hood, e dessa forma chegam histórias contadas por pessoas como José Carlos Gregório, mas nos ataques em Minas Gerais e no Rio Grande do Norte ouviu-se apenas uma voz.

O absurdo comentário de Cantanhêde, de que não havia exigência ou consistência nos ataques do PCC, se explica nesse contexto. A autora estava trabalhando, conscientemente ou não, para a construção de um mito, para o reforço de uma imagem do crime organizado (vilão).

À exceção do trabalho da repórter Carolina Linhares, da Folha de S. Paulo, que destacou tanto a causa do conflito quanto a posição do governo e a ação das forças públicas, em mais de uma centena de reportagens só as consequências e a ação das forças públicas foram noticiadas.

Até mesmo o UOL, em uma reportagem assinada por Carlos Eduardo Cherem, replica o discurso oficial e termina informando que: “A PM ainda informou que uma árvore foi queimada no local.” — mas não citou a demanda dos manifestantes.

“As matérias noticiosas são carregadas de imaginários, que por sua vez geram identificação com a imagem que é fortalecida, angústia diante dos acontecimentos, alegria perante as conquistas coletivas; mas também disseminam o medo já existente, levando a uma interpretação comum entre os consumidores.

Enquanto instituição, o jornal faz circular na sociedade sentidos naturalizados a partir da imagem (validada) que projeta na sociedade, como se estivesse propenso a exercer a função de informar, relatar a verdade”

A falta de espaço para apresentação democrática de um pleito leva às manifestações violentas. A história demonstra que o controle da imprensa somado à ação policial apenas protelam e intensificam as ações seguintes, que tendem a ter cada vez mais força.

Onde citei neste site a queima dos ônibus → ۞

Eu e você na construção da imagem do integrante do PCC

Reginaldo demonstra que todos nós somos responsáveis pela construção da imagem do integrante da facção Primeiro Comando da Capital e, ao mesmo tempo que consumimos a ideia, ajudamos a reforçá-la.

Procuramos as notícias sobre a facção que nos agradam, e os meios de comunicação vão produzir para nosso consumo o produto que nós buscamos; assim, a construção e o reforço da imagem é autoalimentada, e se distancia cada vez mais da realidade.

A qual estereótipo você se alinha? Ou talvez você não esteja entre os dois extremos, e sim perdido na bruma existente entre a luz e as trevas:

  • O membro do PCC é aquele que mantém a ordem, a lei e a disciplina nas periferias e nas prisões, e sem sua presença voltamos ao caos?
  • O membro do PCC é o mais perigoso dos bandidos, capaz dos crimes mais brutais e um câncer a ser extirpado mais rapidamente do seio da sociedade?

Os números do Google Trends demonstram que, independente de seu ponto de vista, a presença do membro da organização criminosa paulista, seja como vilão ou como herói, nunca esteve presente de maneira tão intensa e por tanto tempo ininterrupto.

O que isso pode significar? Bem, eu não sei, mas se você quiser pode perguntar para o Lincoln ou Cantanhêde, ele provavelmente vai lhe dizer que estamos assistindo o colapso do PCC, e o início de uma nova era, ou, talvez – apenas talvez – prefira ter a opinião da repórter Carolina Linhares, da Folha de S. Paulo.

Onde citei neste site o promotor de Justiça Lincoln Gakiya → ۞

Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)

Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Os ataques do PCC: os dois lados da moeda

Preso afirma que as manifestações do PCC foram contra a opressão do sistema carcerário, o jornal O Estado de São Paulo diz que não.


Errar é humano persistir no erro é burrice.


Houve ou não uma justa razão para os ataques do PCC?

Eu não vou entrar nessa discussão, você que ouça de um lado a colunista do jornal O Estado de S. Paulo, diretamente de Brasília, e do outro lado, um ladrão — tire suas próprias conclusões de quem está certo ou errado.

“Errar é humano, mas persistir no erro é burrice.”

Os faccionados dessa vez optaram por não utilizar uma tática que não deu certo no passado — há coisa de um ano, as mulheres dos presos tentaram fazer uma manifestação na Avenida Paulista em São Paulo, para denunciar as atrocidades que ocorriam nas prisões, mas a polícia abriu investigação e mandou interrogar à todas antes das manifestações que acabou não ocorrendo, então dessa vez…

“O plano inicial era fazer uma manifestação pacífica em Natal contra o que os bandidos chamam de opressão no complexo prisional de Alcaçuz [em Nísia Floresta, na Grande Natal]”, afirmou um dos responsáveis pelas investigações…”

O ponto de vista de quem corre pelo certo pelo lado certo da vida

Eliane Cantanhêde afirma:

“Depois dos caminhoneiros […] o Brasil está tentando respirar, e agora, esses ataques do PCC, e isso é muito grave por que não tem reivindicação nenhuma por trás, eles inventam que é por causa das condições dos presídios, mas não é né? É uma demonstração de força, né?

E é muito preocupante, num país que está aí machucado por uma série de coisas. Foram 24 ônibus queimados em 24 horas em Minas Gerais por ordem do principal e mais perigoso e aterrorizante grupo criminoso do país, que é o PCC. Os estados estão de cabelo em pé preocupados, porque é ordem do PCC.”

O ponto de vista de quem corre pelo certo pelo lado errado da vida

“Quem veio zoar nóis foi a polícia, isso foi falta de comunicação da polícia. Onde aqui tem o procedimento, qualquer um que chega na cadeia eles aplicam o procedimento em nós por isso, nós parou, nós resolvemos não enfrentar o terror.

Eles vieram com ameaças, dizendo que iam dar a resposta às cinco horas da tarde. Aguardamos a resposta da direção, onde eles vieram e disseram quem não tinham nada para nós, que era para retornarmos para as celas.

Nós sentamos no final do pátio, todo mundo desarmado, onde eles vieram e dispararam vários tiros contra nós, sem reação alguma. Nós somos do crime, nós lenvantamos, sim, e se precisar, nós vamos levantar de novo.

A polícia não vai oprimir, nós, porque lutamos contra a opressão, estamos todos aí, capacitados, jamais tomando atitudes isoladas, isso nunca. Sabemos as consequências de cada ato, tudo tem uma reunião antes.

Tem qualquer parada, a decisão é de todos, em cima de irmão, de companheiro, e todo mundo está na mesma batida, para não ter consequência para um e outro, para ninguém vir dizer que foi fulano ou sicrano.

Tá todo mundo unido nessa situação, a gente não quer nada mais que uma atenção para nós em cima dessa injustiça dessa máquina opressora.”

Os ASPENs também discordam da colunista do Estadão

O presidente da Associação Mineira dos Agentes e Sistema Prisional rechaça a tese defendida pelo governador que são as duras regras impostas aos encarcerados no estado que esteja causando revolta no Primeiro Comando da Capital.

Ele diz que a reivindicação dos faccionários se deve à falta de condições nos presídios — coisas que a colunista do jornal, O Estado de São Paulo, não pode ver de dentro da segurança de seu lar, mas que ele de trás das muralhas pode perceber.

ASPENs se manifestam no caso dos ônibus queimados

Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.

Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.

Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:

“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”

transcrito por Willian Helal Filho para O Globo

A facção Mercado do Povo Atitude MPA e o PCC 1533

A parceria entre as facções MPA e PCC não vem de hoje e nunca esteve mais forte, apesar dos esforços das autoridades — talvez a abordagem utilizada deveria ser outra.

A facção Mercado do Povo Atitude MPA existe?

Acho que terei que, na humildade, pedir permissão para chegar no privado do Geral dos Estados e Países para que ele deixe claro o posicionamento da facção Mercado do Povo Atitude (MPA) em relação ao Primeiro Comando da Capital (PCC 1533).

Ninguém duvida que a MPA é uma das facções ligadas ao PCC na Bahia, no entanto, ela não aparece na listagem de aliados e inimigos do final de 2017. Confira comigo:

ALIADOS DO PCC NA BAHIA

Bonde do Maluco (BDM)
Outro de Ouro
A geita
FAL
BNT
PCA

INIMIGOS DO PCC NA BAHIA

Comando da Paz (CP)
Comando Vermelho (CV)
Terceiro Comando de Itabuna (TCI)

FACÇÕES EM PAZ COM O PCC

APE
Katiara
MTA
Os cavera
PG
Suave Jorge

Algumas são muito conhecidas, outras, para a maioria das pessoas, nem existem. A dúvida permanece: cadê a facção Mercado do Povo Atitude? Será que ela ainda existe ou será que Gilberto estava falando a verdade?

Fiéis desde que eram pequenininhos lá na Bahia

Faz tempo que ouço falar dessa tal facção Mercado do Povo Atitude. A primeira pessoa que me trouxe notícias desses criminosos baianos foi Mário Bittencourt, repórter do A Tarde, em dezembro de 2011. Isso já faz mais de cinco anos, e a organização criminosa já estava com a Família 1533:

“Edilson Pereira Vianna, 33, o Aleluia, morto domingo a cerca de 100 metros da delegacia, era do grupo de Buiú, líder do MPA, e teria ajudado na fuga, sábado passado, do traficante Rivaldo Freitas Oliveira, o Maicão, que teria ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista.”

Naquele tempo, já se sabia que a MPA tinha nascido nas ruas próximas ao Mercado do Povo, no Baião em Porto Seguro, e que já havia se expandido para os bairros do Paraguai e do Ubaldinão, sob o comando de André Marcos dos Santos, o tal do Buiú.

Mário conta um caso que mostra que a facção MPA, mesmo no começo, já corria pelo lado certo do lado errado da vida:

Eles mandam aqui. Certa vez, roubaram roupas que vendo e me queixei com um deles; à noite, as roupas foram devolvidas em minha casa”, contou um morador do Ubaldinão.

No entanto, já nasceram com sangue de cangaceiros nos olhos:

“Com os traficantes rivais, porém, as ações são bem incisivas: tocam fogo em casas, matam, ameaçam familiares e fazem rondas armadas perto da casa dos inimigos.”

Gilberto, mesmo sendo político, falou a verdade?

Sei que é difícil acreditar em um político, eu sei, mas têm alguns que falam a verdade, e talvez tenha sido esse o caso. Isso explicaria o porque de o nome da facção aliada MPA não constar na lista de 2017 — como diria o padre Quevedo: “non ecziste”.

O repórter Pedro Ivo Rodrigues, do site O Xarope, relata que o prefeito de Porto Seguro, Gilberto Abade, se reuniu com as autoridades alguns dias após a morte de Alelúia. Entre outras coisas, o político afirmou:

“Nós vamos garantir a segurança dos cidadãos, a integridade das famílias de bem. A ação do Estado foi para mostrar aos bandidos que aqui tem lei e tem ordem. As pessoas honestas não podem defender criminosos […] Eles também assassinam as crianças… [e] O governador Jaques Wagner está firme comigo”

Segundo Gilberto, já não são nem as bruxas e nem os comunistas que matam criancinhas, agora são os facciosos do MPA. O preço a ser pago pela segurança pública é agora a eterna vigilância de toda a sociedade contra esses homens maus.

As declarações do prefeito de Porto Seguro foram feitas há mais de cinco anos, e nos esclarece a omissão do nome da facção Mercado do Povo Atitude na lista de aliados e inimigos do PCC. Gilberto Abade, Jaques Wagner e toda força policial municipal, estadual e federal já devem ter acabado com meia dúzia de semi-analfabetos sem capacidade e estrutura.

“O trabalho não acabou. O policiamento ostensivo foi reforçado em Porto Seguro. Há mais de 20 equipes especializadas da Polícia Militar e efetivos da Polícia Civil na cidade. Também contamos com o apoio da Polícia Federal” — delegado Evy Pedroso 2011.

O PCC e o mundo líquido de Zygmunt Bauman

Enquanto Gilberto aposta no discurso macartista, Marcola, que já cansou de dizer que não é chefe do PCC, surfa em no mundo líquido de Bauman — em que as fronteiras se dissolvem, seja entre as nações ou entre as organizações criminosas

O Marcola era homicida, sequestrador, roubava banco, não tinha nada a ver com a facção, mas é um homem articulado. E quando ele foi levado para o presídio de Tremembé [no interior de SP] começa a conversar com os últimos presos políticos no sistema prisional e aprende com eles sobre como estruturar o tráfico, a gerenciar como uma empresa, ao mesmo tempo em que vende internamente para os detentos a ideia de uma irmandade revolucionária.

desembargadora Ivana David

Antônio Mateus Soares, Matheus Reis de França e Claudemir Santana acreditam que isso é uma característica dessa era de transição, na qual os limites ainda não estão claramente estabelecidos — afinal, não há mais o certo ou o errado, tudo agora é relativo.

O certo é que devido a insustentabilidade social dessa época, jovens que não conseguem se adaptar às necessidades de um mundo globalizado busquem estabilidade no mundo do crime, mais simples, em que o certo é o certo e quem corre pelo errado morre — simples assim.

Os pesquisadores abordam essa questão e falam sobre a Mercado do Povo Atitude e sua arquirrival, a facção Comando da Paz (CP), no estudo A economia do ilegalismo: tráficos de drogas e esvaziamento dos direitos humanos em Porto Seguro, BA, apresentado no IX ENCONTRO DA ANDHEP.

Falando sobre quem “non ecziste

Nesse mundo construído por Gilberto Abade e Jaques Wagner, no qual estão garantidas a segurança dos cidadãos e a integridade das famílias de bem, não há espaço para facções criminosas como as descritas pelos pesquisadores.

No entanto, Antônio Matheus e seus colegas afirmam que a facção não só se manteve viva e forte mas também estava ombro à ombro com a facção paulista:

“O MPA — Mercado do Povo Atitude —, facção que atua no sul e extremo sul da Bahia e, segundo depoimento de membro da facção e de policiais, possui vinculação com o PCC — Primeiro Comando Capital —, que, além de emprestar os princípios ideológicos de funcionamento, operacionaliza a distribuição de armas de fogo e de drogas no atacado para a comercialização.”

Os autores também fazem uma síntese comparativa entre o MPA e o CP:

MERCADO DO POVO ATITUDE MPA. — Bairro Baianão.

Ligação: PCC-SP — Símbolo: Caveira e Cruz (1533 MPA) — Estratégia: queima de ônibus; bloqueio de vias; toque de recolher; e celebração de luto; — Grupo coeso e hierárquico. Produto de consumo da marca Cyclone (bonés, camisas e bermudas).

COMANDO DA PAZ CP — Área do Campinho.

Ligação: CP-Salvador — Símbolo: Escorpião (315 CP) — Estratégia: esquartejamento de corpos — Grupo pulverizado com ritos de execução, mas primam pela discrição no seu cotidiano. Produto de consumo da marca Nike (bonés, camisas e bermudas).

O MPA e o PCC como fenômeno social

Normalmente, quem defende que as facções criminosas, assim como o próprio crime, são questões policiais e devem ser enfrentadas com o uso da força são pessoas ligadas à área da Segurança Pública ou a seus admiradores. Essa, no entanto, é uma defesa incoerente.

Acredito que Gilberto Abade, Jaques Wagner e o delegado Evy Pedroso, assim como as “mais de 20 equipes especializadas da Polícia Militar e efetivos da Polícia Civil na cidade e a Polícia Federal”, tenham se esforçado por derrotar as facções baiana e paulista nesses últimos cinco anos.

Porém, ambas estão maiores e mais fortes que há cinco anos — talvez, seja a hora de abandonar a abordagem positivista e macartista e seguir o exemplo daquele que nem é da facção, o Marcola, e mergulhar no mundo líquido para combater o crime organizado.

Antônio Matheus e seus colegas destacam que quem morre de fato são os garotos dos corres e aqueles que se envolvem no crime sem se adequarem às suas regras, seja pelas mãos da polícia ou dos próprios colegas. Apesar disso, o grupo continua se fortalecendo.

A ética do crime e a ética da polícia

“Inocente não vira presunto, não se mata gente da gente! Não se mata turista da orla. Aqui no baianão só morre quem corre pelo errado, que trai a facção e a parceria, e os boca aberta, mas antes passa a caminhada.”

“Matar polícia é cabuloso, o bagulho lombra a parada, atrapalhação na certa, a gente respeita a farda e eles nos respeita. É moral, parceria! Polícia não mata traficante patrão, depende do horário, do momento e da situação, mata ‘noía’ e ‘comédia’, traficante de verdade, só dança se não tiver moeda, ou se dê azar. A polícia mata ‘nóia’ e ‘otário’, tem tempo que entra na favela e mata três, quatro e cinco, só para falar que estar fazendo seu trabalho.”

Bocão news prossegur eunápolis

Juntos somos fortes, unidos somos invencíveis — PCC MPA

Seis de março de 2018, seis anos e quatro meses após Gilberto ter afirmado que os porto-segurenses podiam dormir tranquilos, são os eunapolitanos que acordam em meio a uma guerra — prova que nem sempre político mente!

A Mercado do Povo Atitude não foi desestruturada como Gilberto fez crer em 2011. A facção manteve-se fiel ao 15, e tornou-se uma organização criminosa profissional, aproveitando-se da política paulista de fortalecimento e profissionalização das alianças locais.

A Operação Costa do Descobrimento, da Polícia Federal, provou que os homens do Primeiro Comando participaram da ação armada em março e garantiram a infra-estrutura para a operação, com o aluguel de um galpão para ser utilizado como base operacional, com documentos falsos e com a constituição de uma empresa em São Paulo para abrigar contas bancárias.

Acho que será melhor eu nem chegar no privado do Geral dos Estados e Países para que ele deixe claro o posicionamento da facção Mercado do Povo Atitude (MPA) em relação ao Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) — a Polícia Federal já respondeu a questão.

É TD3 passa nada, afirma o Estadão.

Márcio Sérgio Christino conta que o PCC sabe que existe uma lacuna de organizações criminosas na América latina, e que se aproveitará das crises em países vizinhos, como a Venezuela e Bolívia, para preencher este espaço.

Integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) passaram a cooptar venezuelanos que entraram no Brasil em busca de uma vida melhor, mas que foram presos por crimes comuns, como roubo de celulares. A situação é verificada na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), a maior do Estado de Roraima. O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, que estuda a atuação do PCC, diz que o objetivo do grupo é se tornar o primeiro cartel brasileiro internacional, e para isso, precisa estender suas raízes na América do Sul. No entanto, o membro do Ministério Público de São Paulo lembra que uma vez dentro da organização, os venezuelanos não poderão mais sair.

Onde citei neste site o Ministério Público de São Paulo MP-SP → ۞

Rícard Wagner Rizzi

O PCC e as ocupações de edifícios e terrenos

Os movimentos sociais estão impregnados por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), que utilizam siglas como MSTS, MLSM e LMD, ou não?

O PCC, o prédio do Paissandu, Sascha Facius, eu e você

Entre eu, você e Sascha, com certeza você seria a melhor pessoa para escrever sobre o envolvimento da facção paulista Primeiro Comando da Capital com os chamados movimentos sociais que ocuparam os prédios de São Paulo.

A imprensa, principalmente a televisionada, cobriu o episódio com horas de telejornalismo ao vivo e com especialistas, sobreviventes, vizinhos, policiais, bombeiros, governantes e políticos da oposição sendo entrevistados — e eu e Sascha perdemos tudo isso.

Com tanta informação que você recebeu, achei que seria inútil tentar lhe trazer algum conteúdo que tivesse o mínimo de relevância, mas ao ouvir um bate-papo entre o sociólogo Jessé de Souza e o publicitário Celso Loducca mudei de ideia.

Segundo Jessé, a nossa imprensa é pior que a norte-coreana, só que em vez de ser controlada pelo governo, ela o é pelo poder econômico. Cada emissora repete os mesmos interesses e os mesmos pontos de vista, só mudando o tom e os argumentos.

Segundo ele, a sua opinião foi direcionada pelos redatores dos grandes jornais e dos apresentadores de televisão que não disponibilizam de forma equânime todos os pontos de vista — até os repórteres que, por comodidade, se encaixam no sistema.

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A facção PCC é quem organiza as invasões urbanas

Pobre é burro e fraco e é manipulado pelo Primeiro Comando da Capital que utiliza os mais necessitados para ocultar nas ocupações drogas e armas, enquanto cobra aluguel dos ocupantes, colocando na liderança dos movimentos seus asseclas.

Jessé afirma que eu e você, como bons brasileiros, não diríamos isso com essas palavras. Seria algo como: aqueles coitados são massa de manobra para as organizações criminosas e políticas — pura hipocrisia, afirma o sociólogo.

Ao fazer isso, repetiremos a informação recebida dos órgãos de imprensa: os criminosos do PCC tentaram se impor no lugar do Estado Constituído — ignorando que o governo e seus agentes foram os que abandonaram essas pessoas a sua própria sorte.

Interessante é ver que as maiores críticas vêm dos que defendem o liberalismo, quanto essa situação nada mais é do que o mais puro capitalismo, fruto da lógica do mercado.

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Pobres urbanos do Brasil e do mundo, uni-vos

Eu prefiro não defender Jessé, o que ele pensa é problema dele, mas aí Sascha Facius, que nem é brasileiro, resolveu se meter em nossos problemas e dar sua opinião, só porque ele tem PhD em Sociologia Urbana e estudou profundamente a questão da sub-moradia.

Ele fez o levantamento comparativo sobre as estratégias que os pobres (sempre eles, coitados) desenvolveram e adotaram para lidar com o problema da sub-habitação. Sascha, assim como Jessé, apontou para a questão de mercado.

Em “Durable Housing Inequalities — How do urban poor cope with displacement (pressures)?” ele visitou as ocupações, favelas e cortiços em São Paulo e a gecekondus em Istambul.

Ele sabia que sem o aval do Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, e dos traficantes de Tarlabaşi, em Istambul, muitas moradias teriam sido lojas fechadas, e seria até perigoso para ele prosseguir com a pesquisa:

“Claro, eu sabia que os disciplinas do PCC não me receberiam com confiança e de braços abertos. No entanto, com o tempo e com referências pessoais, consegui convencer até mesmo esses indivíduos de que eu era inofensivo — ou, pelo menos, não era um alvo apropriado.”

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A compra de uma vaga em uma sub-habitação

Nas suas incursões, conversou com líderes comunitários, moradores e até com os responsáveis pela organização criminosa PCC:

“… ao longo dos meses em que residi em cada cidade, consegui obter acesso rotineiro a várias formas habitacionais mais ou menos informais, incluindo favelas e edifícios ocupados. Através de visitas frequentes, eu não só aprendi e me familiarizei com a vida cotidiana dos moradores, mas os moradores também se familiarizaram comigo até o ponto de confiança e amizade.”

Cida, uma das moradoras de um cortiço, é prova que a facção paulista dominava o local, pois em determinado momento ela é expulsa do quartinho minúsculo que havia comprado por 800,00 Reais e onde vivia com seu filho.

“Em agosto de 2016, uma ação policial ligou os líderes do MSTS ao tráfico de drogas e ao “desvio” de aluguel, então de R$ 200.” — ESTADÃO

Em São Paulo, Cida, no cortiço de Santa Cecília, e Arlete, na ocupação no Largo da Batata, assim como Sabiha, em Tarlabaşı, não eram pobres burras padecendo com a exploração, ao contrário, estavam utilizando uma estratégia econômica.

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A lógica matemática de quem vive na pobreza

Morar onde não é necessário pagar o aluguel pode alterar o status socioeconômico, permite comprar objetos e ir a lugares que de outra forma não seria possível. É a mais pura lógica liberal utilizada sendo utilizada pelos pobres urbanos considerados burros pela classe média.

“O dinheiro está se multiplicando [risos] e estou economizando um pouco, algo que eu não estava fazendo quando pagava aluguel. […] Eu não trabalho mais no shopping, como eu costumava ser faxineira, agora vou comprar lá! […] Eu também não tenho medo do despejo no futuro. Particularmente, há um ano, fiquei com medo, mas hoje não tenho mais medo. Porque hoje eu digo, tudo o que consegui hoje, tudo o que estou conseguindo, eu possuo este lugar, sabe? Eu não vou negligenciar o lugar, sabe? Eu consegui chegar tão longe já — eu tenho esse lugar aqui ”.

Cida mudou sua posição social. Por causa de seu acúmulo de capital econômico, ela pode ir ao shopping como consumidora, em vez de só ir para lá para trabalhar, limpar o espaço para os outros. Nesses termos, a Cida não apenas adquiriu capital econômico, mas também capital cultural (por exemplo, na forma do prestígio de poder comprar no shopping e não mais limpá-lo).

Voltamos assim a Jessé, que alerta que a classe média se enfureceu com essa ascensão social dos pobres que invadiram seus espaços culturais, como as universidades e os shopping centers, e a ética cristã do povo brasileiro impede de se verbalize essa insatisfação.

“O aeroporto agora está parecendo rodoviária, e a segurança do shopping não serve mais para nada” (ou seja, permitem agora a entrada de pobres como Cida e Arlete).

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A facção PCC 1533 entra com a pacificação

Jessé arranca a máscara dos hipócritas (ele não poupa adjetivos) e demonstra que aqueles que dizem que todos devem se deixar proteger pela Lei e pela Ordem Pública, são justamente aqueles que não moram em locais de risco.

Sasha concorda, argumentando que o PCC “ajudou a estruturar e organizar alguns dos bairros em que as forças estatais não entraram” e, muitas vezes, quando a pessoa não pode pagar aluguel, acertavam “uma contribuição de acordo com seus recursos econômicos”.

A visão que a imprensa passa das ocupações e é repetida por milhões de “cidadãos de bem é que as ocupações, cortiços e favelas estão ligados ao crime, às drogas e aos moradores de rua”, mas não é bem assim — sei, pois há alguns anos cheguei a visitar o cortiço em que viria mais tarde a morar Cida.

Não havia lá dentro medo e preconceito, exceto nos momentos em que a invasão polícia entrava e descia o pau em todos, gente boa e criminosos, mas isso foi antes que o Primeiro Comando assumisse, daí a entrada da polícia rareou.

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PCC para manter a ordem e disciplina no barraco

“Eu tive que tirar da boca para pagar o aluguel, porque o aluguel que você paga hoje, amanhã você está colocando sua cabeça no travesseiro já pensando na próxima renda que você tem que pagar.”

As necessidades humanas básicas de habitação, segurança e alimentação estão economicamente interligadas, e nesses ambientes sociais, os laços comunitários e a solidariedade entre os residentes podem ser mais problemáticos.

“[…] Mas aqui todo mundo se odeia. Por exemplo, fizeram muita sacanagem comigo e consigo mesmos, como cagar e fazer xixi no chão do banheiro e atacarem uns aos outros. Quando nós moramos em um lugar, nós temos que preservar esse lugar. E aqui está algo que não existe, união. Não existe. Porque se existisse, se fôssemos parte de algo maior, de um movimento ou de alguma coisa e conseguíssemos ajuda dos outros, não estaríamos em tamanha miséria.”

O poder constituído não sobe uma dezena de andares para separar uma briga de casal, nem investiga os roubos, furtos e estupros que ocorrem dentro de uma favela ou curtiço — a ordem é mantida pela organização criminosa.

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É nesse vácuo do poder público que a facção atua

Em milhares de bairros, favelas, prisões, cortiços e ocupações, o Primeiro Comando da Capital ocupa um espaço que o Estado não vai ocupar, por puro desinteresse econômico: exceto quando a coisa pega fogo — como ocorreu no prédio no Paissandu.

Políticos e imprensa precisam de um culpado, e voilá, a facção paulista é a escolha natural — inimigo universal, fácil de se entender e odiar, com pessoas de verdade que podem ser presas de verdade em rede nacional.

“Em algumas das divisórias de madeira usadas para delimitar cômodos, lia-se PCC em pichações. Investigação policial associou outra sigla de ascensão recente, o Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), à facção criminosa paulista. Em 2016, a ocupação do grupo no Cine Marrocos foi alvo de operação em que a polícia diz ter encontrado armas e drogas.

Movimento Sem-Teto de São Paulo (MSTS)
Fundado em 2012, anunciava em sua página oferecer “uma completa estrutura, com portaria 24 horas, elevadores, escadas e portarias bem iluminadas”. Ocupou o Cine Marrocos, no centro, até 2016, quando investigação policial apontou o envolvimento de 28 líderes do grupo com a facção PCC e encontrou fuzis e drogas na ocupação”
Folha de S. Paulo

As interações sociais, econômicas e culturais descritas por Sascha para a Faculdade de Letras, Ciências Sociais e Educação da Universidade Humboldt de Berlim deixam de ter importância para a formação da opinião pública e para o desenvolvimento de novas políticas públicas.

Entre mortos e feridos, todos continuam seu jogo, e a facção não é nem mais e nem menos inocente ou culpada que emissoras de televisão, jornais, políticos e agentes públicos que a condena, e ela continuará forte nos seus outros domínios.

O Estado e a imprensa, em pouco tempo, esquecerão esse problema, pelo menos até a próxima vez que a coisa pegar fogo, e os pobres continuarão a buscar, por seus próprios meios, amparar suas necessidades básicas de moradia, segurança e alimentação.

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O maravilhoso mundo da televisão brasileira

Sascha conta uma experiência que ele viveu no Brasil:

“É noite e estou exausto de realizar várias entrevistas, eu ligo a TV e navego pelos diferentes canais. Fico com a Globo, uma cooperativa nacional de TV conhecida por suas produções de telenovelas. Estou organizando minhas anotações do dia em que algo na TV de repente me chama a atenção: vejo imagens brilhantes, vivas e coloridas da favela Paraisópolis. Eu estava lá outro dia para coletar dados quantitativos e ainda tenho as impressões do dia em minha mente — esgotos a céu aberto, becos inundados, barracos de madeira minúsculos e superlotados, e minhas interações com [o PCC]. O que eu vejo agora na TV é diferente: eu vejo pessoas ricas, cores brilhantes nas paredes dos prédios, carros grandes, ruas organizadas e estruturadas. Basicamente, uma versão ‘higienizada’ e romântica de Paraisópolis.”

Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)

Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Rícard Wagner Rizzi

PCC tiene presencia en países latinoamericanos

Surgido en el desbordado sistema penitenciario de San Pablo en 1992, el Primer Comando de la Capital (PCC) tiene presencia permanente en todo el territorio y en varios países latinoamericanos. Sólo en drogas factura unos 50 millones de dólares al año.

Rícard Wagner Rizzi

Espalhai-vos sobre os presídios abundantemente

A ordem é para aproveitar as transferências para fortalecer aonde a facção esteja com pouca sintonia.

O Sintonia do Paraná falou:

Sede fecundos, disse-lhes ele, multiplicai-vos e enchei as trancas.
Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo aquele que pensar em se opor a vós.
Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva e o pó.
Somente comereis carne com a sua alma, com seu sangue.
Todo aquele que trair a nós terá seu sangue derramado pelos irmãos, porque faço de vós a nossa imagem.
Sede, pois, fecundos e multiplicai-vos, e espalhai-vos sobre a terra abundantemente. PCC 15:33

Caiu na escuta telefônica da Operação Dictum

Bem, talvez não tenham sido exatamente com essas palavras, mais ou menos isso que Luan Lino de Andrade, o Pirlo do PCC disse e que serviu para alertar a Polícia paranaense sobre os planos de disseminação do Primeiro Comando da Capital (facção PCC) pelos presídios do interior do estado.

A facção paulista há tempos utiliza os planos secretos dos estrategistas do governo para ampliar seu campo de atuação. A lição já deveria ter sido aprendida em 1992 quando espalharam os facciosos do Carandiru para todo o estado.

Posteriormente em outra tentativa de diminuir o poder da organização criminosa, os estrategistas dividiram os PCCs pelos mais diversos estados brasileiros, fazendo assim que a facção se tornasse uma potência nacional.

Agora, passado 25 anos, o delegado federal Marco Smith alerta que enviar os líderes do Primeiro Comando da Capital para o interior faz mal para a saúde:

delegado federal Marcos Berzoini Simith

“O que nos preocupa atualmente é a firme disposição da facção de espalhar seus líderes por todos os presídios (…) o objetivo da facção é espalhar os seus líderes pelo interior para fortalecer as regiões que, como eles chamam, não estão ‘na sintonia’.”

Rícard Wagner Rizzi

O PCC, a pacificação e a eleição de 2018

A estratégia do Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533) para as eleições de 2018 – o preço da pacificação.

A organização criminosa agirá nas eleições?

Há uma semana nada publico; não foi por desleixo, mas pela dúvida: será que eu poderia contar a você sobre a estratégia do Primeiro Comando da Capital para as eleições de 2018?

Você que já me conhece sabe que prefiro não me arriscar, ainda mais quando a vida de dezenas – senão de centenas – de pessoas estão em risco, mas Melina me convenceu a quebrar o silêncio.

Para você que não a conhece, eu a apresento: Melina Ingrid Risso é autora do trabalho Da prevenção à incriminação: os múltiplos sentidos da abordagem policial apresentado à EAESP-FGV.

Para relaxar depois de cumprir com minhas obrigações, dei uma lida no texto de Melina e garanto a você que valeu a pena. Ela apresenta e analisa a abordagem policial com dados inéditos, entrevistas e pesquisa de campo, e só então coloca em discussão a política de Segurança Pública e sua relação com a comunidade.

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Conhecer o perigo pode poupar vidas

Você sabia que são feitas mais de 14 milhões de abordagens policiais por ano? Pois é, mas o trecho que me convenceu a apresentar a você a possível estratégia de ataque da facção paulista foi outro:

“O ‘Salve Geral’ dado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em Maio de 2006, isso é, a ordem para que policiais fossem assassinatos […] 23 policiais militares, 8 policiais civis, 8 agentes penitenciários, 3 guardas civis municipais e 1 bombeiro, além de 2 familiares de policiais – a noiva de um policial civil e o filho de outro […] a cúpula do governo sabia que o PCC havia dado o ‘Salve Geral’ mas optou por não alertar os policiais.”

As escaramuças de maio de 2006 deixaram um saldo de mais de 600 mortos, vidas que talvez tivessem sido poupadas se as forças policiais fossem alertadas a tempo.

O que falei nesse site sobre os ataques do PCC em 2006 → ۞

Aprendendo com o passado

Eu não sei onde você estava no dia 11 de Dezembro de 1989, mas sei que o empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, foi sequestrado em São Paulo nesse dia.

Eu não estava envolvido naquele sequestro, e pelo que me lembre, você também não, mas o que eu sei com certeza é que em 2018, assim como 1989, há uma eleição presidencial e que o sequestro de Abílio Diniz foi a pedra que fez Lula tropeçar e não ser eleito naquele ano.

Apenas alguns homens e o boato que estariam ligados ao partido de Lula fizeram com que ele tivesse que esperar a próxima eleição para poder ser eleito.

O estado de São Paulo, hoje, apresenta o menor número de homicídios de sua história recente graças à pacificação imposta pelo PCC.

O que falei nesse site sobre a pacificação → ۞

Os Catorze do PCC decidirão a eleição

Você, eu e os Catorze sabemos disso, mas são esses últimos que decidem dentro do Primeiro Comando da Capital até quando a pacificação do estado de São Paulo se manterá – e a que preço.

Márcio Sérgio Christino e a antropóloga Karina Biondi que me perdoem, mas não é possível entender a facção criminosa PCC estudando seus livros – a gangue evolui em nossa sociedade com a eficácia de um vírus, e enquanto se desenvolve uma vacina o imbróglio já evoluiu.

Ao contrário do ocorrido em 1989, hoje a facção entende que o termo comando da capital que traz em seu nome não é apenas um grito de guerra, mas uma realidade indubitável. O PCC 1533 decidirá se Geraldo Alckmin e João Dória Júnior serão ou não eleitos – e a que preço.

Não se iluda com os discursos da direita ou da esquerda que alegam que a negociação do PCC é com o PSDB: as melhores ofertas são daqueles que querem chegar ao poder derrubando o acordo tácito que atualmente mantém a pacificação – e ofertas não faltam.

O que falei nesse site sobre o Alckmin → ۞

A demonstração de poder será pontual

Quanto custaria e quanto valeria para um partido político comprar a instabilidade de São Paulo, mesmo que o preço fosse a morte de policiais e civis? Bem pouco para quem almeja conquistar os governos Federal e estaduais.

Ao contrário de 2006, a cúpula da Polícia não terá a oportunidade de omitir a informação da tropa, pois a facção recrutou voluntários entre criminosos sem ligação com a organização criminosa, cada um tendo se comprometido a matar cinco policiais, e não haverá um Salve Geral antecedendo o ataque.

A evolução dos métodos operacionais dentro da organização criminosa sempre me surpreendem, e desta feita o mecanismo de detonação não poderá ser rastreado: o irmão responsável pela ação irá ao local onde o ataque será ordenado e coordenará os voluntários que já têm seus alvos escolhidos por eles mesmos – não há listas, cada célula escolhe sua missão para cumprir a meta.

Sem aviso e sem rastros

Não pense que será feita alguma ameaça. Uma ação como essa, para ser efetiva, deve excluir qualquer chance de risco para a facção e para os políticos envolvidos na negociação, e, portanto, virá mascarada como vingança contra um ato de abuso de força policial que venha a acontecer, o que não é difícil.

Um incidente que em outra situação não teria relevância servirá para justificar perante a sociedade a realização do ataque, mantendo as verdadeiras razões ocultas e restringindo a zona de vingança por parte dos agentes policiais.

“Desculpa, mas as facções só vão crescer e se tornar mais fortes. Não se iluda. Tem político eleito com dinheiro das organizações [criminosas]. Elas estão dentro dos partidos políticos.” Marcos Valério Fernandes

Esse texto foi baseado no conto O barril de Amontillado, de Edgar Allan Poe.

Rícard Wagner Rizzi

Marielle Franco, o PCC e a linguagem jornalística

A importância histórica do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) é inegável, mudou nosso comportamento em todas as áreas de nossa vida. Até as notícias que você lê só são escritas hoje, da forma que são, por conta da facção PCC.

A morte da ativista como fenômeno social

Me surpreende a violência que vive dentro de cada um de nós, parece filme de terror, e a morte da ativista Marielle Franco  trouxe à tona o que temos de pior; mas esse artigo não pretende defender ou condenar a ativista morta ou aqueles que a acusaram.

Raíssa Benevides Veloso e Francisco Paulo Jamil Marques me chamaram a atenção para a situação no seu artigo “O Papel das Fontes Oficiais na Cobertura sobre Segurança Pública — um estudo do jornal O Povo entre 2011 e 2013”.

Inicialmente, só ia aproveitar um fato lembrado nesse artigo produzido para a Universidade Federal do Paraná UFPR: 125 depois de sua fundação, o Jornal do Brasil criou em 2006 uma editoria específica sobre Segurança Pública por conta dos ataques do PCC.

Mas os pesquisadores em Comunicação Política da UFPR apresentaram uma análise histórica de nossa percepção da violência e dos caminhos que levaram o jornal a abandonar o conceito de “páginas policiais”, e essa mudança foi fruto de um fenômeno social nacional: o PCC.

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Os atentados do PCC de 2006 como fenômeno social

Para muitos de nós, uma morte é uma morte e ponto final. Os críticos de Marielle Franco reclamaram nas redes sociais que a imprensa e grupos de direitos humanos deram demasiada atenção para essa morte em detrimento das outras tantas diárias.

Para muitos de nós, crime é crime e ponto final. Até o fenômeno dos ataques do PCC em maio de 2006, as ações dos criminosos no controle das áreas periféricas e dentro dos presídios eram percebidas como problemas pontuais de polícia.

Mas para alguns de nós a coisa não é bem assim. Deve ser contextualizada e entendida, caso por caso, morte por morte, crime por crime, cada um com seu peso e sua medida, e os pesquisadores Raíssa e Francisco fizeram essa contextualização.

Para isso, utilizaram a ação do Jornal do Brasil, para demonstrar que algumas mortes e alguns crimes são reflexo de uma mudança que já estava em curso dentro da sociedade e, nesse caso, o crime deixava se ser um fato típico.

Com absoluta certeza, os líderes do PCC ao ordenarem os ataques, jamais imaginariam que com essa atitude estariam não apenas jogando uma pá de cal nas editorias policiais como estariam traçando um marco, assim como o grupo que matou a ativista.

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A Segurança Pública analisada como fenômeno Social

A imprensa passou a refletir cada vez mais os anseios de justiça social por parte do cidadão comum, e assim os jornalistas de segurança pública passaram a ter que levar em consideração temas paralelos, como as condições sociais, econômicas e políticas.

Exemplifico com reportagem da prisão de Welinton Xavier dos Santos, o Capuava, um dos líderes do PCC, na qual o repórter Marco Antônio de Carvalho, do Estadão, produziu um texto policial informativo, mas fazendo uma crítica social contra a corrupção no judiciário.

Índice de Capacidade de Combate à Corrupção 2021 nos países com maior influência da facção Primeiro Comando da Capital:

Índice de Capacidade de Combate à Corrupção na Tríplice Fronteira

Mas ainda é pouco…

… como ficou claro para mim ao analisar os números do Google Trends para 2017 em relação a facção PCC e verificar que o UOL Notícias foi o veículo mais buscado pelos usuários do site de buscas, e não as tradicionais mídias ou policialescas…

Será extremamente difícil nossa sociedade sair —a construção de um círculo policial-midiático-criminoso, um pelourinho midiático ao qual expõe e criminaliza as comunidades periféricas para o deleite de uma população que se sente superior.

Os repórteres do UOL Notícias fizeram a diferença pela forma como transmitiram as notícias — podia-se perceber as pessoas, sentir suas emoções, entender o fenômeno social que representavam, e tudo isso sem deixar de apresentar os fatos.

Onde citei neste site sobre o Google Trends → ۞

A imprensa analisando o fenômeno social

A facção criminosa Primeiro Comando da Capital e a morte da ativista Marielle Franco tiveram o poder de mostrar o melhor e o pior de cada um de nós, forçando os governos e a sociedade a abrirem os olhos para aquilo que por muito tempo esteve escondido.

As políticas de Segurança Pública entraram na agenda do dia visto sob outra perspectiva, mesmo para aqueles que preferem manter sua opinião de que no tempo da Rota na Rua e do Regime Militar os números da violência eram menores do que os de hoje, apesar dos fatos…

… mas os fatos são entendidos de formas diferentes por cada um de nós. O gráfico Taxas de Homicídio de 1980 a 2016 (comparativo: Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro) serve como argumento tanto para os adeptos da direita quanto os da esquerda — vai do gosto.

Nas décadas de 1970 e 1980, os jornais Espreme e sai sangue eram as grandes sensações, e aqueles que, assim como eu, viveram naquele tempo, ouviram em casa que não se podia mais sair nas ruas, que as pessoas ficavam presas em casa e os ladrões livres.

O que falei neste site sobre as taxas de homicídio → ۞

Tudo mudou para nada mudar

Se Marielle Franco era uma voz a ser ouvida ou criticada, eu não sei — ela foi calada sob os aplausos de parte da sociedade e repúdio de outra parcela — o que sei é que essa morte permitiu que, afinal, sua voz fosse ouvida com a cobertura da imprensa que ela não tinha.

Se os presos que protestavam contra as desumanas condições do sistema carcerário tinham razão em suas reivindicações, eu não sei — eles foram calados na chacina do Carandiru, sob os aplausos de parte da sociedade e repúdio de outra parcela —, o que sei é que essas mortes abriram caminho para o surgimento do PCC, e essas vozes, afinal, conseguiram a cobertura da imprensa que elas não tinham.

A palavra chacina não tem uma conotação jurídica como homicídio ou latrocínio, sendo representada no âmbito jurídico como “homicídios múltiplos”. Chacina, portanto, é uma expressão popular que desencadeou um acúmulo de violência contra um grupo de pessoas estereotipadas, seja pela classe social, cor da pele ou ação política.

Camila de Lima Vedovello e Arlete Moysés Rodrigues+

Raíssa e Francisco da UFPR, analisando o conteúdo dos jornais, afirmam que estes mostram o ponto de vista dos governos, isso porque boa parte dos textos é reservado às autoridades de forma exclusiva, reprimindo, assim, as demandas sociais até a ruptura.

As vozes dos fenômenos sociais que discordam são mostradas pontualmente e servem para legitimar o discurso oficial. Com isso a morte de Marielle e dos que estão nas periferias ou prisões servem para ressaltar a importância de mais segurança pública com seus…

“… programas direcionados ao policiamento ostensivo, deixando de lado questões paralelas, como sistema penitenciário e a necessidade de avanços na investigação e na legislação.”

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Sangue novo alimenta fascistas e comunistas

Fiquei surpreso ao ver desnudada a violência que vive dentro de cada um de nós, com as reações públicas de alguns grupos sobre o atentado que vitimou Marielle Franco, mais me abismei ao ler a crônica da semana de João Pereira Coutinho, Mãe Rússia.

“Na minha inocência, pensava que os brasileiros nostálgicos [da ditadura militar] eram gente de 70 ou 80 anos. (…) Que nada, (…) são gente que nunca viveu no regime militar. Os nostálgicos sentem nostalgia por algo que nunca conheceram.”

Um cronista do outro lado do oceano teve que vir me explicar as razões pelas quais, apesar de tudo que fizemos, não mudamos:

“… o entusiasmo pela extrema esquerda e pela extrema direita é coisa de jovens. Não apenas porque os jovens são mais impulsivos e ignorantes em assuntos políticos — porque as memórias do comunismo e do fascismo são inexistentes para eles.”

E são esses que exigem mais ou menos segurança com repressão ou trabalhos sociais de acordo com o lado que estão — enquanto o sangue corre, pois a realidade não se preocupa com o ponto de vista e as convicções ideológicas dos jovens impulsivos ou não.

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Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)

Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Gegê do Mangue — um grande golpe para o PCC 1533

A logística de distribuição de drogas evoluiu sob a batuta de Gegê do Mangue. O Primeiro Comando da Capital deixou de depender exclusivamente das armas e das drogas vindas do Paraguai e da Bolívia, criando uma rota alternativa ao norte.

Todos acreditavam que Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, cuidariam de zerar Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, quando ele deixasse a tranca — era mais seguro para ele na segurança do sistema do que na rua.

Agora Gegê e Paca já eram, as lideranças das trancas voltaram a dominar, e sem rivais à altura na rua. Acabou essa da facção criar uma raiz fora do sistema prisional.

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Uma das características da facção paulista, como em qualquer matilha, é o rígido sistema hierárquico cuja liderança é disputada à custa de sangue pelos diversos alfas — e essa é a melhor hipótese para a morte de Gegê e Pacas segundo a imprensa, os especialistas, os policiais e até entre os PCCs.

O Procurador de Justiça Marcio Sergio Christino lembra que a disputa pela liderança já aconteceu no passado com sangue. Se duvidarem, é só perguntar para Dionísio César Leite, o Cesinha, Jonas Mateus e Wander Eduardo Ferreira, o Cara Gorda.

Existe outra possibilidade.

A morte de alguns líderes, dentro e fora do sistema, teria sido engendrada por Gegê, e as execuções foram feitas sem seguir o procedimento da facção, com respeito às regras de hierarquia e defesa — e agora o errado foi cobrado.

No mundo das fofocas, correm boatos, também, de que eles estariam desviando dinheiro da facção, e outros falam até que Gegê estaria indo para o Ceará para tentar fechar um acordo com o Comando Vermelho (CV) e Família do Norte (FDN) sem aval da cúpula — e o medo era que ele resolvesse trocar de camisa…

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… um indício de que o assassinato teria sido uma ordem vinda de dentro é o fato de, ao contrário do que sempre acontece, não ter ocorrido a tradicional homenagem aos mortos feita pelos PCCs nos pátios dos presídios, como nos conta Josmar Jozino:

“Os prisioneiros fazem uma roda no centro da quadra, baixam a cabeça em sinal de respeito ao morto, rezam o Pai Nosso e depois entoam o tradicional grito de guerra da organização: PCC, 1533, PCC, 1533, um por todos, todos por um. Um por todos, todos por um.”

O que ninguém leva a sério é que isso tenha sido uma ação do governo ou dos inimigos. Foi como uma cena de Hollywood, de filme americano, com helicóptero atirando nos chefes do tráfico no solo em uma reserva indígena, coisa, assim, que só o Primeiro Comando da Capital poderia produzir.

As consequências disso são impossíveis de serem imaginadas, e quem o fizer vai estar apenas “chutando”.

Como ficará a questão sobre as ligações feitas por Gê no mercado internacional de armas e drogas, e quanto o Primeiro terá que rever contratos e rotas?

Os que fechavam com Gê vão continuar fiéis à facção ou vai ter algum deles rasgando a camisa e pulando para os inimigos?

Eu , se tivesse que chutar, diria que a estrutura ficou ainda mais forte e coesa, mas, ao eliminar um líder forte e articulado, a facção vai perder capacidade de gestão e logística. Quem assumirá o gerenciamento e controle nas ruas dos sintonias dos países?

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A logística de distribuição de drogas evoluiu sob a batuta de Gegê do Mangue. O Primeiro Comando da Capital deixou de depender exclusivamente das armas e das drogas vindas do Paraguai e da Bolívia, criando uma rota alternativa ao norte (Venezuela-Colômbia-Ceará).

Para isso a cabeça de ponte é garantida nas ruas pelos aliados dos Guardiões do Estado GDE 745, fundamentais para quebrar a barreira dos inimigos. O ministro da Segurança Pública, Torquato Jardim, confirma que”quem conquistar o Ceará, conquistará o Nordeste.

Com essa mudança de estratégia de importação, Gegê estaria conseguindo minar os vínculos de confiança entre os FDN CV e SD RN com os seus fornecedores estrangeiros. Até quem combatia o bandido sabia de seu valor. O Promotor de Justiça Lincoln Gakiya comentou a respeito da morte de Gegê:

“É um grande golpe para o PCC. Eles ajudaram muito a aumentar a arrecadação e o poder de crescimento do tráfico, principalmente, porque tinham autonomia, capacidade de gestão e gozavam da confiança da cúpula”.

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Além do tráfico de armas e drogas, Gegê também participaria da organização das mega-operações de assalto, como foi o caso da sede do PROSEGUR, na Ciudad del Este no Paraguai, e diversas outras ações dentro e fora do Brasil. Todos, inclusive eu, afirmavam que Gegê estava na Bolívia ou talvez no Paraguai, mas…

… para surpresa geral da galera “especialista”, o garoto parece que estava há mais de um ano morando com Paca, pertinho de onde foi morto. A dupla morava em um condomínio de alto padrão, o Alphaville do Porto das Dunas, em Aquiraz — pelo menos é o que afirma a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco).

Então, além de estar com um cordão de ouro e um pingente em forma de cifrão avaliados em 400 mil reais e um relógio de 40 mil reais, Gegê ainda estava morando em uma mansão de dois milhões de reais — falta de humildade também mata, principalmente quando seus colegas te olham do outro lado da muralha.

Algo muito estranho é que, antes mesmo dos corpos serem identificados formalmente, alguma boa alma pagou para a funerária 100 mil reais pelo embalsamento dos corpos — como tem gente boa nesse mundo!

Para quem quer conhecer mais quem era o Gegê do Mangue, sugiro duas reportagens:

Kleber Tomaz do G1 SP conta entre outras coisas que o garoto além de empinar pipas foi coroinha da igreja e office-boy no centro de São Paulo…

Fabíola Perez do R7 SP também buscou informações de sua juventude e trás um depoimento inconformado de um mecânico que diz que o traficante “sempre pagava pelo atendimento, ao contrário dos policiais que não pagavam o reparos em viaturas”. A repórter ainda conta que vários estabelecimentos comerciais do bairro lavavam o dinheiro da facção.

O exército de 200 mil homens da facção PCC 1533

Podemos acreditar que são 200 mil os integrantes da facção Primeiro Comando da Capital?

PCC, onde estão, quantos são, e qual sua força?, este foi o título de um artigo que publiquei no início de 2016 — sua base foi um levantamento feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, muito coerente com a realidade das ruas e, sendo assim, o comparei com o mapa do sistema carcerário e o publiquei.

Confiei no número passado pelo MP-SP (20 mil — 2016); também acreditei no resultado dos levantamentos de órgãos de segurança pública (40 mil no início de 2017 com expectativa de 80 mil para o encerramento do ano); e abonei a quantidade apontada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República GSI (200 mil), assim como também acreditei no site DefesaNet quando informou que o total do efetivo das forças armadas não chega a 30 mil homens.

Se eu, em algum momento duvidei nos 200 mil integrantes apontados GSI em 2017, agora com Dados do Núcleo de Estudos sobre a Violência da USP que apontam que o número de integrantes do PCC em Mato Grosso do Sul saltou de 15 mil para pelo menos 21 mil entre 2016 e 2021, agora não tenho mais dúvidas.

A que ponto chegamos?

Considerando uma taxa de dependentes de 50% e de desemprego de 10%, e levando em conta que o Brasil possui 200 milhões de habitantes, concluímos que o Gabinete da Presidência trabalha com a possibilidade de que o Primeiro Comando da Capital sustente de maneira direta 320.000 habitantes.

Não fique aí só lendo — veja se tem lógica pelo que você conhece da sua cidade.

Corte três zeros do número de habitantes do seu município ou bairro……
Salto de Pirapora SP (40.132 = 40)
Sorocaba SP (586.625 = 586)
Campinas SP (1.080.113 = 1080)

… Lembre dos pontos de vendas de drogas, calcule dois por biqueira. Veja, esse é só um chutão, pois existem biqueiras que nem tem envolvidos com o Comando, por outro lado alguns tem vários, assim como tem aqueles que não se dedicam ao tráfico como os assaltantes, e tem aqueles que nem aparecem nas ruas, cuidando do administrativo, o operacional, e outros profissionais.

Sorocaba coloquei como exemplo propositalmente — apenas uma das unidades prisionais abriga outras facções, e são milhares de presos nas unidades PCCs. Não estou tentando provar que o número do Gabinete de Segurança da Presidência da República é válido ou não — essa parte estou deixando para você fazer, e caso queira, me diga a que conclusão chegou.

Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, afirmou que ele e a facção paulista não chegam aos pés do que a imprensa pinta, e em 2017, em duas ocasiões, il capo ma non troppo do PCC 1533 provou estar certo — mas não se engane, não vim aqui para criticar a mídia, mas, sim, para fazer um mea culpa: Pater, peccavi, pois me calei diante da injustiça.

O Marcola era homicida, sequestrador, roubava banco, não tinha nada a ver com a facção, mas é um homem articulado. E quando ele foi levado para o presídio de Tremembé [no interior de SP] começa a conversar com os últimos presos políticos no sistema prisional e aprende com eles sobre como estruturar o tráfico, a gerenciar como uma empresa, ao mesmo tempo em que vende internamente para os detentos a ideia de uma irmandade revolucionária.

desembargadora Ivana David

Por trás do silêncio existe um ser dizendo que é melhor do que o outro porque não falou ou expressou tamanha barbaridade. Isso é a arrogância do silêncio… Eu sou melhor do que ele porque não falo tantas besteiras! Talvez o indivíduo possa ser um falastrão, mas ele tem a sinceridade e a sensibilidade para expor quem ele é e não esconder sua arrogância por trás do silêncio. Bispo Sérgio Correia

Em uma das ocasiões, foi apresentado um plano de fuga para o Marcola quando até as pedras sabiam que a estratégia não seria essa, mas a outra situação foi ainda mais inusitada.

O repórter Flávio Costa publicou o artigo Em guerra contra rivais, PCC afrouxa regras de “batismo” para ter cada vez mais membros, no qual torna pública a campanha para o ingresso de novos membros para a facção, mas, ao contrário do que afirmou, a razão principal para o recrutamento é econômica, e não para aumentar o poder ofensivo.

Não é necessário ser um irmão batizado para ser enviado para as zonas onde o PCC está em guerra com o Comando Vermelho (CV), a Família do Norte (FDN) e o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte (SDC RN) — companheiros, aliados e até simpatizantes podem lutar e morrer, mas contribuir para o caixa da facção é só para os irmãos.

O sol nem se tinha posto no dia em que a matéria foi publicada e o site amazônico Brasil Norte Comunicação (BDC) aproveitou a chance para colocar uma chamada para a matéria, destacando a criação de um “exército” do crime: PCC cria exército para enfrentar FDN e novo massacre é ameaça.

O sol nem havia nascido novamente e o exército do crime, que foi criado a poucas publicações, duplicou na manchete do site português Jornal de Notícias: Grupo criminoso duplica “exército” para enfrentar guerra com rival em 2018.

Os repórteres Clayton Neves e Arlindo Florentino, do site MidiaMax, foram atrás da informação e produziram o sóbrio artigo Cada vez mais presente em Mato Grosso do Sul, PCC faz mutirão de filiações — foi a última reportagem que se pôde levar a sério sobre o assunto, as demais ou replicaram, ou acrescentaram mais pontos ao contar o conto.

Esta manhã acordo com essa manchete no Estadão, Uso do Exército para combater o crime nos Estados cresce pelo menos 3 vezes, na qual o repórter Marcelo Godoy expõe os dados que coletou sobre a utilização das forças armadas como ferramenta complementar das forças de segurança pública.

Gato escaldado tem medo de água fria, e eu gelei…

Em determinado ponto da reportagem, Godoy entrevista o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, que afirma que o Gabinete de Segurança Institucional estima em 200 mil só os adeptos do Primeiro Comando da Capital (PCC) no País.

Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, tinha razão, o diabo talvez não seja tão preto quanto o estão pintando, mas desta vez, ao menos, não terei que vir até você para fazer um mea culpa: pois diante do perigo eu venho trazer o alerta e o esclarecimento:

Existem, sim, 200 mil pessoas envolvidas ao PCC no Brasil, que não formam um exército, muito longe disso — esse número compreende batizados e companheiros, se acrescentarmos aliados e simpatizantes, talvez esse número dobre, se acrescentarmos inimigos e criminosos sem camisa que aceitariam participar de ações, talvez esse número quadruplique, mas…

… nem esquenta, qualquer coisa é só colocar os 30 mil homens das forças armadas nas ruas, 20 mil se tirarmos os administrativos e os impossibilitados de ações de campo, 10 mil se tiramos os que tem que manter os postos e quartéis seguros e os que cuidam da logística e, no fim, se não errei nas contas, seria algo como dois soldados para cada cidade do país.

Nos últimos anos, como consequência do acirramento da disputa por poder entre grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem sido recorrente a execução de grupos rivais dentro de unidades prisionais. Nestes casos, a morte, mesmo qualificada por uma brutalidade terrível, choca ainda menos. Tornamo-nos uma sociedade sádica, despudorada que não apenas aceita estas mortes, mas vibra com elas. A morte deve entrar em casa, tomar café e almoçar todos os dias com cada um de nós e não mais assustar. Tal sadismo toma forma a partir do crescente número de programas jornalísticos sensacionalistas, sucessos de audiência, centrados no espetáculo da violência. O medo da violência não desperta indignação, mas alimenta o ódio ao “outro”, reforçando a cisão social. Neste sentido, a percepção reproduzida nos últimos anos de uma sociedade dividida entre “cidadãos de bem” e “marginais” aparece como a versão mais moderna da polarização entre a Casa Grande e a Senzala. (leia o artigo dessa citação na íntegra)

Rafael Moraes é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
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