A facção Mercado do Povo Atitude MPA existe?
Acho que terei que, na humildade, pedir permissão para chegar no privado do Geral dos Estados e Países para que ele deixe claro o posicionamento da facção Mercado do Povo Atitude (MPA) em relação ao Primeiro Comando da Capital (PCC 1533).
Ninguém duvida que a MPA é uma das facções ligadas ao PCC na Bahia, no entanto, ela não aparece na listagem de aliados e inimigos do final de 2017. Confira comigo:
ALIADOS DO PCC NA BAHIA
Bonde do Maluco (BDM)
Outro de Ouro
A geita
FAL
BNT
PCA
INIMIGOS DO PCC NA BAHIA
Comando da Paz (CP)
Comando Vermelho (CV)
Terceiro Comando de Itabuna (TCI)
FACÇÕES EM PAZ COM O PCC
APE
Katiara
MTA
Os cavera
PG
Suave Jorge
veja a lista de facções, grupos e bondes aliados e inimigos completa atualizada
Algumas são muito conhecidas, outras, para a maioria das pessoas, nem existem. A dúvida permanece: cadê a facção Mercado do Povo Atitude? Será que ela ainda existe ou será que Gilberto estava falando a verdade?
Fiéis desde que eram pequenininhos lá na Bahia
Faz tempo que ouço falar dessa tal facção Mercado do Povo Atitude. A primeira pessoa que me trouxe notícias desses criminosos baianos foi Mário Bittencourt, repórter do A Tarde, em dezembro de 2011. Isso já faz mais de cinco anos, e a organização criminosa já estava com a Família 1533:
Edilson Pereira Vianna, 33, o Aleluia, morto domingo a cerca de 100 metros da delegacia, era do grupo de Buiú, líder do MPA, e teria ajudado na fuga, sábado passado, do traficante Rivaldo Freitas Oliveira, o Maicão, que teria ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista.
Naquele tempo, já se sabia que a MPA tinha nascido nas ruas próximas ao Mercado do Povo, no Baião em Porto Seguro, e que já havia se expandido para os bairros do Paraguai e do Ubaldinão, sob o comando de André Marcos dos Santos, o tal do Buiú. Mário conta um caso que mostra que a facção MPA, mesmo no começo, já corria pelo lado certo do lado errado da vida:
les mandam aqui. Certa vez, roubaram roupas que vendo e me queixei com um deles; à noite, as roupas foram devolvidas em minha casa.
contou um morador do Ubaldinão
No entanto, já nasceram com sangue de cangaceiros nos olhos:
Com os traficantes rivais, porém, as ações são bem incisivas: tocam fogo em casas, matam, ameaçam familiares e fazem rondas armadas perto da casa dos inimigos.
Gilberto, mesmo sendo político, falou a verdade?
Sei que é difícil acreditar em um político, eu sei, mas têm alguns que falam a verdade, e talvez tenha sido esse o caso. Isso explicaria o porque de o nome da facção aliada MPA não constar na lista de 2017 — como diria o padre Quevedo: “non ecziste”.
O repórter Pedro Ivo Rodrigues, do site O Xarope, relata que o prefeito de Porto Seguro, Gilberto Abade, se reuniu com as autoridades alguns dias após a morte de Alelúia. Entre outras coisas, o político afirmou:
Nós vamos garantir a segurança dos cidadãos, a integridade das famílias de bem. A ação do Estado foi para mostrar aos bandidos que aqui tem lei e tem ordem. As pessoas honestas não podem defender criminosos […] Eles também assassinam as crianças… [e] O governador Jaques Wagner está firme comigo.
Segundo Gilberto, já não são nem as bruxas e nem os comunistas que matam criancinhas, agora são os facciosos do MPA. O preço a ser pago pela segurança pública é agora a eterna vigilância de toda a sociedade contra esses homens maus.
As declarações do prefeito de Porto Seguro foram feitas há mais de cinco anos, e nos esclarece a omissão do nome da facção Mercado do Povo Atitude na lista de aliados e inimigos do PCC.
O trabalho não acabou. O policiamento ostensivo foi reforçado em Porto Seguro. Há mais de 20 equipes especializadas da Polícia Militar e efetivos da Polícia Civil na cidade. Também contamos com o apoio da Polícia Federal.
delegado Evy Pedroso
Gilberto Abade, Jaques Wagner e toda força policial municipal, estadual e federal já devem ter acabado com meia dúzia de semi-analfabetos sem capacidade e estrutura.
… Subestimado pelo governo, que não conhece a realidade das cadeias, o PCC criou raízes em todo o sistema carcerário paulista.
Nas prisões, diretores ultrapassados, da época repressão [no regime
militar], tentavam resolver o problema de maneira que em foram doutrinados: porretes, choques, água fria, porrada…
Não foi suficiente.
Em menos de três anos, já eram três mil. Em menos de dez anos, 40 mil.
Carlos Amorim
O PCC e o mundo líquido de Zygmunt Bauman
Enquanto Gilberto aposta no discurso macartista, Marcola, que já cansou de dizer que não é chefe do PCC, surfa em no mundo líquido de Bauman — em que as fronteiras se dissolvem, seja entre as nações ou entre as organizações criminosas.
Antônio Mateus Soares, Matheus Reis de França e Claudemir Santana acreditam que isso é uma característica dessa era de transição, na qual os limites ainda não estão claramente estabelecidos — afinal, não há mais o certo ou o errado, tudo agora é relativo.
O certo é que devido a insustentabilidade social dessa época, jovens que não conseguem se adaptar às necessidades de um mundo globalizado busquem estabilidade no mundo do crime, mais simples, em que o certo é o certo e quem corre pelo errado morre — simples assim.
Os pesquisadores abordam essa questão e falam sobre a Mercado do Povo Atitude e sua arquirrival, a facção Comando da Paz (CP), no estudo A economia do ilegalismo: tráficos de drogas e esvaziamento dos direitos humanos em Porto Seguro, BA, apresentado no IX ENCONTRO DA ANDHEP.
Falando sobre quem “non ecziste”
Nesse mundo construído por Gilberto Abade e Jaques Wagner, no qual estão garantidas a segurança dos cidadãos e a integridade das famílias de bem, não há espaço para facções criminosas como as descritas pelos pesquisadores.
No entanto, Antônio Matheus e seus colegas afirmam que a facção não só se manteve viva e forte mas também estava ombro à ombro com a facção paulista:
O MPA — Mercado do Povo Atitude —, facção que atua no sul e extremo sul da Bahia e, segundo depoimento de membro da facção e de policiais, possui vinculação com o PCC — Primeiro Comando Capital —, que, além de emprestar os princípios ideológicos de funcionamento, operacionaliza a distribuição de armas de fogo e de drogas no atacado para a comercialização.
Os autores também fazem uma síntese comparativa entre o MPA e o CP:
MERCADO DO POVO ATITUDE MPA. — Bairro Baianão.
Ligação: PCC-SP — Símbolo: Caveira e Cruz (1533 MPA) — Estratégia: queima de ônibus; bloqueio de vias; toque de recolher; e celebração de luto; — Grupo coeso e hierárquico. Produto de consumo da marca Cyclone (bonés, camisas e bermudas).
COMANDO DA PAZ CP — Área do Campinho.
Ligação: CP-Salvador — Símbolo: Escorpião (315 CP) — Estratégia: esquartejamento de corpos — Grupo pulverizado com ritos de execução, mas primam pela discrição no seu cotidiano. Produto de consumo da marca Nike (bonés, camisas e bermudas).
O MPA e o PCC como fenômeno social
Normalmente, quem defende que as facções criminosas, assim como o próprio crime, são questões policiais e devem ser enfrentadas com o uso da força são pessoas ligadas à área da Segurança Pública ou a seus admiradores. Essa, no entanto, é uma defesa incoerente.
Acredito que Gilberto Abade, Jaques Wagner e o delegado Evy Pedroso, assim como as “mais de 20 equipes especializadas da Polícia Militar e efetivos da Polícia Civil na cidade e a Polícia Federal”, tenham se esforçado por derrotar as facções baiana e paulista nesses últimos cinco anos.
Porém, ambas estão maiores e mais fortes que há cinco anos — talvez, seja a hora de abandonar a abordagem positivista e macartista e seguir o exemplo daquele que nem é da facção, o Marcola, e mergulhar no mundo líquido para combater o crime organizado.
Antônio Matheus e seus colegas destacam que quem morre de fato são os garotos dos corres e aqueles que se envolvem no crime sem se adequarem às suas regras, seja pelas mãos da polícia ou dos próprios colegas. Apesar disso, o grupo continua se fortalecendo.
A ética do crime e a ética da polícia
Inocente não vira presunto, não se mata gente da gente! Não se mata turista da orla. Aqui no baianão só morre quem corre pelo errado, que trai a facção e a parceria, e os boca aberta, mas antes passa a caminhada.
Matar polícia é cabuloso, o bagulho lombra a parada, atrapalhação na certa, a gente respeita a farda e eles nos respeita. É moral, parceria! Polícia não mata traficante patrão, depende do horário, do momento e da situação, mata ‘noía’ e ‘comédia’, traficante de verdade, só dança se não tiver moeda, ou se dê azar. A polícia mata ‘nóia’ e ‘otário’, tem tempo que entra na favela e mata três, quatro e cinco, só para falar que estar fazendo seu trabalho.
Juntos somos fortes, unidos somos invencíveis — PCC MPA
Seis de março de 2018, seis anos e quatro meses após Gilberto ter afirmado que os porto-segurenses podiam dormir tranquilos, são os eunapolitanos que acordam em meio a uma guerra — prova que nem sempre político mente!
A Mercado do Povo Atitude não foi desestruturada como Gilberto fez crer em 2011. A facção manteve-se fiel ao 15, e tornou-se uma organização criminosa profissional, aproveitando-se da política paulista de fortalecimento e profissionalização das alianças locais.
A Operação Costa do Descobrimento, da Polícia Federal, provou que os homens do Primeiro Comando participaram da ação armada em março e garantiram a infra-estrutura para a operação, com o aluguel de um galpão para ser utilizado como base operacional, com documentos falsos e com a constituição de uma empresa em São Paulo para abrigar contas bancárias.
Acho que será melhor eu nem chegar no privado do Geral dos Estados e Países para que ele deixe claro o posicionamento da facção Mercado do Povo Atitude (MPA) em relação ao Primeiro Comando da Capital (PCC 1533) — a Polícia Federal já respondeu a questão.
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