Lugar de fala sobre as péssimas condições carcerárias
Escrever sobre as péssimas condições carcerárias é sempre um desafio.
Poucos conseguem retratar o que ocorre por trás das muralhas sem temer errar ou sofrer represálias.
O mundo por trás dos encarcerados não é assunto para leigos, se bem que, todos acreditam saber de como o Estado deveria agir.
Uns, defendendo o uso indiscriminado da força para manter a disciplina, outros que se permita uma autogestão nos presídios, mas entre o preto e o branco há uma infinita gradação de tons de cinza, nos quais a minha, a sua e a opinião de todos se encaixa.
Já Dr. Gerciel Gerson de Lima trata deste assunto com conhecimento de quem atuou dos dois lados das muralhas…
…ou melhor, dos três lados das muralhas!
PM Lima, também atuou por sobre as muralhas!
De polícia de muralha à advogado de defesa
O conhecido advogado criminalista, foi por nove anos no 14º Batalhão da Polícia Militar na cidade de Osasco; primeiramente como segurança nas muralhas do presídio e depois no pelotão de escolta do Fórum.
Era ele que eu e mais dois aguardávamos em uma mesa de um bar na esquina da rua Santana em Itu, próximo ao escritório do tal Dr. Gerciel.
Quando chegou, nem abriu as portas de vidro preta de seu escritório, quando chegamos e o abordamos.
Sempre me espanta a naturalidade com que o Dr. Gerciel, mesmo tendo deixado os quadros da polícia há tantas décadas, quando decidiu se dedicar aos estudos de Direito, e se tornar um advogado na área criminal, não se altera quando cercado daquela forma.
Ao longo dos anos, Gerciel viu muitas coisas do mundo do crime, um universo sombrio, mas nada poderia prepará-lo para o que testemunhou em suas visitas aos presídios do estado de São Paulo.
Não é possível dizer que não veja o ódio que corre no sangue daqueles que não consegue soltar ou diminuir as penas.
Ódio alimentado na péssimas condições carcerárias
Os que o abordam quando Dr. Gerciel chega ou sai de seu escritório, vivenciaram o estado deplorável das instalações carcerárias, com suas celas superlotadas e condições precárias de higiene.
A violência, companheira constante, com presos brigando uns com os outros e até mesmo com os guardas que os mantinham sob custódia, poderiam virar contra ele a qualquer momento.
Por isso, sempre me surpreende a naturalidade como chega e sai.
Já li nos olhos de advogados tão cheios de boas intenções, medo e perda de inocência, quando se depararam com cobranças duras, cheias de ódio e ameaças de integrantes do mundo do crime.
Dr. Gerciel sabe que o sistema prisional do estado continua em um estado de calamidade, e que algo precisaria ser feito para mudar essa situação, no entanto, os anos de estrada ensinaram a separar o idealismo do mundo real.
Ele também sabia que as normas de exceção não escritas, mas aceitas na prática pelo Judiciário, tinham criado um ambiente propício para a formação e fortalecimento das organizações criminosas.
Sonhar é preciso, vive a realidade também é preciso
Nos primeiros anos, quando chega ou sai de seu escritório, Dr. Gerciel refletia sobre como poderia ajudar a mudar essa situação.
Ele sabia que não seria fácil, mas estava determinado a fazer a sua parte para melhorar a vida dos presos e daqueles que trabalhavam no sistema prisional.
Nos anos que se seguiram, Gerciel identificou as áreas mais críticas do sistema prisional e elaborou propostas concretas para melhorar as condições nos cárceres.
Eu, no início da década de 2010, nas páginas deste site, publiquei várias de suas propostas e lutas, mas ele, mais do que eu, sabia que não poderia resolver estas questões.
Comprometido em fazer o possível para criar um futuro melhor para aqueles que estavam atrás das grades, fazia grandes defesas que chamaram a minha atenção.
Ele, e outros advogados trabalharam para pressionar as autoridades a tomarem medidas concretas para melhorar as condições carcerárias e combater a violência dentro do sistema prisional.
O motivo das revoltas e rebeliões: as péssimas condições carcerárias
Avaliando hoje, essa última década, desde que acompanho a questão carcerária e o trabalho do Dr. Gerciel, considero que não avançamos.
Se por um lado, o advogado pode ser abordado em frente ao seu escritório sem temer o mundo do crime, por outro há a falta de resultados na luta pela melhoria das condições dos encarcerados.
Não foram as primeiras décadas do século 21 que produziram um mundo menos injusto.
Não foi nesse quarto da história que nos apercebemos que quanto mais apagarmos luzes, mais nas trevas nos encontraremos.
O Dr. Gerciel, em 2010 me chamava a atenção que o sistema carcerário paulista era tido como ultrapassado tanto no aspecto estrutural quanto na política de ressocialização do preso.
As constantes violações dos direitos básicos e fundamentais da pessoa humana é motivo de revoltas, rebeliões e manifestações que, na maioria das vezes, são combatidas com métodos e punições violentas.
Essa prática classificada por um relatório da Organização das Nações Unidas como “tortura sistemática”, teve como ápice o Massacre do Carandiru e a criação do Primeiro Comando da Capital.
Dormindo de boi para criar o PCC 1533
O antigo policial e hoje advogado criminalista ressalta também que o sistema prisional paulista não é uma exceção, pois no restante do país a situação não é muito diferente.
Em alguns estados a situação vivida diz respeito a um verdadeiro “caos”, com presos amontoados, tornando, assim, o ambiente propício à proliferação de doenças como a escabiose em função da superlotação.
Sem espaço suficiente para sequer dormir na “horizontal”, o preso comum, serviçal da cela, dorme muitas vezes em pé, naquilo que os próprios chamam de “dormir no boi”.
Tal expressão, antiga no meio da população carcerária, remete ao fato de que, ao dormir em posição vertical, o preso amanhece com os pés em forma arredondada pelo inchaço, assemelhando a pata do referido bovino.
Nesse ambiente, não há repressão policial que consiga controlar a massa carcerária e o fortalecimento de uma ideologia criminosa.
Enquanto o “cidadão de bem” com sua alma inundada de perversidade moral defende o endurecimento das penas e as condições duras do cárcere.
O resultado prático demonstra o danoso resultado dessa política carcerária, algo que já, há muito, era defendido por Dr. Gerciel e outros defensores dos Direitos Humanos.
O caos e o nascimento da facção PCC
Desta forma, Dr. Gerciel associa o caos do sistema prisional com o nascimento da facção criminosa intitulada Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533) no interior dos presídios paulistas.
Tal surgimento é atribuído exatamente ao histórico desrespeito que se pratica contra o preso, não se observando sequer direitos e princípios consagrados mundialmente, como o da dignidade humana.
Segundo ele, esta cultura que marginaliza a população carcerária e não lhe oferece as mínimas condições de ressocialização e posterior inserção no tecido social faz parte de um sistema estruturado com este objetivo.