PCCs trocam a nordeste do Paraguai por Asución
Meu caro Francesco Guerra,
Em abril de 2020 escrevi sobre a migração de integrantes do Primeiro Comando da Capital para o nordeste paraguaio.
O tempo passou e estou assistindo uma nova migração dos integrantes do PCC, mas agora em direção à região central do Paraguai.
No fim desse artigo, compartilho um antigo texto onde descrevo uma história de um desses imigrantes da facção.
Mas antes, deixe contar o que está acontecendo hoje, e porque estou resgatando essa antiga história.
O assassinato de Ryguasu expõe mudanças no PCC
Tudo começou com o assassinato de um líder criminoso, conhecido como Ryguasu, que causou uma grande agitação no mundo político no Paraguai.
A imprensa adorou explorar a imagem do grande chefe do crime organizado sendo morto em um movimentado supermercado assunceno.
🔴 #Ryguasu – Hallan camioneta que presumen fue sustraída del departamento de Ederson Salinas la noche en que ocurrió el homicidio.
— NPY Oficial (@npyoficial) February 28, 2023
🔸 Hasta el momento hay dos personas detenidas.#NPY #NosConectaSiempre pic.twitter.com/AT5zMuMp08
O prefeito de Pedro Juan Caballero, no departamento de Amambay, Noroeste do na região Nordeste do Paraguai chamou a imprensa.
O prefeito Ronald Acevedo firmou que os integrantes do Primeiro Comando da Capital há muito aterrorizam a região de Amambay.
Segundo ele, os líderes quadrilha paulista estavam mudando da região, devido à guerra entre os grupos criminosos.
No entanto há muito mais do que apenas as mortes causadas pela disputa pelo poder entre os grupos brasileiros Primeiro Comando da Capital e o grupos paraguaios Comando Clã Insfrán, Clã Rotela, Clã Acevedo, Clã Colón e o Clã Orellanae.
Razões do novo êxodo dos PCCs
As constantes e cada vez mais caras extorsões e ameaças que os criminosos sofrem por parte de autoridades é sempre um fator importante na equação.
O prefeito declarou que a polícia paraguaia não está preparada para enfrentar esses elementos no país, e que os cidadãos pedrojuaninos e de todo nordeste paraguaio convivem com esses criminosos.
Os facciosos vivem em condomínios e apartamentos de luxo ao lado de todo o tipo de “cidadão de bem” paraguaio, conheço esse discurso, e que são constantementes oprimidos e ameaçados pelos criminosos.
No entanto, a Senadora Desirée Masi questionou publicamente a razão pela qual o caso de Ryguasu e de outros líderes da organização criminosa eram constantemente ocultos do conhecimento público e não avançavam.
Ocultar para proteger! Ah tá! Fala sério!
O prefeito Acevedo confessou que foi a pedido dele que as autoridades ocultaram dados, para não assustar a população e porque ele e sua família estavam sendo ameaçados.
Essa confissão levantou em mim suspeitas sobre a conduta do prefeito, e se ele não estaria tentando se apresentar como vítima.
O prefeito ainda pediu o afastamento pediu a destituição do comandante da Polícia Nacional, Gilberto Fleitas, e do diretor de Investigação de Atos Puníveis César Silguero.
Entendo a posição daqueles que acreditam no prefeito pedrojuanino, mas já tendo eu, admirado políticos e depois, trabalhado próximo a eles no governo…
… não posso deixar de pensar que há uma trama ainda maior por trás de tudo que está acontecendo e que não há inocentes nessa história.
LIVRO GRÁTIS NO KINDLE! Um livro para ler com medo. É esse o recado que o jornalista Carlos Amorim manda aos leitores de Assalto ao poder, fecho de sua trilogia sobre o crime organizado no Brasil. Depois de dissecar…Liderança cada vez mais distante
A morte de Ryguasu, apresentou ao público essa nova fase do Primeiro Comando da Capital longe das fronteiras e lonje de suas bases.
Não é de hoje que as lideranças estão se afastando de suas bases no modo de pensar e agir, e agora também se afastam geográficamente.
Antes, em São Paulo, em Porto Velho ou em Pedro Juan Caballero, os crias e os líderes respiravam o mesmo ar e dormiam sob as mesmas estrelas, mas esse tempo pelo que estamos assistindo acabou.
Abaixo eu faço o relato como o fiz em abril de 2020 sobre o histórico da imigração do Primeiro Comando da Capital para o Paraguai.
Estamos sozinhos: eu e ele.
Da porta do meu quarto o vejo em minha cama, deitado, com a roupa suja de sangue. Seu cheiro se espalha pela casa: uma mistura de suor, sangue, goró e crack. Será que esse é o verdadeiro cheiro do demônio, e não o enxofre?
Mesmo dormindo, seu rosto é puro ódio. As luzes estão apagadas, e com essa quarentena por causa do covid-19 a penumbra e o silêncio são ainda mais profundos.
Ele vira o rosto na minha direção, de olhos abertos. Eu gelo! Porra de susto! Ele está é dormindo com olhar noiado e respiração rápida e profunda – coisa do demônio!
Volto pelo corredor, esperando não vê-lo até a hora de ele ir embora.
Uma vizita inesperada e não desejada
Garanto que não o convidei.
Me ligaram avisando que alguém iria se mocozá aqui até amanhã.
Ninguém é obrigado a fazer nada na Família 1533, no entanto, a recusa é notada. Por outro lado, sempre rola um dinheirinho que ajuda pagar as contas.
Antes de amanhecer, ele seguirá para o departamento de San Pedro, no Paraguai, onde se juntará aos PCCs na escolta de um carregamento a ser entregue pelo Exército Popular do Paraguai (EPP), e depois reforçará a segurança dos galpões e fazendas da facção.
O corredor do quarto para a sala é pequeno, apenas alguns metros, mas essa noite o escuro, o silêncio e aquele visitante fazem-no parecer muito longo. Ando em direção à sala, que parece nunca chegar – não me lembro de ter bebido nada.
Garanto que senti um arrepio.
Posso sentir o medo nos olhos dos “Cús Vermelhos”, como são chamados pelos PCCs os inimigos, integrantes da facção carioca Comando Vermelho (CV), quando estiverem na ponta da faca desse cara em Concepción, Amambay e Canindeyú.
Enfim chego na sala, e a luz da tela de descanso do note me acalma.
Ele seguirá para a fronteira nordeste do Paraguai em algumas horas – horas que não passam.
Quando eu ia para o Paraguai, era só contrabando inocente, videocassetes e câmeras. Isso mudou em 2008, quando o EPP começou a atuar entre o norte de San Pedro e o sul de Concepción, e os primeiros PCCs se instalaram na província Alto Paraguay.
Hoje, o Primeiro Comando da Capital distribui 60% da cannabis produzida em solo paraguaio em uma área estimada entre 7 e 20 mil hectares (1.340 municípios brasileiros tem uma área de até 20 ha.) que produzem entre 15 e 30 mil toneladas por ano, ocupando duas dezenas de milhares de trabalhadores rurais: da pequena agricultura familiar aos latifúndios com o que há de mais avançado no agronegócio.
Às vezes, famílias inteiras trabalham em plantações pertencentes a máfias “brasiguaias” (descendentes de brasileiros) ou do maior grupo criminoso da América do Sul, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
O Exército do Povo Paraguaio, para exigir uma mudança social, passou a agir com violência, atacando propriedades rurais e comerciais, queimando plantações, destruindo o que viam, envenenando o gado e sequestrando fazendeiros, políticos e comerciantes.
Eu nunca conversei com um soldado do EPP para poder afirmar se isso é verdade ou se alguém pintou o diabo mais feio do que ele realmente é – o povo fala demais, como naquela história do cheiro de enxofre.
Sinto que alguém me observa. Olho para o corredor escuro, mas não vejo ninguém. Uma correnteza de vento traz aquele “cheiro dos demônios” – a noite será longa.
No início, os PCCs que iam para o Paraguai fugindo das autoridades brasileiras chegavam aos poucos, apenas para se esconder, mas hoje é diferente: quem chega já tem trabalho garantido:
“El Primer Comando Capital” é o maior grupo armado atuando naquele país, e possui infraestrutura, armas, muita grana, plantações de maconha, distribuidoras de cigarros, está presente em todas as prisões do país, e influência na política.
Não conseguirei dormir.
Vou até a cozinha, preparo um café e olho para o relógio que não anda. O tempo parou? O frio é intenso, mais forte que o normal. Tremo. Estou com febre?
Coloco um filme no note e deito no sofá da sala. Não vou até o quarto pegar um outro cobertor. Prefiro passar frio do que ver de novo aquele rosto, mesmo sabendo que o frio não me deixará pegar no sono.
Será fácil para ele atravessar a fronteira longa e porosa. Quase não há controle, e os que existem não passam de bases mal equipadas com dois ou três agentes, que só estão vivos porque não incomodam, ou melhor, só incomodam turistas e muambeiros.
Daqui do interior de São Paulo até Canindeyú, de lancha pelo rio Paraná, demora uma hora; de avião, 45 minutos; de carro, umas 10 horas. A viagem só será ao amanhecer, e o relógio não está colaborando.
Todos temos que ganhar nosso pão.
Gosto de mocozar companheiros que precisam de ajuda, ouvir suas histórias, aventuras, sonhos e amores – e geralmente rola umas moedinhas para meu lado.
Volto ao sofá. O filme já acabou e a tela entrou em descanso. Deixa assim mesmo.
Ainda não se conseguiu estabelecer uma definição sobre terrorismo internacional por convenção nas Nações Unidas. Conceito elástico, em que caberia até o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, é pugnado pelos EUA. Caso vingasse, qualquer movimento separatista armado seria dado como terrorista.Só posso estar sonhando…
Estou ao lado do Richard Rojas, “el paraguayo más antiguo del PCC”, conversando com um oficial da polícia em Assunção, pegando informações e acertando o transporte de uma carga que será despachada por avião para São Paulo.
Richard é apenas um peão nesse jogo. Só naquela região, a célula do Primeiro Comando da Capital que utiliza a torcida organizada do Sportivo Luqueño movimenta 300.000 doses de cocaína, o que dá 1,5 milhão de dólares mensais.
Acordo ainda entorpecido, sem saber quanto tempo dormi. Estou consciente, mas não consigo me levantar. Aquele cara do inferno está passando pelo corredor olhando para mim e seguindo para a cozinha – ou foi minha imaginação?
Tem um barulho vindo de fora, talvez seja a polícia em busca do cara. Eu tenho que levantar para avisá-lo. Semiacordado, vou em direção ao corredor escuro, que agora parece tão distante. Não consigo acordar de vez – que diabo!
Chego ao corredor.
A luz da cozinha está acesa, e por ela vejo aquele homem infernal olhando para mim. Lux in tenebris: aponta a mão na minha direção, retira algo da mochila, deixa sobre a mesa e sai pela porta dos fundos.
Estou novamente sozinho e sobre a mesa ficou uma boa paga.
- Baseado no conto “Coma” de Fernanda Rodrigues
- Dados sobre a facção de Juan A. Martens em “Entre grupos armados, crimen organizado e ilegalismo”.
Um comentário em “A facção PCC 1533 no nordeste do Paraguai: 2023 um novo êxodo”