Site do 15 recebendo mensagens do Norte
Administrar um site tido por muitos como oficial do Primeiro Comando da Capital (PCC) tem suas peculiaridades, e uma delas são as correspondências recebidas.
Após um tempo na doutrinação dentro do sistema prisional ou vivendo em cidades maiores, o egresso volta para sua quebrada de origem disposto a correr pelo lado certo do lado errado da vida e divulgar a filosofia do 15.
Um quinto das mensagens chegam de cidades pequenas da Região Norte do Brasil. São companheiros ou aliados que foram introduzidos na Família 1533, mas que agora se vêem abandonados e pedem minha ajuda.
Em terras inimigas, essas crias do 15, sem apoio do Primeiro Comando da Capital, acabam por rasgar a camisa ou terem seus corpos rasgados e seus corações e cabeças arrancados.
Santa Rosa, Peru. A cinco minutos de barco de Letícia e Tabatinga, as crianças brincam na água ao lado das casas de palafitas que mantêm suas casas à tona. Um policial patrulha a única rua de paralelepípedos da região, enquanto seus outros cinco companheiros se sentam ao redor de uma mesa, talvez se perguntando como poderão cobrir os mais de quinhentos quilômetros da margem do rio que separam Santa Rosa de Iquitos, o destacamento mais próximo no território peruano.
Manuel Martínez Miralles —El País (leia o texto na integra)
Três pequenas cidades adjacentes e interconectadas, cercadas por milhares de quilômetros de selva, acessíveis apenas por via aérea ou navegando por horas pelos fluxos da Amazônia. Um contexto de fronteiras porosas, onde em dez minutos você pode transitar pelos três Estados sem precisar passar pela imigração ou pelo controle de fronteiras. Em frente, grupos criminosos que lucram com negócios ilegais extremamente lucrativos: dezenas de laboratórios clandestinos de pasta de cocaína, toneladas de maconha a caminho dos mercados das grandes metrópoles brasileiras, dezenas de dragas ilegais que extraem ouro dos leitos dos rios, e centenas de espécies amazônicas coloridas contrabandeadas para os Estados Unidos e Europa.
E, assim como o rio arrasta seu fluxo, as atividades ilegais são acompanhadas por um fluxo lento, contínuo e ainda mais sombrio: o fluxo de armas e munições. O mesmo fluxo sombrio que matou…
A estratégia do 15 no Norte
Não são poucos ou fracos os núcleos dos PCCs na região Norte do Brasil, que tem quase 4 milhões de quilômetros quadrados — uma área equivalente aos territórios da Índia e do Paquistão somados.
O PCC aparentemente optou por se concentrar na disputa pelo controle da Rota do Solimões, das fronteiras e das capitais, e fortalecer os aliados, entre piratas ribeirinhos, quadrilhas locais e facções estruturadas, como o Bonde dos 13 (B13) no Acre.
O Primeiro Comando da Capital há tempos mina as fontes de insumos da Família do Norte (FDN), enquanto o Comando Vermelho (CV) toma suas quebradas e mata seus integrantes.
No meio dessa guerra, os companheiros e os aliados recém-convertidos e egressos a suas comunidades não podem ser cobertos em núcleos isolados, mas os ventos estão mudando.
O enfraquecimento da Família do Norte
Enfrentando essa guerra de guerrilha das facções do sudeste, a FDN se enfraqueceu e se dividiu, e dividida a Família se enfraqueceu ainda mais — acelerando sua derrocada, até sobrar apenas um núcleo forte no bairro da Compensa, em Manaus.
Estamos assistindo ao Primeiro Comando da Capital dar mais um passo em sua escalada para o controle hegemônico do mundo do crime sul-americano e a criação de uma eficiente cadeia transnacional de tráfico.
Com o quase desaparecimento dos FDNs, a guerra com o CV só seria evitada com uma nova pacificação, o que seria desinteressante para o Primeiro Comando da Capital nesse momento.
O Comando Vermelho enfrenta derrotas no Rio de Janeiro graças a dois fatores recentes: o fortalecimento das milícias pelo governo Jair Bolsonaro; e uma nova estratégia adotada pelo PCC, que está facilitando que seu aliado carioca Terceiro Comando Puro (TCP) tome comunidades do CV.
desembargadora Ivana David

A prisão de Thiago Monteiro da Silva demonstrou que se atravessa um momento de transição, no qual os empresários locais, envolvidos com as organizações criminosas mantêm relações comerciais com as duas facções, esperando que elas definam quem sobreviverá.
No Paraguai, o assassinato do empresário Jorge Rafaat Toumani, demonstrou que há um ponto onde essa dualidade deixa de ser aceita, o que ainda não é o caso do Amazonas pós FDN.
O que muda com o domínio da Rota do Solimões
Com o controle da Rota do Solimões, da Rota Caipira, das centenas de distribuidores autônomos, a logística do tráfico internacional gerenciado pela facção paulista passa a integrar toda a cadeia do narcotráfico, desde os produtores rurais sul-americanos até a entrega do produto acabado nos portos da Europa e da África.
O mercado interno de drogas do Cone Sul ajuda e também se beneficia dessa logística, só o Brasil como segundo maior mercado do mundo depois dos Estados Unidos, conta com dois milhões e oitocentos mil consumidores.
O Primeiro Comando da Capital se viu obrigado para atender ao seu mercado interno desenvolver uma cadeia logística que garantisse o fluxo constante, seguro e em grande escala do produto.
Para atender o mercado externo conexões políticas e logística várias partes do Mundo. Um exemplo é utilizar Moçambique como ponte para a reexportação para os Estados Unidos, Europa e Austrália, através de conexão em Malawi.
Marcelo Mosse
Sinto no artigo da coordenadora do Centro de Estudos sobre Crime Organizado Transnacional (CeCOT), Carolina Sampó — publicado no Anuario en Relaciones Internacionales 2019 do Instituto de Relaciones Internacionales da Universidad Nacional de La Plata, o qual traduzi e adaptei livremente para o formato desse site, e que segue abaixo —, que ele foca a “ascensão e a internacionalização” do PCC justamente no resultado dessa disputa FDN/PCC/CV, o que não é comum.
O artigo da professora Carolina Sampó me deu o mote para essas reflexões que coloquei nessa introdução, mas convido que você leia o trabalho dela no original ou siga a leitura por aqui.
Antes, uma observação: diferentemente da Professora Carolina Sampó, não analiso que o PCC foi responsável pela implantação de uma política de terror dentro dos presídios para conquistar adeptos e que isso tenha gerado o banho de sangue dentro do sistema carcerário.
A ascensão e a internacionalização do Primeiro Comando da Capital
Artigo da coordenadora do Centro de Estudos sobre Crime Organizado Transnacional (CeCOT), Carolina Sampó, publicado no Anuario en Relaciones Internacionales 2019 do Instituto de Relaciones Internacionales da Universidad Nacional de La Plata — livre tradução, leia no original.
Nos últimos anos, o Brasil se tornou um dos países mais violentos do mundo (Igarapé, 2018), concentrando cerca de 13% dos homicídios globais (Muggah e Aguirre Tobon, 2018). Essa violência responde diretamente à dinâmica estabelecida entre organizações criminosas brasileiras, que já operam em alguns países vizinhos.
Até o final de 2016, as organizações criminosas mais importantes do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), mantiveram um acordo mútuo de não agressão que possibilitava a otimização da logística do tráfico de drogas, principalmente cocaína e maconha, no entanto, esse pacto foi quebrado quando o PCC decidiu expandir além de suas “fronteiras naturais”.
A expansão do PCC foi caracterizada pelo uso de violência. Nas prisões brasileiras, especialmente as localizadas no norte e nordeste, desencadeando massacres que procuraram mostrar o poder da organização e enfraquecer o inimigo, conquistando seguidores entre os internos do sistema prisional.
Nesse contexto, a Família do Norte (FDN), que controla o estado do Amazonas e, com ele, grande parte do fluxo de cocaína que entra da Colômbia e, em menor grau, do Peru, estabeleceu um acordo de cooperação com o CV.
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Esse acordo era de natureza defensiva para ambas as organizações, tendo em vista que seu objetivo era impedir o avanço e a consolidação do PCC em suas áreas de influência, mas, acima de tudo, visava manter o domínio das rotas naquela região, bem como dos portos de onde partem os grandes embarques, com destino ao continente europeu.
Um dos esquemas, tinha como base as esteiras do Terminal do Aeroporto de Guarulhos: as bolsas seguiam pelas esteiras rolantes até a área restrita, onde funcionários aliciados pelo Primeiro Comando da Capital recebiam dos comparsas as fotos com as imagens das malas recheadas com drogas, e as embarcavam para Portugal, França e Holanda, na Europa, e também para Johannesburgo, na África do Sul.
Dois anos depois, o avanço do PCC e a crescente importância do FDN nessa área estratégica geraram rumores entre o CV e o FDN, que terminaram com o colapso da aliança defensiva, gerando uma nova espiral de violência, especialmente mas não exclusivamente nas prisões, resultando em centenas de mortes dentro do sistema carcerário do norte e do nordeste, além do aumento no número de homicídios ocorridos na região.
A fragmentação gerada pela quebra da aliança entre as facções FDN e CV abriu caminho para o avanço do PCC que já havia multiplicado seu poder, demonstrando uma presença estável nos 27 estados que compõem o Brasil.
Ao mesmo tempo, o PCC consolidou sua presença no Paraguai, como pôde ser visto no assalto espetacular ao PROSEGUR. A estratégia de expansão utilizada foi a mesma do Brasil: o uso das prisões como centros de cooptação e “treinamento” dos novos membros, muitos deles paraguaios, a partir dos quais as ações realizadas nas ruas são tipificadas e organizadas.
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O Paraguai tornou-se um território para o trânsito e armazenamento de cocaína, além de um importante fornecedor de maconha para o sul do Brasil, consolidando o poder do PCC.
Da mesma forma, a estratégia foi utilizada em alguns setores da Bolívia para obter acesso direto à produção de cocaína, evitando intermediários, reduzindo custos e riscos no mesmo movimento. Embora a presença do PCC na Bolívia não seja tão evidente quanto a do Paraguai, há evidências de que o desembarque ocorreu nas prisões e se buscou expansão a partir daí.
Em pouco tempo o PCC conseguiu se posicionar como ator central no narcotráfico, cujo principal objetivo é o mercado doméstico brasileiro, embora o Brasil também seja um país de trânsito para a África Ocidental e a Europa.
A internacionalização do Primeiro Comando da Capital, denota um crescimento significativo como organização e como empresa transnacional. Embora seja verdade que não pode ser considerado um cartel de tráfico de drogas, principalmente porque não controla todas as fases da produção e distribuição, mas deixou de ser uma organização caracterizada pelo controle territorial descontínuo para obter hegemonia em um número significativo de Estados brasileiros.
A organização criminosa PCC parece não encontrar limites para seu desejo de crescimento, o que resultou em seu desembarque no Paraguai e na Bolívia, em suas negociações no Peru e nas tentativas registradas de expansão também na Colômbia e na Argentina, segundo fontes diferentes.
Apesar da fragmentação das organizações criminosas, o PCC parece seguir a tendência oposta, concentrando seu poder na medida do possível. Por isso, é necessário pensar se não estamos diante de uma nova geração de cartéis de drogas que, embora possuam peculiaridades contemporâneas, têm muito mais em comum com os cartéis tradicionais do que com as organizações criminosas que encontramos hoje em dia, caracterizadas devido ao seu pequeno tamanho e à concentração de suas tarefas, seja na fase de produção ou distribuição.
Referências:
Muggah, Robert, y Katherine Aguirre Tobón (2018), “Citizen security in Latin America: facts and figures”, Strategic Paper, nº 33, abril, Igarapé Institute.
Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.
Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.
Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:
“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”
transcrito por Willian Helal Filho para O Globo