Poucos são os seres que tem o poder de ver as cores, muitos vislumbram formas e tons, mas cores é um privilégio de poucos. Os cães veem um mundo cinza, nem por isso são mais tristes que os homens com seus bilhões de cores.
O Plenário do Tribunal do Júri da Comarca de Itu, dois homens debatiam: um deles defendia que o mundo era preto e branco e o outro que havia tons de cinza…
O Promotor de Justiça, Dr. Luiz Carlos Ormeleze, acusava André Aparecido da Silveira de no domingo, 10 de agosto de 2008, por volta da cinco horas da madrugada, ter tentado matar de maneira covarde Edvaldo Jesus de Almeida.
Contou que André, dono da Comercial AgroAndré no Bairro Potiguara, casado há 12 anos, ao invés de estar em sua casa com sua esposa, foi procurar outras mulheres no forró Caipirão de Itu, na Cidade Nova, mas estando bêbado o que encontrou foi confusão. Alguns menores haviam se incomodado com ele e quebrado seu carro, e daí ele os ameaçou com um facão que trazia no veículo.
Edvaldo chegou para fazer o meio campo, o “deixa para lá”, o “não vale a pena”, e dispersou a confusão. André inconformado com os danos no veículo foi até sua casa pegou uma arma e já desceu do carro atirando para matar: foram cinco tiros e pelo menos um acertou o peito de Edvaldo, perto do coração, mas Edvaldo sobreviveu.
André aterrorizou sim, lesionou sim, tentou matar sim. Por isso os jurados deveriam julgar o fato como ele realmente ocorreu, tentativa de homicídio qualificado, fazendo assim Justiça. O mundo é assim: preto ou branco, dizia Dr. Ormeleze.
A coisa não é bem assim, nos ensina o Dr. Wilson José dos Santos Múscari, nem ele nem o Promotor de Justiça estavam lá quando tudo aconteceu, e mesmo que estivessem, cada pessoa tem um entendimento diferente sobre um mesmo fato.
André alegou que agiu em legítima defesa, afinal eram sete rapazes contra ele, mas como deixou o local e retornou mais tarde para cometer o crime, isso desqualificaria essa linha de defesa, visto que para se configurar a legítima defesa ela deve ocorrer “…logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Dr. Múscari afirma no entanto que o réu pode, mesmo assim, pedir o benefício, é um direito dele. No entanto em nenhum momento André teve a intenção de matar, como lhe acusa injustamente o Promotor de Justiça, prova disso é que disparou cinco tiros, mas apenas um em direção ao peito de Edvaldo, e antes poderia ter matado a todos com o facão.
André aterrorizou sim, lesionou sim, mas não tentou matar, e por isso os jurados deveriam julgar o fato como ele realmente ocorreu, lesão corporal, fazendo assim Justiça. O mundo é assim: diversos tons de cinza, dizia Dr. Múscari.
Mesmo que os jurados achassem que ele quisesse mesmo matar, deveriam atenuar a pena. André uma pessoa normalmente calma estava alterado naquele momento, quem é que não ficaria nervoso ao ver o carro sendo destruído por um bando de moleques.
André aterrorizou sim, lesionou sim, e tentou matar sim. Por isso os jurados deveriam julgar o fato como ele realmente ocorreu, tentativa de homicídio executado sob o domínio de violenta emoção, fazendo assim Justiça. O mundo é assim: diversos tons de cinza, dizia Dr. Múscari.
Além disso é um ultraje por parte do Promotor tentar agravar a pena alegando que ele foi covarde e pegou a traição Edvaldo: ambos haviam brigado, e ele disse que iria voltar, se o outro rapaz ficou esperando foi justamente para continuar a briga, portanto Edvaldo não foi pego à traição.
André aterrorizou sim, lesionou sim, tentou matar sim, e por isso os jurados deveriam julgar o fato como ele realmente ocorreu, tentativa de homicídio sem agravante, fazendo assim Justiça. O mundo é assim: diversos tons de cinza, dizia Dr. Múscari.
No grená mundo do Dr. Múscari, muitas possibilidades existem. No mundo preto e branco do Dr. Ormeleze apenas duas.
Os jurados decidiram que André tentou sim, matar Edvaldo mediante ato covarde, e condenaram-no a seis anos de reclusão em regime fechado.
O vermelho do sangue nos olhos apagou os outros bilhões de cores, agora tudo é preto e branco, ou talvez cinza. Os cães veem um mundo cinza, mesmo quando seus olhos estão vermelhos de sangue.