“Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia” esta frase poderia ser a conclusão de qualquer um de nós ao assistir aquela cena.
Assim como Edgar Allan Poe não o fez, eu também não pedirei a nenhum dos senhores que acreditem no que vou aqui narrar. Pessoas sensatas os senhores devem ser e talvez até caçoem destas minhas linhas, e louco estaria eu se não esperasse tal reação.
O que aqui descreverei acontece por todo o país, e imagino quanto isso não custa aos nossos bolsos – o que os sorridentes e simpáticos políticos não roubam, acaba sendo usado para custear tal escárnio.
No Fórum de Itu, dezesseis horas da véspera do feriado da Consciência Negra chega um camburão do Sistema Carcerário do Estado de São Paulo, escoltado por uma viatura da Policia Militar. Aquele preso, apesar de previsto, não era esperado. Quem imaginaria que aqueles cinco homens uniformizados, representando a força do Estado e a vontade do povo, teriam que cumprir aquele ridículo papel. Os seguranças do Fórum colocam-se de prontidão, tomando as medidas para receber o encarcerado garantido que chegue com segurança até a presença do magistrado – sinais dos tempos, antigamente se garantia a segurança dos cidadãos e autoridades, agora garantesse a segurança do réu.
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Um dos agentes de segurança penitenciário vai até o oficial de justiça de plantão para apresentar o escoltado. O escrivão da sala do Juiz vai até o réu confirmar seus dados, chamando-o para ser ouvido gabinete do magistrado onde estão: o juíz, o promotor de justiça, o escrivão, a advogada de defesa nomeada pelo Estado, o agente penitenciário e o Policial Militar. O réu, com aparência de quem ainda estava sob o efeito de alguma droga olha com olhar perdido para tudo aquilo.
Kafka não teria alucinado o diálogo que ocorreu ali:
Eu não estava nesta fita. Os polícias entrouxaram em mim este 157. – réu olhar distante.
Não é pelo roubo, que o senhor está aqui, ele corre por outra vara. – com calma e paciência invejáveis, o magistrado responde.
Eu não sei nada deste 121. Não vou falar nada. – réu olhando mais longe ainda.
Sua audiência sobre o homicídio foi ontem. O senhor quer fazer a gentileza de permitir que eu faça a leitura. – magistrado, já um pouco impaciente:
“No dia tal, na Avenida da Paz Universal, no Bairro Pirapintingui, o senhor foi flagrado com duas porções de maconha, por este fato, manda a lei que eu o advirta. É só isso que o senhor está aqui. Pode assinar e ir embora.”
Cadê meu advogado. – pergunta o réu vendo através das paredes.
É a doutora tal que está aí ao seu lado. – responde o desolado magistrado, que com certeza pensava naquele momento se valeu a pena estudar tanto para chegar a isso.
Eu não vou assinar nada doutora… – fala o réu focando o olhar através da doutora.
Depois de meia hora de esforços de todos ele aceitou assinar o papel.
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