Manhã de domingo, saio eu da feira do Mercado Municipal de Itu, e vejo um homem encostado ao poste. A idade não me permitiu distinguir ao longe quem era, mas sabia ser um guardador de carros, pronto para extorquir.
Poucos sabem o sórdido e violento mundo em que vivem estes flanelões ituanos, defendidos por danas da decência, que não tem coragem de enfrentá-los, e imaginam que eles precisem de sua proteção contra as autoridades e demais cidadãos.
Poucos imaginam que os pontos de mendicância em Itu são disputados na ponta de faca e na mira das armas. Cada trecho do centro tem seu preço, que pode ser vendido, trocado, ou alugado, com pagamento feito em drogas ou dinheiro.
Há alguns anos, a Guarda Municipal, enfrentou estas damas da sociedade (em geral homens) que intervinham quando os guardas importunavam as crianças que guardavam carros, mas graças à persistência da GCM elas deixaram de mendigar naqueles recantos.
Quando a Guarda Civil Municipal tentou enfrentar os flanelões, a sociedade, encabeçada por essas mesmas damas, mobilizaram-se impedindo a intervenção do Estado. Afinal, são apenas uns pobres coitados, que nenhum mal causam à sociedade.
Não entrarei aqui no mérito da questão, só estou me aproximando daquele homem encostado ao poste e pensando nisso. Não darei dinheiro, nunca dou grana para estes chupins da sociedade, prefiro ter meu carro riscado a compactuar com a covardia.
Lembro-me também de um caso julgado há poucos dias pela Drª. Renata Carolina Casimiro Braga, o caso Reginaldo Mattauchi Camargo, o Paraná, contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Ele, para quem não conhece, é um guardador de carros.
O flanelão que usa muletas e fica sempre ali na lateral da Igreja da Matriz, no centro da cidade de Itu. Paraná, como é conhecido, perdeu sua perna por um tiro disparado por um policial, e Reginaldo pediu então: aposentadoria, indenização por danos morais e mais.
O tiroteio se seu às 3:30 da madrugada de domingo, 29 de novembro de 2004, nas proximidades da Rua Dr. Salathiel Vaz de Toledo 190, no Jd. Alberto Gomes. Paraná foi à casa de Hélio, ambos disputavam aquele ponto ao lado da Igreja. Hélio o ameaçou com uma faca, Reginaldo foi com uma arma para garantir seu ponto de mendicância. Algo deu errado, a polícia chega ao local foi recebida a balas por Paraná. Tentou correr e foi alvejado na perna. Assim ele ficou aleijado.
Reginaldo orientado por dois dos mais respeitados nomes do direito ituano, Dr. Watson Roberto Ferreira e Dr. Carlos Roberto de Oliveira, não esperavam que sua linha de defesa fosse minada por Juliana Aparecida de Andrade, a amásia de Reginaldo.
A verdade veio à tona, e a juíza de direito não teve dúvidas, negou totalmente o pedido. Nenhum centavo deveria ser pago a Reginaldo. Os advogados obviamente recorreram da sentença, afinal somos nós contribuintes que pagaremos a tudo.
Quando me aproximo daquele homem encostado ao poste, mais me entristeço. Eu que faço questão de justiça e de pudor, mesmo sendo filho de uma cultura onde Deus ordenou a um que dormisse por dinheiro com mulheres alegres e lhes fizesse filhos, e a outro que matasse seu próprio rebento, não poderia ter cometido o erro, cometi.
Fui injusto, era o erudito Dr. Nicodemos Rocha quem encostado naquele poste. Tudo bem, meus preconceitos fizeram com que pensasse tudo o que lhes descrevi.
Quando cheguei-me até ao veterano advogado, fui recebido com um sorriso e uma questão: “Tá pensando mal de quem agora?“.
Outra injustiça, eu, pensando mal de alguém, veja se pode um negócio desses. Virei-me e segui meu caminho, conjecturando novas realidades.