A questão da masculinidade e da homofobia no PCC
Saída obrigatória para feministas e gays
Às feministas e aos homens que buscam se libertar das amarras estigmatizantes impostas culturalmente sobre sua sexualidade, indico o podcast “Masculinidade e Sentimentos” do programa Mamilos. Se esse não é seu caso, continue a leitura…
Camila, André e Wiliam, cada um sob sua perspectiva profissional, já haviam puxado esse assunto, mas foi o pastor Anderson Silva da Igreja “Vivo por Ti”, afinal, quem me convenceu a preparar este artigo, quando declarou que…
Tentei imaginar um mundo onde a polícia e os criminosos não fossem homens, mas não consegui — tente você, quem sabe se sai melhor que eu (cuidado para não produzir em sua mente um enredo de pornochanchada brasileira da década de setenta).
A socióloga Camila Nunes Dias foi a primeira a me chamar a atenção para o machismo e a homofobia dentro da estrutura criminosa, quando, em dezembro de 2016, em entrevista para o repórter Guilherme Azevedo da UOL, ressaltou os costumes conservadores da organização:
Confesso que ao ler o título da matéria, já, de cara, discordei de Camila, afinal, considerar uma facção criminosa como uma “organização conservadora” me pareceu um absurdo, assim como dizer que polícia e bandido são iguais, como fez Tarsila e Anderson Silva.
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Mulher quer homem de verdade (macho alfa)
A doutora em Direitos Humanos Tarsila Flores me irritou quando veio com essa história de “efeito dobradiça”:
Tarsila afirma que a violência e o preconceito são características tanto dos criminosos quanto dos policiais. As duas partes, que se achavam antagônicas, na realidade se espelham, e o pastor Anderson Silva expande esse conceito para a sexualidade:
No entanto, não foi nem Tarsila, nem Camila, e muito menos Anderson Silva, quem me esclareceu sobre a questão da sexualidade dentro da facção PCC. Foram os psicólogos André Masao Peres Tokuda e Wiliam Siqueira Peres.
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Lobos em busca de suas alcateias
O artigo “As relações de gênero e os sujeitos que atuavam, atuam, no comércio de drogas ilícitas”, escrito por eles e publicado na Revista INTERthesis da UFSC, aborda a necessidade de os integrantes desses grupos sociais provarem que são “homens de verdade”.
Ao escolher essas profissões, o indivíduo busca participar de um grupo social, cujo estereótipo melhor se adequa a sua personalidade, e dessa forma acaba alimentando ainda mais o que seria a “realidade das ruas” no imaginário cultural:
Os pesquisadores avisam que focaram seu estudo nos traficantes de drogas, e afirmam que a questão da sexualidade é apenas uma das dezenas que influenciaram a escolha daqueles que optaram por esse caminho, mas é um fator que não pode ser ignorado.
Quase todos os que são presos por tráfico são oriundos de regiões conhecidas por serem “berços da criminalidade”; mas quais fatores biológicos, como aqueles genéticos, neurológicos, bioquímicos e psicofisiológicos, somam-se às conhecidas causas sociais e psicológicas na construção desses indivíduos?
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Garotos sem pais descarregando suas frustrações
Quando eu era garoto, apenas nas periferias se viam casos de famílias desestruturadas, sem a tradicional formação de pai, mãe e filhos, todos vivendo sob o mesmo teto até que os filhos se casassem e fossem viver a própria vida.
André e Wiliam demonstram que o Estado reforçou a ideia de que o aumento da violência estava vinculada às famílias desestruturadas, que viviam fora da concepção de “família nuclear”. Mas e agora que a classe média também abandonou esse modelo?
A mídia e o Estado já estão adequando seu discurso para refletir esses novos valores aceitos pela sociedade, mas, ao abandonarmos o discurso antigo, verificamos que a causa do problema pode estar na procura da afirmação e da satisfação da libido.
A afirmação de masculinidade, que tanto orgulho traz aos membros da facção PCC 1533 e das corporações policiais, nada mais seria que respostas irracionais, que objetivam resolver seus conflitos pessoais, descarregando, assim, suas tensões e frustrações.
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Você acha que todo preso é infame?
Os pesquisadores quase caíram na arapuca que tanta dor de cabeça deu à Sérgio Buarque de Holanda: chamar os presos de infames ― mas o velho mestre lhes mandou alguém para demovê-los desse intento.
Infames, pela ótica foucaultiana, são as pessoas que tornam-se invisíveis para a população ― como é o caso das pessoas que estão presas. Tudo bem, mas o brasileiro age de forma cordial, na ótica de Sérgio Buarque, e dessa forma desceriam o pau nos pesquisadores antes que eles tivessem tempo de se explicar.
Vale o que parece ser, e não o que realmente é. Até hoje, os estudos sobre a relação entre a masculinidade e os crimes se restringem às questões de gênero e violência doméstica ou contra a mulher ― vemos apenas o que nos interessa ver.
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Qual é o seu tipo de macho predileto?
Não tem a menor importância qual o tipo de homem que você considera macho, pois Georges Daniel Janja Bloc Boris afirma que cada um de nós terá um conceito diferente sobre a masculinidade ― mas é interessante saber a imagem idealizada nas periferias.
Se aquele ambiente estiver vinculando a imagem do “homem viril” ao profissional do crime, os garotos tentarão se integrar aos grupos criminosos. Por essa razão, André e Wiliam buscam alertar para esse ponto da construção do imaginário.
Nas periferias, o macho procurado pelas arlequinas e pelas novinhas não é “o homem branco, de classe média, heterossexual, viril, procriador, cristão e impenetrável”, como nos fez crer “Robert Connell”; é o ladrão, é o Muhammad Ali tupiniquim.
… meninos entram para o tráfico e meninas pegam uma barriga deles. Quanto mais poderoso e rico é o menino, mas elas disputam entre si pra ver quem vai engravidar dele primeiro. Estamos falando de meninos e meninas de 16 a 20 anos.
Luiz Felipe Pondé
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Aprendido em casa e nas ruas, e reforçado atrás das muralhas
Simone de Beauvoir afirma que o conceito do que é ser homem e do que é ser mulher é um padrão comportamental construído através da cultura, e temos um ambiente extremamente machista dentro das muralhas.
Nas prisões, cada momento do dia é um “exercício de rivalidades e confrontos de forças entre machos, sobre machos, que garantiam a sobrevivência e o privilégio de deter o poder, dentro do presídio, sobre os outros presidiários; dupla penalidade: do estado sobre seu corpo enquanto criminoso, do líder da prisão sobre seu corpo enquanto inferioridade e submissão.”
A hegemonia do Primeiro Comando da Capital suavizou as relações. Antes do domínio da facção paulista, o homem que não conseguia se garantir, através da força ou do dinheiro, virava “mulherzinha” ou escravo sexual ou laboral atrás das grades.
No entanto, ainda hoje, o interno, seja um menor em uma fundação socioeducativa ou em uma prisão de segurança máxima, seja um primário que acaba de chegar ou o líder da organização criminosa paulista, todos têm que garantir seu lugar dia a dia.
Para os ambientes dominados pelo PCC onde a masturbação e a ereção sob a calça são severamente punidas, vale a advertência de Freud: um ambiente que reprime o libido “produz uma necessidade de descarga, a fim de reduzir a tensão”.
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É assim que funciona — é mais não é
Os pesquisadores concluem, então, que os homens envolvidos no tráfico de drogas são pessoas que têm propensão a atitudes machistas; no entanto, os estudiosos lembram que não é essa a razão de haver crimes ou tráfico de drogas.
Dentro das organizações, não se questionam as razões do ambiente ser homofóbico, machista e conservador. Pode-se dizer que discussão se restringe sociedade extramuros, mas nem os pesquisadores conseguiram achar uma literatura consistente a esse respeito.
Uma visão utilitarista pode argumentar que os facciosos se protegem ao criar mecanismos contra o abuso sexual dentro dos presídios, muito comum antes da hegemonia da facção Primeiro Comando da Capital nas penitenciárias.
Dicionário do PCC 1533 — Regimento interno da facção
36. Pederastia:
Se caracteriza quando se pratica sexo com pessoas do mesmo sexo, difere do homossexualismo porque o praticante é ativo somente e não passivo.
Punição: Exclusão e é cabível cobrança com análise da sintonia.
Para conhecer melhor os argumentos dos pesquisadores, só acessando o trabalho. Destaco, no entanto, um trecho de suas conclusões:
Um comentário em “PCC 1533 — aqui homem é homem”