A análise que aqui faço é a de um descontrole coletivo, que deseja a morte daqueles envolvidos no submundo do crime, como se se aproveitassem da possibilidade de matar indiscriminadamente qualquer um que trabalhasse para as forças policiais — desculpe, errei, Tarsila Flores escreveu assim:
A análise que aqui faço é a de um descontrole coletivo, quando veio à tona um sentimento de justiçamento frente ao expurgo social por parte dos policiais envolvidos, como se se aproveitassem da possibilidade de matar indiscriminadamente.
Acredito que Tarsila, autora da dissertação Cenas de um Genocídio: Homicídios de Jovens Negros no Brasil e a Ação de Representantes do Estado, concorde comigo e deixe eu inverter algumas palavras, sem comprometer a ideia, afinal ela mesma escreve em outro trecho sobre policiais e bandidos:
[São] como a imagem de uma dobradiça: duas partes de um mesmo conjunto, contrários no que se percebe quando a porta está fechada; mas, quando se abre, a dobradiça coloca as duas partes em pé de igualdade. Quando a porta se abre, a situação entre a legalidade e a ilegalidade se iguala…
Garotos pobres e policiais morrem em matilha e
acadêmicos discutem sobre essa questão em manada
Marcos Beccari e Ivan Mizanzuk se questionam sobre as razões pelas quais o conhecimento acadêmico não consegue fazer com que a luz do conhecimento produzido chegue ao mundo real, e Ivan chega a conclusão que as Ciências Sociais estão em crise e a Filosofia de fato morreu, assim como morrem os garotos e os policiais.
Garotos e policiais não perdem tempo como Marcos Beccari, Ivan Mizanzuk, Tarsila Flores, eu e você discutindo como as coisas devem ser, nos colocando como defensores dos fracos e oprimidos, ou da lei e da ordem — com nossas certezas, repetindo nossas verdades para aqueles que conosco concordam e vendo nos outros o inimigo.
Mas os inimigos somos nós, e essa é nossa sina.
Camila de Lima Vedovello e Arlete Moysés Rodrigues
O segredo da sobrevivência do Homo sapiens é a sua capacidade de se fechar instintivamente em grupos. No passado isso garantiu a sobrevivência da espécie e ainda hoje nos unimos em manadas para defender nossas ideias nas academias e redes sociais, ou em matilhas para defender nossas vidas nas periferias.
Enquanto alguns discutem cheios de razão, outros morrem sem nenhuma razão, como nos conta Yan Boechat:
Desta vez, os assassinos também eram negros e pobres da periferia.
O sociólogo Sérgio Barreira de Faria Tavolaro, da mesma Universidade de Brasília para qual Tarsila apresentou sua tese, e fez passar uma fresta de luz para fora das muralhas da acadêmica: o problema não é o racismo ou a opressão do Estado, a zica está na testosterona e no comportamento de grupo — seja do jovem marginalizado ou policial.
Os garotos da facção Guardiões do Estado (GDE 745), quando ainda eram aliados do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533), atacaram um reduto do Comando Vermelho (CV) por ousadia e adrenalina, algo que apenas uma matilha jovem e forte possui — garotos nada mais são que humanos, assim como os policiais paulistas que em 2006 se uniram para sobreviver.
Retornamos então a questão inicial proposta por Tarsila e que ela mesmo responde:
Quem mata os jovens negros e pobres das periferias?
Quando a porta se abre, a situação entre a legalidade e a ilegalidade se iguala… Tarsila Flores