A dominação cultural do PCC 1533.

José Guilherme Cantor Magnani no artigo “Antropologia Urbana: desafios e perspectivas” publicado na Revista de Antropologia da USP segue o caminho aberto por Gilberto Freyre incluindo como formador da nova cultura nacional a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC 1533).

Freyre indicou como o modo que vivemos nosso dia a dia foi influenciado diretamente por usos e costumes de diversos povos graças a “cordialidade” de nossa matriz portuguesa, Magnani nos dá uma ideia de como mensurar hoje a influência da facção paulista.

O antropólogo Magnani nos lembra que não podemos ver uma cidade como um todo, a visão distante do global nos impediria de ver o que de fato acontece, assim como não podemos nos deter em um único indivíduo ou grupo pois também ficaríamos cegos.

Isso se dá nos extremos, e temos que buscar o meio se queremos de fato ver o que está acontecendo. Um membro da facção que vive imerso em seus corres tem a mesma possibilidade de ver sua realidade quanto alguém que a analisa apenas através dos livros.

Não ficando nem muito perto e nem muito distante podemos ver melhor e percebemos que o Primeiro Comando da Capital deixou de ser uma “mancha cultural” limitada a pequenos nichos como os presídios para se tornar um sistema integrado com o restante da sociedade.

No Brasil graças às nossas origens culturais descritas por Freyre os grupos se mesclam mesmo se perceber, e por mais que os legalistas e os membros das facções insistam, ambos comem e dormem sob o mesmo teto cultural, mesmo falando dialetos diferentes.

Podemos tentar estabelecer os limites da influência que cada um dos grupos tem sobre a formação global da sociedade e como cada um dos personagens passam a ser influenciado por esta.


(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({}); A constância e força das regras impostas pela facção que há mais de vinte anos impõe de maneira rígida e direta as regras de vida de milhares de brasileiros nos presídios e para seus familiares criou raízes profundas e agora tem sua rede de influência secundária, onde normatiza o modo de viver e pensar de centenas de milhares cidadãos que vivem nas regiões periféricas e em nichos nas regiões centrais e nobres das cidades.

O impacto do código de conduta da facção, o Estatuto do Primeiro Comando da Capital, permeia de maneira sutil e acaba sendo incorporado por outros entes da sociedade que se imaginam longe da sua influência através da convivência com pessoas que tem contato mais próximo.

Um exemplo são as pessoas comuns que vão aos estádios assistir aos jogos de futebol. Há quase uma década postado aqui matéria sobre a influência da facção nas torcidas organizadas, e essas são as que ditam as regras gerais dentro dos estádios. Outro grupo são os dos pichadores e esqueitistas que não admitem a influência da facção, mas acabam dentro de seus nichos reproduzindo inconscientemente as regras as suas regras: “lealdade, humildade, e proceder”.

Esses grupos assim como outros citados por Magnani são emblemáticos, no entanto o sistema não se espalha apenas através dos setores estanques mas também geograficamente e através das relações comerciais e sociais: pessoas que moram em um bairro com forte influência da facção manterão relações sociais e econômicas fora das fronteiras do bairro, e tendo internado as regras acabam as repassando.

“Seguindo outras pistas, distante de zonas fortemente marcadas pela ilegalidade, em certos movimentos culturais de periferia são feitos contatos e alianças com jovens de outras regiões, alguns universitários, que descobrem novos trajetos mas devem seguir as regras do pedaço que começam a frequentar.”

E essas novas regras incorporarão ao seu conceito de normalidade social, e por fim passarão a defender essas novas regras de conduta lutando pelos Direitos Humanos ou Legalização das Drogas, afinal como diz Mc Keke:


“… Obediente no que eu digo e não faz o que eu faço,
treinado virô talibã e hoje é nosso soldado…
… fechamos as lojas colocamos fogo nos buzão,
sem atingir os inocentes, aqui não tem covarde,
a nossa guerra todos sabem é contra as autoridades.”

A sociabilidade leva a nós como seres humanos a viver em sociedade e cada um de nós criou seu próprio processo de socialização de modo a sobreviver nessa selva, para isso nos integramos a grupos assimilando sua cultura, e para nos protegermos de outros grupos mais fortes por vezes mesmo que inconscientemente transformamos nossos valores culturais justificando o injustificável, mas garantindo nossa sobrevivência.

Autor: Ricard Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porém, é que aqui, assim como ninguém sabe que você é um cachorro, não dá para sacar se a pessoa do outro lado é do PCC. Na rede, quase nada do que parece, é. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fã no Facebook pode ser um robô; e, como é o caso da página em questão, um aparente editor de site de facção pode se tratar de Rícard Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

Um comentário em “A dominação cultural do PCC 1533.”

  1. Ao que tudo indica o PCC é o responsável pela cisão entre periferia e classe média. Explico: os valores da classe média eram emulados, apropriados pela periferia como valores absolutos a serem perseguidos (a saber, filho na universidade pública, trabalho com carteira assinada, estabilidade, conservadorismo social, valores humanos, artísticos, etc), isto estava claro na década de 80 e 90. Com o surgimento do PCC me parece que a periferia rompeu com a classe média e iniciou um movimento no sentido de ter seus próprios valores intrínsecos, cada vez mais a periferia é um mundo a parte, com vontade própria e valores próprios. O aumento da matança de jovens da periferia por policiais e agentes de segurança retratam esta impossibilidade de diálogo, entre mundo cada vez mais distantes.A periferia busca seus próprios valores e isto choca cada vez mais a classe média. Basta observar o difícil convívio entre professores quase todos oriundos da classe média que trabalham em escolas de periferia.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: