A OEA e a situação no Presídio Urso Branco.

Muitos juristas de destaque na esfera do direito penal produziram um documento intitulado “Violações aos Direitos Humanos e o Processo Penal no Brasil“, resultado das conclusões obtidas num “Encontro em Defesa dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana e das Prerrogativas dos Advogados de Defesa”, realizado em Curitiba/PR, abordava a questão da decretação, pelo judiciário, atendendo a pedido da Polícia Federal, de quebra de sigilo bancário e escutas telefônicas, em total desrespeito ao direito constitucional de intimidade e privacidade, o que poderia ser considerado uma infração penal por parte do Estado. Some-se a isso as invasões a escritórios de advocacia durante as investigações, com autorizações judiciais concedidas sem critério substancial, impondo aos profissionais do Direito uma situação constrangedora perante a sociedade e, pior, promovendo uma ideologia de total descaso para com a profissão. Tais procedimentos, divulgados de forma ampla pela mídia em geral, propagaram a ideia de que é válido abrir mão de algumas garantias e direitos constitucionais no combate ao crime. Numa avaliação mais radical poder-se-ia intitular tais práticas a um Estado autoritário travestido de Democrático de Direito.1

Porém, se de um lado é possível observar o MP na qualidade de “interventor” nos direitos humanos e garantias constitucionais de forma negativa, de outro se vê o mesmo órgão do Judiciário posando de defensor dos direitos dos presidiários reclusos nas delegacias de São Luís/MA. De acordo com o periódico Veja, datado de 13 de dezembro de 2006, “uma vistoria realizada pela Promotoria de Investigação Criminal constatou que a maioria das delegacias de São Luís não possui condições de abrigar os detentos”, o que incidiu num pedido de “interdição de celas que estão superlotadas – sem condições de manter os presos.”2 A matéria publicada ainda afirma que o MP iria enviar um relatório à OEA denunciando o governo do estado, tendo em vista a constatação de que em algumas delegacias os internos se alimentavam apenas de arroz e feijão, bem como o tratamento truculento dos policiais desrespeitavam a dignidade dos detentos.

Outras denúncias de desrespeito aos direitos dos presos no Brasil também já foram encaminhadas à OEA. Entre elas encontra-se a promovida, em 2002, pela Justiça Global e pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho, Rondônia. A situação neste caso não difere tanto daquela enfrentada na maior parte do território nacional, mas especificamente na Casa de Detenção José Mário Alves (também conhecida como Presídio Urso Branco), foi a primeira vez que se encaminhou (em 2007) ao STF um pedido de intervenção federal em um estado brasileiro. Diante de tal perspectiva:

[…] Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da (OEA) a cumprir medidas provisórias que garantam a proteção à vida e à integridade pessoal dos internos do Urso Branco, a investigação dos acontecimentos e a adequação do presídio às normas internacionais de proteção dos direitos humanos às pessoas privadas de liberdade. Desde então, o descumprimento das determinações motivaram cinco novas resoluções da Corte que reafirmam a sistemática violação dos direitos humanos e a incapacidade do Estado brasileiro em implementar tais medidas.3

Para se ter uma ideia do que ocorreu nesta situação, mais de cem presos foram assassinados no Presídio Urso Branco, num período de tempo de aproximadamente oito anos, o que evidenciou claramente, à época, o tratamento criminoso dispensado pelo estado de Rondônia no que se refere aos seus detentos, mesmo porque, de acordo com o pedido de intervenção 4, “não se fala aqui em 03 presos linchados. Fala-se aqui em dezenas de mortes e dezenas de lesões corporais, frutos de motins, rebeliões, maus tratos, torturas, abandono, falta de cuidado médico e de condições mínimas de saneamento.” Além disso, se deve considerar “a precariedade de assistência jurídica, odontológica, social, educacional, religiosa e laboral.”

Em outubro de 2007 foi anunciado em Washington que a Comissão de Direitos Humanos da OEA visitaria o referido estabelecimento prisional, numa reunião que debateu quatorze possíveis “casos de violações dos direitos humanos em vários dos 35 países-membros.” 4 Cabe aqui destacar que a visita da referida Comissão seria realizada em função de um processo iniciado em 2000, no qual o Brasil era pólo passivo devido a denúncias feitas pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho. A situação do Brasil frente à OEA piorou quando, em 2006, o diretor de Departamento Penitenciário Nacional, Maurício Kuehne, “denunciou que a situação não mudara e que havia 1,1 mil detentos para 815 vagas no presídio, apenas um médico e que não existia separação entre presos definitivos e provisórios.”5

Para se ter uma análise do âmbito de atuação da OEA, Cristina Timponi Cambiaghi, assessora internacional da SEDH – Secretária Especial de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, afirma que a Comissão de Direitos da OEA “é uma instância de análise técnica em que se busca uma negociação entre o governo federal e o estado envolvido para resolver a questão, sem levar o caso a julgamento da Corte.”6

O governo brasileiro já sofreu medidas cautelares para a proteção da vida e da integridade física de todos os presos da carceragem da Polinter, no Rio de Janeiro. Em documento da organização Justiça Global, em 02 de agosto de 2005 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou que o Brasil, em particular o Rio de Janeiro, adotasse, entre outras medidas urgentes, a proteção da vida e da integridade física dos internos na carceragem da Polinter; suspendesse a entrada de novos presos; transferisse os presos condenados e recapturados para estabelecimentos prisionais; diminuísse substancialmente a superlotação daquela delegacia de polícia.

Este texto é um trecho da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, do Dr. Gerciel Gerson de Lima, sob orientação da Professora Doutora Ana Lúcia Sabadell da Silva do Núcleo de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania em 2009 – SISTEMA PRISIONAL PAULISTA E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: A PROBLEMÁTICA DO PCC – PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL.

  1. Advogados reclamam à OEA de tratamento dado a presos no Brasil. op. cit.
  2. MP vai denunciar Governo do Estado à OEA. Disponível em: http://www.jornalvejaagora.com.br – Acesso em: 18 dez. 2008.
  3. Violações de direitos humanos no Presídio Urso Branco. Disponível em: http://www.combonianosbne.org – Acesso em: 18 dez. 2008.
  4. Idem.Comissão de Direitos Humanos da OEA visitará presídio em Rondônia em 2008. Disponível em: http://verdesmares.globo.com. Acesso em 18 dez. 2008.
  5. Comissão de Direitos Humanos da OEA visitará presídio em Rondônia em 2008. op. cit.
  6. Idem.

Autor: Ricard Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porém, é que aqui, assim como ninguém sabe que você é um cachorro, não dá para sacar se a pessoa do outro lado é do PCC. Na rede, quase nada do que parece, é. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fã no Facebook pode ser um robô; e, como é o caso da página em questão, um aparente editor de site de facção pode se tratar de Rícard Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

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