O regime de exceção desrespeita a LEP.

No Brasil a situação de insegurança se tornou de tal forma tão insustentável, que a sociedade passou a reproduzir com mais intensidade a ideologia de que o criminoso é inimigo da população e, conseqüentemente, do Estado. Nesse sentido, a adoção de qualquer prática que possa garantir mais segurança (e “legitimidade” ao direito de punir) passa a ser compreendida como “legal”, mesmo que em total contrariedade às normatizações pátrias que garantem a estabilidade da vida num Estado Democrático de Direito. Sobre esse assunto, convém buscar amparo em Gamil Föppel El Hireche para compreender que:

Esta é a sociedade que se convencionou chamar de sociedade do risco. É uma sociedade traumatizada, neurótica, que busca combater o risco onde quer que ele possa estar, ainda que os perigos imaginados por eles inexistam. As pessoas têm medo: medo dos crimes que verdadeiramente ocorrem, medo dos fatos que jamais ocorreram. Este medo, que justifica cada vez mais modificações no Direito Penal, é visceralmente ligado ao apelo feito pela mídia em relação à violência.1

Não se devem aceitar os excessos no que diz respeito ao instituto da prisão cautelar, haja vista que a regra geral é a liberdade e não a prisão. O indiciado não deve ser preso se contra ele não prevalecer o periculum liberatis (perigo em liberdade), já que essa é a característica essencial para se manter a prisão cautelar e não a gravidade do delito cometido. No entanto, a regra geral deste tipo de prisão vem sendo desrespeitada e o regime de exceção, produzido e reproduzido em larga escala, corrobora para a manutenção aparente de contornos de legalidade. Décio Menna Barreto de Araújo Filho, já afirmava que “é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente”2, assim como Ulpiano afirmava que “é preferível deixar impune o delito de um culpado do que condenar a um inocente.”3

É preciso ter em mente que a lei ordinária, em especial a Lei Maior pátria, têm suas relevâncias e deve seguir no ordenamento jurídico como fundamento principal (e não acessório) no que se refere ao atendimento de situações pontuais surgidas com a contemporaneidade, com a supressão de valores outrora incrustados no tecido social, e com a deficiência estatal em cumprir seu papel social.

Resgatando o tema que diz respeito a este tópico específico deste trabalho, tem-se como exemplo a questão penitenciária, a qual não pode ser relegada ao ostracismo e à indiferença sócio-estatal, haja vista que o detento não “é preso” apenas, mas “está preso” e, em algum momento, logrará liberdade e retornará, ao convívio com os demais agentes que compõem a esfera social nos âmbitos micro e macro.

Os reclusos, em sua maioria, tem se mobilizado, mesmo dentro da prisão, para interferir na realidade externa ao ambiente carcerário, o que indubitavelmente causa temor a maior parte da sociedade devido ao “poder paralelo” estabelecido no interior das instituições “correcionais”. Esse fator deve ser adicionado à questão do aprendizado desenvolvido intra-muros, arriscando-se aqui até mesmo a afirmar que alguns libertos saem com um conhecimento jurídico-penal superior ao absorvido por muitos egressos de cursos de Direito.

Isso significa inferir que o detento sabe (ou é cientificado pelos companheiros) de seus direitos e benefícios, ou seja, dos prazos de execução, dos regimes, da vinculação dos tipos penais aos artigos previstos no Código Penal, em suma, os reclusos não ficam debruçados na própria ignorância e submetidos passivamente à omissão estatal de lhes conferir os direitos e garantias previstas na legislação penal, principalmente nos concernentes à LEP – Lei de Execuções Penais.

Assim, tratar a questão penitenciária em regime de exceção também significa contradizer a norma e desrespeitar os ditames estabelecidos com vistas a proteger os direitos daqueles que muitos acreditam não lhes serem devidos. Formas desumanas de tratamento, desrespeito aos prazos de execução, presos com direito à liberdade e ainda reclusos, torturas e maus tratos por funcionários entre outros exemplos da má administração do sistema penitenciário, são fatores que não preocupam a sociedade num contexto mais geral. Isso propicia a produção e a reprodução do referido regime de exceção e, dessa forma, mesmo contrariando a LEP, mantém um estado de coisas que faz com que a dignidade humana do interno seja objeto de sátira em alguns círculos sociais.

No entanto, entende-se aqui a necessidade de levar o leitor a um contato mais próximo com a LEP, motivo pelo qual o tópico seguinte será destinado a esse intento, ou seja, expor de forma relativamente crítica alguns conceitos e preceitos relativos a esta norma infraconstitucional.

Este texto é um trecho da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, do Dr. Gerciel Gerson de Lima, sob orientação da Professora Doutora Ana Lúcia Sabadell da Silva do Núcleo de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania em 2009 – SISTEMA PRISIONAL PAULISTA E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: A PROBLEMÁTICA DO PCC – PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL.

  1. HIRECHE, Gamil Foppel El. op. cit. p.12.
  2. Apud. BELO, Warley. A prisão preventiva e a presunção de inocência. Revista Del Rey Jurídica. Belo Horizonte, MG: Del Rey, ago.-dez. 2007. p.52-53.
  3. Idem. p.52-53.

Autor: Ricard Wagner Rizzi

O problema do mundo online, porém, é que aqui, assim como ninguém sabe que você é um cachorro, não dá para sacar se a pessoa do outro lado é do PCC. Na rede, quase nada do que parece, é. Uma senhorinha indefesa pode ser combatente de scammers; seu fã no Facebook pode ser um robô; e, como é o caso da página em questão, um aparente editor de site de facção pode se tratar de Rícard Wagner Rizzi... (site motherboard.vice.com)

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