A coragem de um juiz contra a injustiça carcerária.

A decisão do Juiz das Varas de Execução de Tupã/SP, Gerdinaldo Quichaba Costa que, contrariando a regra que impera no sistema prisional, que é a de ignorar os desrespeitos às normas referentes ao tratamento do preso, denunciou a existência de um regime de exceção nos presídios paulistas1. Ele formalizou a denúncia em Portaria na qual determina que presos detidos nos quatro presídios sob sua jurisdição, penitenciárias I e II de Pacaembu, de Junqueirópolis e de Lucélia, possam tomar banho de sol por pelo menos duas horas por dia. Segundo o mesmo magistrado, trata-se de “um regime de pena cruel, que fere as principais resoluções internacionais de proteção dos direitos humanos e que vai contra a legislação penal e Constituição Federal, vigora há décadas nas penitenciárias do estado de São Paulo.”2

O mesmo magistrado também determinou que não seriam mais aceitos em sua jurisdição detentos acima dos limites estabelecidos em lei, bem como não seria considerado falta grave o uso de entorpecente no interior destes estabelecimentos, baseando-se na nova política criminal, que não pune com prisão o porte de drogas, sendo então a aplicação de falta grave, que implica em perdas de benefícios como a progressão de regime. Tal posicionamento, por ser raro e, neste caso único a partir de uma autoridade do sistema, foi duramente criticado, havendo pouco e tímido apoios ao seu posicionamento.

Todavia, mesmo com relativa mudança de foco do rumo iniciado, é preciso destacar que a Carta Magna de qualquer país deve ser respeitada e entendida como fundamento para as demais normas que porventura venham a ser editadas. Some-se a isso o fato de que qualquer postura tomada pelos agentes da segurança pública, e que entre em choque com os princípios estabelecidos na Lei Maior, é inconstitucional e não deve ser admitida e/ou tolerada.

A norma penal também possui suas regras próprias e elas não foram elaboradas simplesmente para complementar o quadro brasileiro de leis. O acesso por criminosos a armamentos qualitativa e quantitativamente superiores em comparação aos fornecidos aos membros da polícia, não autoriza as mortes praticadas nos famosos “confrontos” pelos agentes policiais.

Durante o período militar brasileiro, que se encerrou há algumas décadas, era comum a detenção e o desaparecimento de presos políticos. Os chamados “anos de chumbo” do Brasil3 deixaram resquícios na herança histórica brasileira, ou seja, ainda hoje a polícia atua de forma truculenta e, muitas vezes, sem respeitar os ditames penais, num esquema de total incongruência com as normas estabelecidas pelo direito penal e pela ética profissional da polícia. O mesmo ocorre com os administradores da segurança pública e até da Justiça, agindo de forma dissonante à legislação vigente e criando um regime de exceção.

Comum o uso de leis e regras de exceção no sistema prisional, réus primários que são detidos e, pela lei, deveriam aguardar julgamento em CDP’s, mas a superlotação nesses Centros “permite” aos agentes da segurança pública transferir o acusado para penitenciárias, que abrigam em sua grande maioria presos já condenados. No Judiciário o abuso no uso e manutenção da prisão cautelar, quando não preenchidos os requisitos da custódia cautelar, previstas Código de Processo Penal pátrio; a segregação do acusado por longos períodos sem julgamento, ferindo também o dispositivo constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXV, da Carta Magna, prescrevendo que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.” é sem dúvida um dos fatores responsáveis pela superlotação carcerária. A síntese desta questão e o grande argumento é que as prisões cautelares têm sido usadas de forma anômala, de exceção tem se transformado em regra.

Quando essa prática se torna uma constante, aparentemente se está vivenciando um fato comum, mas isso nada mais significa que um regime de exceção e cuja adoção acaba adquirindo certa “legitimidade”. A própria Constituição Federal brasileira vigente, no caput de seu artigo 5º, prevê que “todos são iguais perante a lei, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].” Todavia, essa igualdade é muito relativa quando aplicada na prática, pois os exemplos de detenção apresentados anteriormente (Edemar Cid Ferreira versus Bruno) demonstram claramente o abismo existente entre o tratamento de ricos e pobres no Brasil.

Este texto é um trecho da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, do Dr. Gerciel Gerson de Lima, sob orientação da Professora Doutora Ana Lúcia Sabadell da Silva do Núcleo de Estudos de Direitos Fundamentais e da Cidadania em 2009 – SISTEMA PRISIONAL PAULISTA E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS: A PROBLEMÁTICA DO PCC – PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL.

  1. Cf. SIQUEIRA, Chico. Juiz denuncia regime de exceção nas prisões de SP. Disponível em: . Acesso em: 23 fev. 2009.  
  2. Idem.
  3. Os chamados “Anos de Chumbo no Brasil” configuraram o período mais repressivo da ditadura militar, estendendo-se basicamente do fim de 1968, com a edição do Ato Intitucional nº 5, em 13 de dezembro daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974.

Autor: Ricard Wagner Rizzi

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