O grupo criminoso Primeiro Comando da Capital, assim como as bruxas e o comunismo, é utilizado para que grupos políticos, que estão no poder ou desejam chegar a ele, criem um ambiente de terror com alguma finalidade específica.
Aparentemente é o que voltou a acontecer agora na Bolívia, onde parte do governo do presidente Luis Arce deseja facilitar a ação no país da Drug Control Administration (DEA), apesar de há muito a facção PCC 1533 ter caído no esquecimento pela população boliviana.
Os números do Google Trends não deixam dúvidas de que o fantasma está sendo alimentado artificialmente para então poder ser combatido.
O narcotráfico está ganhando esta batalha contra o Estado, demonstrando supremacia no controle do território (…) Esses cartéis de drogas são organizados no exterior por grupos como Los Chapitos (um grupo de narcotraficantes do México), o PCC (Primeiro Comando da Capital), grupos combinados com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e, claro, eles têm equipamentos e armas de melhor qualidade do que as forças de ordem.
Quem se opõe a essa narrativa para justificar uma intervenção americana no país, que no geral não acaba bem, é o vice-ministro de Substâncias Controladas, Jaime Mamani Espíndola, que afirma que se fosse significativa a presença da facção paulista no país as autoridades não poderiam circular livremente como o fazem.
Quem apoia e alimenta essa narrativa e pede a presença do DEA, que no geral acaba trazendo dólares para o país e holofotes para políticos e agentes do Estado através de políticas de “intercâmbio”, é a oposição de direita que há poucos anos tentou tomar o país a força e a Comunidad Ciudadana (CC), uma coligação política de centro liderada pelo ex-presidente Carlos Mesa.
O narcotráfico está ganhando esta batalha contra o Estado, demonstrando supremacia no controle do território (…) Esses cartéis de drogas são organizados no exterior por grupos como Los Chapitos (um grupo de narcotraficantes do México), o PCC (Primeiro Comando da Capital), grupos combinados com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e, claro, eles têm equipamentos e armas de melhor qualidade do que as forças de ordem.
As ligações políticas da vice-presidente Cristina Kirchner com o casal Zamora a envolveria com a facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital?
O Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533) está na porta de entrada da Argentina, na “Madre de Ciudades”, como é conhecida Santiago del Estero, a mais antiga cidade platina fundada por colonizadores espanhóis. É o que afirma o jornalista americano Douglas Farah no relatório intitulado “Un caso de estudio de la convergencia criminal internacional: Santiago del Estero, Argentina”.
Farah é especialista em segurança internacional na América Latina e presta consultoria em sua área ao Banco Mundial, FMI, Departamento de Estado dos EUA, Departamento de Defesa, DEA e OEA, entre outras instituições e é frequentemente requerido como testemunha pelo Congresso dos Estados Unidos.
Segundo Farah, os narcotraficantes da facção brasileira PCC estão em conluio com a polícia provincial e as autoridades políticas, trocando proteção uns aos outros em suas esferas de poder e o governador da província, Geraldo Zamora, e sua mulher Claudia Ledesma Abdala, que também já foi governadora da província, se alimentam e alimentam essa estrutura.
Para Farah, grande parte do poder do casal Zamora vem da proteção que recebem de Cristina Kirchner, em termos políticos e fiscais, e a ela fornecem base não apenas no campo político. Dessa forma e por esse tortuoso caminho, o periódico La Nación repercutiu o trabalho do pesquisador que, “em tese”, vincula a vice-presidente Argentina àorganização criminosa Primeiro Comando da Capital.
Grandes organizações criminosas como as Farc na Colômbia ou a Mara Salvatrucha na América Central sempre se envolveram com as forças policiais e as elites políticas, no entanto, apesar de ocasionalmente utilizarem o território argentino não criaram. Já a facção PCC 1533 ameaça estender seu poder não só nas periferias e prisões, como também pela nata da sociedade platina.
“Preto do Jardim Vitória, um nome que ressoa com sombrias reverberações na trama urbana de Itu. Esta figura, de fato, é um eixo vital na engrenagem do Primeiro Comando da Capital (facção PCC 1533), desempenhando seu papel na sombria dança do crime organizado. Seu conto, entrelaçado com o do enigmático Lázaro, aguarda ser desvendado em nossa matéria.
Navegue conosco pelas esquinas escuras e ruas sinuosas do submundo do crime, onde o poder se esconde nas sombras. A narrativa a seguir mergulha profundamente na vida destes homens, tecendo uma tapeçaria de destinos influenciados pelas decisões feitas na beira do abismo. Será que eles são simples produtos de um sistema falho, ou há algo mais intrincado em jogo?
Este texto, produzido originalmente em janeiro de 2012, provoca questionamentos e desafia perspectivas. Convidamos você a se juntar à discussão e compartilhar suas impressões conosco. Deixe um comentário no site, participe do nosso grupo de leitores ou envie-me uma mensagem privada. Estamos ansiosos para ouvir suas opiniões e continuar este importante diálogo.”
Nas profundezas de Itu, cidade do interior de São Paulo, Lázaro, também conhecido como Anselmo, caminha silenciosamente pelas ruas úmidas e estreitas da Rua Zumbi no Jardim Vitória. Sob o brilho difuso das luzes da cidade, refletidas no asfalto molhado, os pensamentos de Lázaro são dominados pela figura de Júlio Cesar, ou “Preto do Jardim Vitória”. Esta personalidade influente, juntamente com Japa, ecoa além das barras de ferro da Penitenciária de Avaré, impondo respeito e poder.
Mesmo que seus corpos estejam aprisionados, seus corações, mentes e ordens permeiam livremente as ruas de Itu, Salto e Indaiatuba. Nada ocorre sem que um deles tenha conhecimento. Em cada esquina e beco dessas cidades, os sussurros de suas ordens são sentidos, uma prova indelével do controle que exercem.
A aquisição de biqueiras e o domínio territorial são estratégias de sobrevivência para o PCC. Com o crescimento da facção PCC, a tranquilidade das ruas de Itu é constantemente perturbada. O processo é quase clínico, evitando derramamento de sangue desnecessário e conflitos internos, mantendo a ordem. Lázaro é testemunha disso, observando em silêncio as engrenagens do crime organizado em movimento.
Com a presença policial na Favela do Isaac Shapiro, Lázaro decide seguir em frente para o Jardim Vitória. Estaciona seu carro perto do posto de saúde e prossegue a pé, pronto para cumprir uma “responsa“. No caminho, seus olhos se desviam para a casa que outrora abrigava Marcelo, um conhecido.
No território do irmão Preto
Marcelo deixou a Rua Zumbi para a Rua Miguel Arcanjo Dutra, carregando mais do que apenas suas posses. Ele carregava a expectativa e o medo de viver sob a sombra do irmão Preto. Nesse momento, Lázaro se vê refletido em Marcelo, ambos moldados e definidos por forças além de seu controle.
Na noite que envolve Itu, Lázaro caminha como um fantasma, observando e compreendendo a realidade sombria da cidade. Ele carrega consigo a realidade de vidas presas na teia complexa da facção PCC, a imagem de uma cidade dominada pelo crime organizado. Cada passo seu é uma homenagem silenciosa àqueles que, como ele, continuam a lutar dentro da complexidade do submundo criminal.
publicado originalmente em 10 de janeiro de 2012 no site aconteceuemitu.org
O Primeiro Comando da Capital ou a Famiglia Bolsonaro são grupos mafiosos? — o Prof. Roberto Bueno pode dar subsídios para chegarmos a uma resposta
Os símbolos do PCC, do assaltante e da máfia
Vivemos tempos estranhos, em que se discute se a família do presidente da República encabeça uma organização mafiosa.
Houve um tempo, em tempos, menos estranho, no qual se discutia se o Primeiro Comando da Capital seria organização criminosa, cartel, gangue ou facção.
No entanto, após a prisão de Fabrício Queiroz na chácara de Frederick Wassef, o advogado do Seu Jair, a possibilidade de existir uma organização mafiosa em torno do presidente passou a ser cada vez mais levantada devido aos símbolos que repousavam na lareira.
Leve em consideração três casos:
com Queiroz havia três bonecos do mafioso Tony Montana;
na casa de um traficante havia o símbolo do Yin-Yang; e
na perna de um jovem flagrado armado havia a tatuagem de um palhaço.
Se você pensar como eu, acreditará que:
é um cinéfilo;
é um adepto do taoísmo; e
é um admirador das artes circenses.
Se você não pensar como eu, acreditará que:
é um mafioso;
é ligado ao Primeiro Comando da Capital; e
é um ladrão ou matador de polícia.
Signos são importantes na investigação policial e na formação de conceitos, mas conhecer a fundo o assunto é sempre melhor do que se ater a símbolos que podem ser mal interpretados.
O professor Roberto Bueno nos presenteia com uma aula magna sobre o que é máfia, e apesar de eu só citar dois breves trechos do artigo, convido você a fazer a leitura do artigo completo, no site do Jornal GGN, ou continue a leitura aqui.
Comparando métodos e comportamentos PCC X Famiglia Bolsonaro
O Primeiro Comando da Capital domina diversos portos brasileiros, controlando o porto de Santos, essencial para seus negócios, e disputando a hegemonia dos portos do Rio de Janeiro com as milícias, que esperam garantir a entrada de armas e receber parte do lucro sobre o tráfico internacional, o qual ainda não domina.
Apesar do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro afirmar que os delegados desses locais estavam tendo um bom desempenho no combate ao crime organizado, o que acabou ficando provado, o presidente Jair Bolsonaro exigiu a troca dos delegados responsáveis.
O que nos diz o professor Roberto Bueno sobre os portos:
“A operação de importação de drogas da América do Sul e, especialmente, do Brasil, desde onde operaria rede de tráfico de drogas para os EUA, mas também mantendo ramificações associativas com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e passava pelo envio de contêineres desde os politicamente disputados portos de Paranaguá, o de Santos (cujo controle político é notório) e, nos últimos tempos, o já muito falado porto do Rio de Janeiro, o que leva a suspeitar do vastíssimo interesse de autoridades na região, cuja intervenção no modelo de operações mafiosas é central, servindo de muros de contenção às autoridades tanto quanto elaboradoras de rotas de fuga aos percalços de “outsiders” do esquema criminoso pactuado com segmentos delas.”
Se o PCC é apenas uma “ramificação associada” e se Seu Jair apenas nos causa estranheza pelo seu vastíssimo interesse pelo comando da PF nos portos, nós só podemos ver esses personagens como outsiders, prestadores de serviços, que não podem ser considerados mafiosos.
Não basta pertencer ao mundo do crime para para ser mafioso
O professor Roberto Bueno lembra que numa organização mafiosa, “para manter a sua funcionalidade, há regras inflexíveis. Uma delas, e talvez a principal, é a inadmissibilidade da traição, entendida esta como a publicização dos assuntos internos da organização, e por isto vigora a omertà (lei do silêncio)”.
Item 9: “… poderá ser visto como traidor, tendo atitude covarde e o preço da traição é a morte.”,
Item 11: “… no caso de vazar as ideias poderá ser caracterizado como traição e a cobrança será a morte.”
Item 17: “… O integrante que vier a sair da Organização e fazer parte de outra facção caguetando algo relacionado ao Comando será decretado e aquele que vier a mexer com a nossa família terá a sua família exterminada.”
Embora a facção Primeiro Comando da Capital proíba agiotagem, há um caso conhecido de um agiota que financiava ações dentro da organização criminosa paulista.
Se existem agiotas dentro do Primeiro Comando da Capital, como eu nunca conheci nenhum?
Essa dúvida me surgiu enquanto o senhor Joaquim Maria me contava detalhes de uma história que eu conhecia de passagem:
A história do Capitão, homem responsável por parte do paiol do 19 e que financiava operações de quadrilhas de integrantes da facção PCC 1533, no Brasil e no exterior.
Meu encontro com Joaquim Maria no Boa Vista
Eu acompanhava um conhecido que foi entregar um pacote para o “patrão das biqueiras” do Boa Vista, e, enquanto aguardávamos no bar na entrada do bairro ao lado da loja de rações, Joaquim Maria se assentou na mureta para conversar conosco…
… e foi assim que consegui os detalhes da história do Capitão e daqueles que lhe eram próximos.
Não negarei o inegável: que eles pertenciam ao mundo do crime e que foi graças ao lado errado da vida que conseguiram concretizar o sonho dosque moram nas periferias:
Normalmente eu altero os nomes dos envolvidos, seja por uma questão de discrição ou para evitar algum processo, mas nessa história há muitos personagens que são de conhecimento público, então optei grafar os nomes reais:
José de Meneses (Mene), Eulália (Lia), (Capitão) Nogueira e Cristiana.
Eles acabaram sendo conhecidos não por pertencerem à facção Primeiro Comando da Capital, mas, sim, pelos laços de amor e amizade que os uniam, e por essa razão é que achei que valeria a pena vir contar a você o que aconteceu com eles.
Nem todos os PCCs agem e vivem da mesma forma e nos mesmos ambientes.
Esses quatro são um exemplo; é falacioso o estereótipo construído em torno de quem são os membros da Família 1533, como você mesmo pode ter constatado se conheceu Mene, Lia, Capitãoe Cristiana.
É fato que eles, assim como todos nós, relativizavam as regras sociais, mas não eram más pessoas.
De certa forma vivemos todos no mundo do crime, aceitando com naturalidade a quebra de normas sociais que nos são impostas e nos desagradam – algo normal para você, talvez seja deplorável para outro.
A morte de um trabalhador com oitenta tiros, disparados por soldados do exército enquanto ele seguia com sua família para um chá de bebê, pode ser vista como um crime bárbaro, consequência de discursos políticos populistas, ou um incidente no qual “o exército não matou ninguém”.
Tudo é relativo; o injusto pode passar a ser o justo ou ao menos aceitável, o importante é haver uma justificativa de autorredenção de nossos pecados:
utilizar o celular dirigindo (só por um minutinho);
dirigir alcoolizado (eu estou bem e vou dirigir com cuidado);
comercializar drogas (se eu não vender, alguém venderá, é a lei do mercado);
deixar de declarar renda ao governo (o brasileiro já paga impostos demais);
assaltar bancos ou desviar dinheiro público (roubar dos ricos ou do governo) etc.
Os quatro, assim como nós mesmos, nos encaixamos em uma ou outra infração e condenamos sem perdão os outros grupos. Contudo, vim aqui para falar sobre a vida de Capitão Nogueira, e não sobre a minha, a sua ou a do presidente Bolsonaro. Voltemos ao assunto…
Amar e trabalhar na facção pcc 1533
Crescendo no seio da Família 1533
Apesar dos crimes que cometeram, eles se viam como boas pessoas, que apenas não aceitavam alguns valores que lhe eram impostos por uma sociedade injusta e desigual, e acreditavam ser seu direito correr atrás do prejuízo.
Eu afirmo isso por conhecer muita gente como o Capitãoe seus amigos, mas o filósofo, sociólogo e jurista italiano Alessandro Baratta, que não os conhece, afirma basicamente a mesma coisa, só que em palavras mais pomposas:
Menee Liatinham quinze anos quando seus pais se mudaram, com a diferença de apenas alguns dias, para o Boa Vista, vizinhos de onde morava Cristiana, que era nascida no bairro e tinha a mesma idade que eles.
Houve algo mágico entre Liae Cristiana, enquanto a mudança descia do caminhão, Cris se ofereceu para ajudar, e naquele momento se tornaram mais que amigas, se tornaram irmãs. Com Menefoi igual, chegou e se interessou por Lia e nunca a trocou por nenhuma outra.
Menee Liaconheceram a adolescência e o amor ao mesmo tempo que as drogas e o lado errado da vida, pois Cristiana era a filha do dono de uma biqueira, e era ela quem ia levar a droga para os vaporzinhos que ficavam nas ruas próximas à casa.
Cristiana era uma garota fantástica, alegre, muito boa de conversa e superinteligente. Menee Liasabiam que tinham sorte de tê-la como amiga, e foi ela quem ajeitou com seu pai para deixar com os dois algumas porções para venderem enquanto namoravam no parque.
Menee Liasempre chegavam juntos e saíam juntos da escola, do parque e das festas, só se separando enquanto Lia ia até a casa de Cristiana para pegar mais mercadoria para vender, ou quando Meneera chamado para fazer alguns corresmais pesados.
Mene da facção PCC cai pela primeira vez
Conhecendo e fazendo negócios com o Capitão
Menenem tinha ainda completado seus dezesseis anos e já estava com uma moto, só não estava em seu nome, mas era dele, paga com a venda de drogas no parque e como piloto em assaltos e distribuição de drogas.
Poucos meses depois de acabar de pagar a moto, deu fuga nas ROCAMs (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) de São Roque à Araçariguama, mas foi pego quando acabou a gasolina, e a família teve que ir buscá-lo no Conselho Tutelar – não ficou preso, mas perdeu sua moto.
De volta para casa, os amigos apresentaram a ele o Capitão.
O jovem já tinha ouvido falar do Capitão, mas como este nunca aparecia na quebrada,Mene nunca tinha visto o ex-capitão da PM. O oficial expulso da corporação também já ouvira falar que Meneera firmeza nas responsase por isso o chamou para conversar.
Uma proposta foi feita pelo homem e aceita pelo rapaz, que saiu do encontro com uma moto muito melhor que a anterior. A partir daí, passou a fazer serviços para o Capitãoquando era chamado, e, apesar da diferença de idade, se tornaram amigos.
Deixando a quebrada
Todo mundo invejava Menee Lia
Após ser capturado pela polícia pela primeira e última vez em sua vida, Menedecidiu que não queria que Liacontinuasse nessa vida, mas ambos continuaram no tráfico até que ele foi engajado para o serviço militar obrigatório.
No dia em que Meneentrou no quartel, Liadeixou a venda de drogas para nunca mais voltar. No dia em que Menedeu baixa do quartel, foi buscá-la na casa dos pais, casaram-se e foram morar em um bairro de classe média em Indaiatuba.
Meneresolve que é chegada a hora de mudar o futuro seu e de sua mulher
Ele não queria mais que ela se envolvesse com o mundo do crime, então deixaram o passado e cortaram os laços que os ligavam ao Boa Vista. Desde então ela não mais teve nenhuma ligação com o lado errado da vida, apenas ele se manteve nos negócios.
Mene,que sempre foi conceituado dentro da facção, viu que seu tempo no quartel foi bem aproveitado, pois a destreza e o conhecimento na manutenção e na operação de armamentos longos lhe permitiu ganhar ainda mais dinheiro.
Desde que se mudou para Indaiá, ele só participava de assaltos em várias partes do país, transportava armamentos das fronteiras para São Paulo e dava instrução de tiro e manutenção de armas longas para os membros da organização.
A mulher do Capitão
É possível amar um homem com o dobro de sua idade?
Uma década se passou nessa nova vida e o casal Menee Liacontinuava apaixonado, como José Maria relatou-me no seu jeito de falar:
O casal teve uma única filha, Ana Sophia, e no dia do aniversário de dez anos da menina parou um automóvel de alto padrão em frente à residência, do qual saltam duas pessoas que foram tão importantes no passado do casal: Capitãoe Cristiana.
Tudo mudou após a mudança de Menee Lia
Pouco tempo depois que os jovensdeixaram o Boa Vista, os pais de Cristiana morreram em um acidente de automóvel e ela, tendo ficado sozinha, acabou indo morar com o Capitão, que a acolheu como se fosse sua filha.
A convivência porém os aproximou de outra maneira, e eles acabaram se casando alguns anos depois, mas, não sejamos hipócritas, a jovem Cristiana nunca esteve realmente apaixonada pelo velho ex-militar.
José Maria com seu jeito professoral de balcão de bar me descreveu assim esse relacionamento:
Qual a surpresa e a felicidade de Menee Liaquando ficaram sabendo que Capitãoe Cristiana estavam chegando para ficar – procuravam um recanto para se aquietarem.
Menee Lia insistiram que ficassem em sua casa, havia quartos de sobra, mas Capitão,que prezava por sua privacidade, já escolhera uma casa em um luxuoso condomínio próximo dali.
Capitãoresolve que é chegada a hora de mudar o futuro seu e de sua mulher
Desde a morte de seus pais, Cristiana não atuava mais nos corres nas ruas, passando a gerenciar os negócios do Capitão e os que lavavam o dinheiro da organização criminosa: lava-jatos, postos de gasolina, uma rede de pizzarias e uma franquia de buffet infantil.
O Capitão continuava com o paiol da facção, o financiamento das quadrilhas, e só para sentir a adrenalina fluindo em seu sangue ia na linha de frente nas grandes operações de ataques a sedes de transportadoras de valores e a pilhagem de pequenas cidades.
No entanto, Capitãoe Cristiana durante uma viagem pela Europa resolveram que mudariam de vida, assim como no passado o fizeram Menee Lia, e trataram de se ancorar nos arredores Indaiatuba, porque lá já viviam seus grandes amigos do passado.
E assim o fizeram. Capitão desmontou seu esquema criminoso, ficando apenas com o financiamento de ações de quadrilhas ligadas ao Primeiro Comando da Capital.
O certo pelo certo os juros não serão cobrados
O certo pelo certo, os juros não serão cobrados
Assim como Capitão, Meneabandona todas as suas outras ações criminosas para trabalhar exclusivamente no transporte de valores e na cobrança de dívidas para seu velho amigo.
No início essa operação seguia tranquila e o lucro para ambos superava o que ganhavam no tráfico e nos assaltos, mas a cobrança de juros em empréstimos foi proibida dentro da facção Primeiro Comando da Capital – o que afetou o lucro da dupla.
Pela novas regras do crime organizado, o financiador das operações podia acertar receber parte do butim conseguido pela quadrilha nas ações, mas não podia cobrar pelo uso do dinheiro em si como se fosse um empréstimo a juros.
Mesmo assim, financiamento de assaltos, da importação e exportação de grandes quantidades de drogas garantiam um lucro enorme, mas quando as operações falhavam a obrigação de pagar continuava com o devedor, que não podia ser extorquido com a cobrança de juros.
Essa é uma das regras do “certo pelo certo e o errado será cobrado”, que foi incorporada para impedir que as famílias dos encarcerados fossem extorquidas por dívidas contraídas pelos cativos, ou que esses, ao sair, tivessem nas costas uma dívida impagável.
No entanto, era no degradé existente entre o preto e o branco que Capitãoe Menenavegavam, buscando se manter pelo lado certo da vida errada sem deixar de receber o que consideravam um ganho justo pelo que foi investido.
Amor e talaricagem na facção PCC 1533
A família 1533, o amor e a talaricagem
A vida continuava tranquila nos negócios e os casais ainda mais unidos e felizes. As saídas de Meneagora eram menos frequentes e mais rápidas, logo voltando para Lia. Já Capitãoe Cristiana quase não se ausentavam de seu lar.
Depois de trocarem muitas palavras sobre coisas totalmente indiferentes à nossa história, Menefixou o olhar na sua interlocutora e aventurou estas palavras:
— Não tem saudade do passado, Cris?
A mulher estremeceu, abaixou os olhos e não respondeu.
Meneinsistiu. A resposta de Cristiana foi:
— Não sei; deixe-me!
E forcejou por tirar o braço de Mene; mas este reteve-a.
— Onde quer ir? Está com medo de mim?
Nisso Menerecebe quase que ao mesmo tempo duas mensagens no WhatsApp. Ele dá uma olhada rápida, vê quem as enviou e resolve não responder naquele momento para não correr o risco de Cristiana se desvencilhar.
Ela realmente ficou embaraçada, como se ela também tivesse algum sentimento por ele que mantinha escondido por conta de seu casamento. Em suas noites ela devia pensar nele enquanto estava deitada ao lado do velho oficial, e Mene percebendo isso insistiu:
— Se não me ama, fala, “de boa”; receberei essa confissão como castigo de não ter casado com você, e sim com alguém que eu realmente nunca amei. Você sabe que eu fiquei com Liaapenas para poder ficar mais perto de você e acabei por me casar com ela apenas para que ela não odiasse você por me tirar dela, e foi você quem quis que nos separássemos.
Um romance do passado escondido de todos
Foi assim que Joaquim Maria contou para mim algo que ninguém sabia sobre o caso que existiu entre Cristiana e Mene quando este já namorava com Lia.
Cristiana ficou naquela época com ele apenas por prazer, e quando viu que o amor de Liaera verdadeiro e sincero deixou o jovem para a amiga, sem nunca lhe dizer nada. Agora, depois de tantos anos, Meneresolve exigir o resgate de uma paixão adolescente.
Para sua sorte, Liachegou, e Menemudou de assunto.
As mensagens de Sininho e Camila Veneno
O destino resolve que é chegada a hora de mudar o futuro daqueles casais
Cristiana se despediu do casal, mas, na saída, Mene ficou a sós com ela e novamente declarou seu amor, afirmando que não sossegaria enquanto não ficassem juntos, nem que fosse ao menos uma noite – ela lhe devia isso.
Quando Meneentrou novamente em casa, comentou com a esposa que Cristiana estava agitada e aconselhou que ela fosse visitar a amiga assim que possível para ver se o que a afligia.
Nunca saberei se o rapaz instigou a mulher apenas por um prazer doentio, para ver se Liahavia desconfiado de alguma coisa ou para testar o quanto a antiga amante conseguiria manter o antigo segredo.
Um descuido e uma descoberta
O que sei é que naquele dia, um pouco mais tarde, Meneteve que ir até o aeroporto de Viracopos retirar alguns equipamentos que chegavam e que deveriam ser levados até um galpão em Pirituba, na Zona Oeste de São Paulo, ainda naquele dia.
Enquanto isso, Lia foi à escola buscar Ana Sophia e deixou a menina para estudar na casa de uma amiga. Ao voltar para casa, sozinha, resolveu visitar Cristiana, conforme havia lhe sugerido o marido antes de sair.
Ela ligou para Menepara avisá-lo onde ela estaria, mas ouviu o telefone tocando no quarto – na pressa de sair, ele devia ter esquecido o aparelho em casa. Ela notou que havia duas mensagens não lidas, e resolveu ler as mensagens.
O casal não tinha segredos, confiavam totalmente um no outro. Foi ela mesma quem havia escolhido a senha do celular para ele. Eram as duas mensagens que Menehavia recebido e não lido enquanto estava tentando convencer Cristiana a voltar o relacionamento com ele.
Mensagem enviada por “Sininho”:
“Mene, se acha que sou trouxa, parabéns, a única coisa que você vai conseguir com isso é fika sozinho. Vc fika com a Camila, ela me disse. ME ESQUECE CARA DE PAU.”
Mensagem enviada por “Camila Veneno”:
“Seu merda, não aparece aqui, Sininho é minha amiga, vc é um bosta e td que vc disse prá ela é mentira, aprende ser homem. Vc me engana com ela, e vc nunca nunca nunca nunca me pagou, não sou sua puta. Rodada é sua mãe! Nunca vem mais.”
Lia sempre foi forte, mas sentou e chorou. Eram essas as missões que deixava o marido por dias fora de casa?
Armas de Viracopos à ZO SP
Uma mensagem misteriosa interrompe a missão de Mene
Menenão havia esquecido o celular, ele o deixara de propósito, como sempre fazia quando saía em um missão – se o sinal do aparelho fosse rastreado, seu localizador apontaria que ele não saiu de sua residência.
O que de fato ele esqueceu, porque se distraiu com Cristiana, foi de apagar as duas mensagens. A mulher não costumava mexer no aparelho, então ele depois resolveria com calma a parada com as duas piranhas de Campinas.
Ele retirou o pacote no aeroporto de Viracopos e já seguia pela Rodovia dos Bandeirantes quando recebeu uma mensagem no aparelho que levava nas operações e que só o Capitãotinha o número:
“Vem para já minha casa, agora. Preciso falar com você sem demora.”
O Capitãosabia que ele estava no meio de um serviço que ele mesmo havia passado. O que podia ser tão urgente assim para interromper o trabalho?
Primeiro imaginou que o esquema foi descoberto pela polícia, que iria interceptá-lo na estrada ou no momento da entrega, mas também poderia ser que o parceiro percebeu alguma trairagem e os compradores poderiam tentar zerá-lo e ficar com o pacote sem pagar.
Se arrependeu de ter aceitado aquele serviço. A paga era boa, mais que o triplo que o normal, mas eles haviam prometido às mulheres que não mais iriam fazer esses corres, só que não resistiram à tentação de uma grana fácil.
Missão cancelada
Quando minutos se transformam em horas
O azar é que já havia passado o último retorno, ficando longe para voltar por Campinas, e até para cortar pela Vinhedo-Viracopos teria que ir até Itupeva, perto de Jundiaí, para fazer o retorno, uma hora e meia de viagem – nesse tempo daria para entregar o pacote…
A cada quilômetro rodado suas emoções se alteravam, ora se tranquilizava, ora ficava ansioso – e havia ainda longos sessenta quilómetros pela frente para se martirizar, e nem o trânsito estava colaborando.
Eles estavam tão sossegados, para que foram se meter nessa? – Menenão se conformava.
“Preciso falar com você sem demora.” – dizia a mensagem.
Isso não estava certo, se o plano tivesse sido descoberto eles tinham uma mensagem combinada para Meneabortar a missão e mocosaro pacote.
Será que a polícia estaria esperando na casa do velho?
Ou talvez não, pode ser que o Capitãoficou muito puto com o cancelamento da missão e queria a companhia do rapaz para se desestressar. Isso tinha acontecido no passado, quando ele era mais novo, mas agora pode ser que o velho militartivesse uma recaída.
Aquela estrada parecia nunca acabar, nunca percebeu como era tão longa.
Pensou em seguir antes para sua casa, pegar a mulher e fugir, desaparecer por uns dias e só voltar depois de ter saído fora do flagrante; ou seria melhor seguir a ordem do companheiro?
Deveria ir a casa do Capitãoarmado ou desarmado, com ou sem o pacote?
Na casa do capitão expluso da PM
Meneresolve se deixar levar pelo destino
Entrou no condomínio e seguiu para a residência do Capitão. Não notou nenhuma reação diferente nos seguranças da portaria, que ligaram para a casa para que o proprietário autorizasse sua entrada.
Mas se a polícia estivesse esperando por ele, os seguranças, que eram todos policiais e guardas civis que faziam bico para o condomínio, não iriam estragar o flagrante, pelo contrário, deveriam estar torcendo contra ele.
“Foda-se”, pensou. Ele iria descobrir em poucos minutos.
Menepodia esperar tudo, menos aquilo
Ele gelou ao chegar próximo à casa e ver que o carro de Liaestava ali. Cristiana devia ter contado ao marido da talaricagem de Mene, e o velho que chamara Lia para resolverem juntos a parada.
Parou próximo, planejando uma forma de se livrar da acusação de Cristiana, pois talarico morre pelo Dicionário da Facção PCC 1533.
Não adiantaria fugir, ele seria caçado pela facção e seria justiçado.
Tribunal do Crime – Agiotagem
O destino não devia ter reunido novamente os quatro
Resolveu entrar, conversar, sentir o clima, ouvir as acusações e depois jogar a culpa em Cristiana, acusando-a de querer trocar o velho Capitãopor ele, e como ele a teria recusado, ela o acusava falsamente para se vingar.
No final ela iria se ferrar e ele se sairia bem, quem duvidaria que ela não tivesse interesse em trocar o velho por ele?
Às vezes o destino nos prega algumas peças.
Menee Capitãohaviam resolvido abandonar a maioria de suas atividades criminosas para se dedicar às suas famílias.
A infidelidade de Menecom outras garotas poderia ter abalado um pouco esse cenário tranquilo, principalmente depois que Liadescobriu as mensagens e resolveu ir à casa de Capitãopara desabafar com Cristiana, sem imaginar que a amiga também havia ficado no passado com Mene, e que agora desejava reatar o caso.
Mas nem Liae nem o Capitãojamais saberiam disso por Cristiana – Meneestava certo, a garota realmente queria ficar com ele, só não tinha coragem de assumir essa posição, temendo que se o marido desconfiasse mataria a ambos.
O certo pelo certo e o errado será cobrado
Quando Liachegou à casa, foi surpreendida por seis homens armados que mantinham Capitãoe Cristiana sentados em um sofá, e ela foi colocada junto a eles.
Cristiana chorava, mas ela e o Capitãoficaram em silêncio por quase uma hora até que Meneentrou e também foi imediatamente rendido.
Com uma voz suave, mas com as gírias próprias da facção, um dos homens avisou ao Capitãoe a Meneque seriam levados para um debate, pois estavam sendo acusados de agiotagem.
Com calma, o homem afirmou que não precisavam se preocupar, que tudo seria esclarecido e logo voltariam para casa se estivessem correndo pelo certo, e que o resto da quadrilha continuaria ali para garantir que eles não tentassem alertar a segurança ao sair.
Capitão saiu conduzindo seu carro, tendo ao lado Mene, e no banco de trás dois homens do Tribunal do Crime.
Passaram-se meia hora até que os que estavam na casa receberam a mensagem de que os homens estavam seguros no cativeiro e que podiam deixar a casa.
Foi mais ou menos essa história que Joaquim Maria me contou, se bem que acrescentei alguns detalhes que eu já conhecia, assim como outras coisas descobri depois conversando com um ou com outro por aí.
A noite já havia fechado quando o “patrão das biqueiras” no Boa Vista chegou para fechar o negócio, e tudo se resolveu rapidamente – ao lado do bar há uma loja de ração com uma balança, o que facilita tudo.
Por pura ironia do destino ficamos conversando por algum tempo antes de poder voltar para casa, porque uma equipe da força tática parou para fazer a abordagem em alguns garotos que desciam a avenida quase em frente ao bar em que estávamos.
Pedimos mais algumas cervejas enquanto olhávamos a polícia trabalhando. Como os garotos estavam limpos, só receberam os esculachos de praxe.
Me veio uma outra pergunta em mente: será que eles agiriam com esse mesmo procedimento se houvessem câmeras nos uniformes ou se estivessem em um bairro nobre da cidade?
Os policiais, assim como nós mesmos, cometemos uma ou outra infração e condenamos sem perdão os pecados cometidos pelos outros. Contudo, não vim aqui para falar sobre como os policiais fazem seu trabalho, e sim sobre dois casais de criminosos.
(Esse texto é baseado em fatos reais que foram adaptados tendo como base o conto “Casada e viúva” de Joaquim Maria Machado de Assis)
Primeiro Comando da Capital: entendendo a falta de entendimento
Creio que mais da metade dos meus leitores nesse site tem menos de trinta anos, portanto, nasceu após a fundação do Primeiro Comando da Capital.
Com certeza absoluta, mais da metade dos brasileiros (50,3%) nasceram após a criação da organização criminosa Comando Vermelho no Rio de Janeiro em 1979.
Será que você terá nascido após meu primeiro contato com a facção em maio de 2006: meus leitores tem menos de 30 anos de idade.
Por isso não ligo de repetir informações já há muito conhecidas, e não mais me espanto quando confundem 2003 com 1993, datas já tão distantes.
Por isso não me espanto também no completo desconhecimento de uma das mais importantes ferramentas utilizadas para o crescimento da organização: as centrais de telefones fixos!
Marcola não é um dos fundadores do Primeiro Comando da Capital
Por isso, citando trechos do livro de Roberto Porto, procuro esclarecer pontos que me parecem importantes, como: Marcola não é um dos fundadores do PCC.
Permita-me esclarecer este equívoco que tem sido erroneamente difundido pela mídia e pela sociedade.
Na verdade, Willians Herbas Camacho, o Marcola, não é um dos fundadores da facção paulista, embora ele seja ainda hoje um membro importante da organização.
Acredito que este equívoco tenha sido originado pela tendência humana de atribuir uma figura central a um movimento ou organização.
É compreensível que as pessoas procurem identificar uma liderança ou um fundador, mas essa busca por uma figura emblemática pode muitas vezes obscurecer a realidade.
LIVRO GRÁTIS NO KINDLE: Este instigante livro conta a história de Marcola, que chegou a morar nas ruas de São Paulo após fugir de casa. Ele é apontado por pesquisadores e investigadores como o responsável por transformar o PCC
Além disso, a mídia e a opinião pública muitas vezes buscam simplificar ou “dramatizar” a realidade, o que pode levar a erros e equívocos.
É importante que o jornalismo, assim como a literatura, buscar a verdade, mas nem sempre essa busca é fácil ou bem-sucedida.
A verdade é muitas vezes estranha demais para a ficção.
Sir Arthur Conan Doyle em sua obra “Um Estudo em Vermelho”
Por isso, é importante sempre verificar as fontes e não aceitar informações sem questionamento, especialmente quando se trata de assuntos tão sérios e complexos.
Marcola estava em 2013 na Casa de Custódia de Taubaté durante a revolta e a fundação do PCC, mas ficou na dele, inicialmente sem aderir.
No entanto, realmente o Primeiro Comando da Capital só se tornou o que é hoje graças ao direcionamento dado por Marcola que ainda hoje é sua liderança mais conhecida, apesar dele negar ser da facção.
José Talles Guedes Pinheiro escolheu como tema de seu estudo acadêmico: “A influência das facções criminosas no sistema penitenciário brasileiro”.
No qual, ele reservou um momento para contar a história do Primeiro Comando da Capital, facção paulista que, segundo o livro de Roberto Porto, teve sua origem na Casa de Custódia e Tratamento “Dr. Arnaldo Ferreira”, em Taubaté, interior de São Paulo, no mês de agosto de 1993.
Originariamente, o Primeiro Comando da Capital era o nome de um time de futebol que disputava o campeonato interno do presídio de Taubaté, na época estabelecimento apelidado pelos detentos como “Piranhão” ou “masmorra”, por ser considerado o mais severo do sistema.
Os detentos da Casa de Custódia tomavam banho de sol apenas uma hora por dia, ao lado de um pequeno grupo de encarcerados, no máximo dez. Todos permaneciam em celas individuais, sem direito a visita íntima.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
Continuando, Porto relata que
Consta que ao chegar à final do campeonato, o time Primeiro Comando da Capital, integrado pelos presos denominados fundadores José Marcio Felício, o Geleião, Cezar Augusto Roriz, o Cezinha, José Eduardo Moura da Silva, o Bandeijão, Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, dentre outros, resolveu, em vez de jogar futebol, acertar as contas com dois integrantes do time adversário, resultando na morte destes presos.
Deste ato, que 24 tomou contorno de reivindicação contra as precárias condições do sistema prisional, se originou a facção criminosa.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
O abandono do sistema prisional por parte do Estado propiciou a formação e crescimento de facções criminosas que dominam a grande maioria dos presídios brasileiros…
Como foi percebida pelas autoridades o nascimento do PCC
Porto cita um relatório dos promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), sobre o nascimento do PCC.
Assim nasceu o PCC, cuja meta inicial era a prática de extorsões contra detentos e seus familiares, bem como determinar a realizar execuções de outros presos visando dominar o sistema carcerário, realizando o tráfico de entorpecentes no interior dos presídios e cadeias públicas.
Com o passar dos anos a organização criminosa estendeu suas operações, passando também a realizar inúmeros crimes fora do sistema prisional.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
Ao longo dos tempos a facção criminosa, PCC, manteve-se a mesma estrutura, basicamente piramidal, contando em seu topo com os chamados Fundadores.
Além deles, aqueles que, em virtude de seu destaque no mundo do crime, alcançaram posição de prestígio: como foi o caso de Marcola.
Também haviam aqueles que podiam participar da organização criminosa, por matarem outros presos ou executarem ações em nome da organização.
Esta estrutura piramidal foi alterada ao longo dos anos.
Hoje, o Primeiro Comando da Capital é dividido em células, de modo a permitir a continuidade das atividades criminosas mesmo com o isolamento dos líderes”.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
Nesta base piramidal, ainda se compõe de integrantes em escala hierárquica inferior, os chamados “batizados”, denominados assim por aderirem ao estatuto da facção, estes membros são considerados ativos da sociedade criminosa.
No entanto, ao contrário do que Porto afirma, dentro da facção PCC, existe a igualdade entre todos os integrantes e não uma hierarquia vertical.
Mais uma previsão que falhou sobre o PCC
O ano do apogeu desta facção foi em 2001, como afirma Roberto Porto:
O apogeu desta facção criminosa adveio quando ocorreu a maior rebelião prisional da qual se tem notícia no mundo, a chamada Megarrebelião, em 18 de fevereiro de 2001.
Tal rebelião envolveu 29 presídios com ações simultâneas.
O governo estima em 28 mil o número de rebelados reunidos pelo Primeiro Comando da Capital, em 19 municípios.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
Porto publicou sua obra em 2007, portanto, o país já havia assistido estarrecido o poder da organização nos ataques em São Paulo em 2006.
Só posso imaginar que a obra já tivesse em mãos dos editores antes dos ataques e que o autor optou por não mudar.
O Primeiro Comando da Capital mostrou que a facção estava vivendo o seu apogeu naquele momento, ou ainda teria mais outros momentos de superação.
O PCC é uma organização criminosa altamente adaptável e resiliente, que evoluiu ao longo dos anos, surpreendendo sempre seus caçadores.
O responsável pelo pânico generalizado: ataques contra as forças policiais, incêndios a carros e ônibus realizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Esta obra apresenta o caminho que levou o PCC a atingir tamanho grau de influência no sistema carcerário e nos bairros periféricos, culminando na paralisação de São Paulo…
Razões da resiliência da facção PCC 1533
Embora as autoridades e estudiosos possam ter afirmado que o PCC estava enfraquecido em determinados momentos, isso não significa necessariamente que o grupo estava em declínio.
A facção paulista é conhecida por sua capacidade de se reorganizar e se fortalecer após operações policiais e outras pressões do governo.
A organização é altamente hierarquizada, o que permite que ela responda rapidamente a mudanças nas circunstâncias e mantenha sua estrutura operacional mesmo quando seus líderes são presos.
Além disso, o PCC é uma organização criminosa altamente diversificada, envolvida em diversas atividades ilegais, incluindo tráfico de drogas, roubo, extorsão, sequestro e assassinato.
Essa diversificação permite que a organização se adapte e encontre novas fontes de receita, mesmo quando as atividades tradicionais estão sob pressão.
Outro fator que contribui para a aparente força do PCC é sua capacidade de se infiltrar nas instituições governamentais, incluindo o sistema prisional, a polícia, e a política.
A organização é conhecida por ter uma rede de agentes infiltrados que ajudam a garantir sua sobrevivência e expansão.
No mundo do crime organizado, a comunicação sempre foi uma ferramenta fundamental para garantir a segurança e a eficiência das operações.
Desde os primórdios do Primeiro Comando da Capital, seus membros entenderam a importância da comunicação telefônica como uma forma rápida e segura de trocar informações e coordenar atividades.
Uma das grandes apostas do Primeiro Comando da Capital foi a implantação de “centrais telefônicas” descentralizadas, em um tempo em que quase não havia celulares — além de só falarem “alô”!
Nos primórdios da organização, as centrais telefônicas de telefone fixo eram o principal meio de comunicação disponível.
As ligações eram feitas através de linhas dedicadas, o que garantia a privacidade das conversas.
Os membros do PCC utilizavam essas linhas para se comunicar entre si e com os chefes da organização, trocando informações sobre os planos de ação e as movimentações da polícia.
…segundo o Ministério Publico Paulista (MP-SP), a proliferação do Primeiro Comando da Capital só foi possível graças à existência das chamadas “centrais telefônicas”, expressão hoje já popularizada.
Consistiam sempre em linhas telefônicas instaladas em locais quaisquer, programadas com o escopo de efetuarem a transferência de chamadas ou o que se denomina “teleconferência” (três pessoas falando ao mesmo tempo).
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
Por meio de episódios impressionantes, PCC, A FACÇÃO envolve o leitor em uma trama que, muitas vezes, parece saída de um filme de ação. Mas, infelizmente, faz parte da realidade brasileira e do sistema carcerário.
O que mudou no PCC de 2007 até os dias de hoje?
Quanto a vós, sede fecundos, multiplicai-vos, povoai a terra e dominai-a!
Gênesis 9:7
Em 2007 quando Porto publicou seu livro, a facção criminosa, não se encontra delimitada somente no território paulista, mas já se encontra em outros estados.
Todavia, esta facção criminosa não se encontra delimitada em território paulista.
A transferência de lideranças do Primeiro Comando da Capital para outros Estados permitiu uma expansão e sobretudo uma consolidação de alianças que resultaram em uma estrutura hoje nacional.
Mas não somente a parte material e operacional foi desenvolvida; também a parte ideológica sofreu grandes alterações.
Roberto Porto — Crime Organizado e Sistema Prisional
No ano de 2007, o PCC já havia consolidado sua posição como uma das maiores facções criminosas do Brasil, com forte presença no estado de São Paulo e em outras partes do país.
Os negócios da facção se estendiam desde a venda de drogas ilícitas até o controle de presídios e a realização de crimes violentos, como assassinatos e sequestros.
No entanto, durante os anos que se seguiram, contra todas as expectativas, o PCC continuou a expandir seu território e seus negócios de drogas.
Muito graças a própria ação do estado, que jogava no regime carcerário integrantes da facção em todos os cantos expandindo sua ideologia.
A organização criminosa ampliou sua presença em outras regiões do Brasil, como o estado do Rio de Janeiro, onde estabeleceu alianças com outras facções locais.
Além disso, o PCC se expandiu internacionalmente, estabelecendo relações com outras organizações criminosas em países como Paraguai e Bolívia, que são importantes rotas para o tráfico de drogas.
Nesse período, o PCC também aprimorou sua estrutura organizacional, tornando-se ainda mais hierarquizado e profissionalizado.
Em relação aos negócios de drogas, o PCC expandiu sua atuação para outras drogas além do tradicional tráfico de cocaína.
A organização criminosa passou a se envolver também com a produção e distribuição de maconha, ecstasy e outras drogas sintéticas.
Mais do que a reflexão a respeito das diversas questões que certamente decorrerão dos tópicos apresentados, a pretensão de apresentar a realidade extramuros dessa que, em termos territoriais e humanos, é a maior organização criminosa do Brasil, objetivando fomentar a discussão…
Apesar dos esforços do governo brasileiro para combater o PCC, a facção continuou a se fortalecer e a expandir sua presença no país e na região.
O grupo passou a realizar operações complexas e sofisticadas, como o resgate de líderes presos e o ataque a delegacias e unidades policiais.
Assim, podemos concluir que, entre os anos de 2007 e 2023, o Primeiro Comando da Capital consolidou sua posição como uma das mais poderosas organizações criminosas do Brasil, ampliando sua presença territorial e aprimorando seus negócios de drogas.
Ainda que tenha enfrentado diversos obstáculos, a facção se mostrou capaz de se adaptar e se fortalecer diante dos desafios impostos pelo ambiente criminal e pelo estado.
Enquanto quem não conseguia enxergar o que estava acontecendo batia palmas e postava seus kkks nas redes sociais após a morte de Gegê do Mangue e Paca, o Promotor de Justiça Lincoln Gakiya colocava suas barbas de molho e alertava que nuvens escuras estavam despontando no horizonte.
Às nuvens que Gakiya já havia notado somaram-se outras, se somaram a outras, ainda mais pesadas. Coube ao ministro Hugo Vera, chefe da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai (SENAD), teve que contrariar os garotos que batiam palmas e postavam seus kkks nas redes sociais após a prisão de Galã.
A história da morte de Gegê começou a ser mal contada com o estranho surgimento do bilhete que auxiliou as autoridades a desvendarem todo o caso, o que leva à questão; desde quando as autoridades já estavam cientes do plano de eliminar os líderes do Primeiro Comando da Capital e quais serão as consequências dessas mortes?
A proteção militar!
Para aqueles que imaginam que os militares no Rio de Janeiro vão resolver o problema do tráfico de drogas e armas, é preciso lembrar que as fronteiras nacionais são garantidas há anos pelo sistema ENAFRON/SISFRON das forças armadas em ação conjunta às forças policiais dos países fronteiriços.
As belas fotos dos soldados atuando no Rio já são velhas conhecidas nossas da Operação Ágata.
É ela que impede que nossas fronteiras sejam invadidas por traficantes de armas e drogas, com direito a belas fotos com militares nas estradas e helicópteros sobrevoando as matas e os rios — show.
Só valem pelo show. Gakiya e Vera sabem disso, e por isso se preocupam com as nuvens no horizonte.
A rota das armas e drogas, apesar dos militares, tem funcionado de maneira cada vez mais estável depois que o Primeiro Comando da Capital (PCC) assumiu a logística após a eliminação de Jorge Rafaat Toumani.
Além de manter e solidificar a tradicional linha de fornecimento do Paraguai, a equipe de estrategistas da organização criminosa desenvolveu uma estratégia para contaminar a tradicional rota norte, via rio Solimões, forçando a Família do Norte e o Comando Vermelho a buscar meios alternativos.
A exportação das drogas também deixou de ser centralizada e passou a ser operada através de diversos portos — tudo sob o olhar de Gegê do Mangue. Elton Rumich da Silva, o Galã, é uma figura ainda nebulosa dentro desse estratagema, todavia era personagem chave nesse jogo estratégico.
apesar de ter assumido o controle da distribuição da rota paraguaia com o apoio da facção paulista, Galã vendia com sobrepreço para a facção carioca Comando Vermelho, com o aval de Gegê, como forma de evitar uma guerra direta, ao mesmo tempo que fragilizava seu caixa, e conseguia informações estratégicas do inimigo;
que ele só comercializava com o PCC e seus aliados; e
ele comerciante autônomo, agindo sem se reportar ao Primeiro Comando, mas garantindo paz na fronteira e rota livre para seus insumos.
Enquanto a atual política de não enfrentamento do narcotráfico contra o Estado constituído e suas forças policiais persistirem, como tem sido a orientação do Primeiro Comando da Capital, há possibilidade de enfrentamento sem levar terror às ruas e à população através da polícia investigativa e ostensiva.
Para quem imagina que o ideal seria outro, é só ver como as coisas estão no Rio de Janeiro, onde o Comando Vermelho está no poder.
O mal maior!
A possibilidade de que Gegê do Mangue e Paca estivessem negociando com os inimigos do CV e FDN um acordo ou a mudança de camisa seria um tsunami para a segurança institucional latino-americano.
Se o maremoto foi evitado, as nuvens não foram dissipadas. A Família do Norte e o Comando Vermelho poderão tentar retomar a rota do Paraguai e restabelecer a hegemonia no Solimões, e, se isso acontecer, muito sangue poderá correr, tanto de membros das facções, quanto de policiais.
O momento não poderia ser mais propício para mudança dentro da estratégia paulista.
Com ajuda do Governo Federal, que com a intervenção militar no Rio de Janeiro criou dificuldades organizacionais para a organização carioca, o PCC poderá solidificar seus negócios com a Venezuela.
Hoje, devido às dificuldades econômicas da Venezuela, armas pesadas podem ser compradas por um preço bem abaixo do mercado.
Quando vamos ter outra oportunidade de comprar AR-15 e AK-47 por até US$ 5.000???
Militares e guerrilheiros estão vendendo as armas de suas organizações e aceitando oportunidades de serviço dentro e fora do país, e apesar da Família do Norte ter um vínculo mais antigo com os venezuelanos, a organização paulista tem condições econômicas e estratégicas para dominar a fronteira norte.
A rota boliviana como alternativa
Os paulistas conhecem desde o tempo dos bandeirantes a rota boliviana, que por algum tempo quase foi esquecida, e transportar via Mato Grosso do Sul maconha, cocaína e armamento era coisa para quem queria fugir do grande fluxo.
Há quem diga que o próprio Marcola havia proibido a utilização desse caminho — mas eu nunca vi esse salve. Seja como for, a estrada foi reaberta e está em funcionamento, como rota alternativa. Quem teria capacidade de gerenciar tal logística internacional?
Por mais incrível que possa parecer, o futuro da estabilidade da América-Latina repousa nos braços de Fuminho, o Gilberto Aparecido dos Santos, que assumiu a gestão e a logística internacionais em nome da Família 1533.
Há quem consiga dormir tranquilo, sabendo que nossas fronteiras estão seguras pelo ENAFRAN/SISFRON e sua Operação Ágata, da mesma forma que o Rio de Janeiro agora dorme em paz com os militares no combate ao tráfico de drogas.
Boa sorte para todos nós, e agora sim é hora de bater palmas e postar kkks.
Você já experimentou a cocaína 100% do Comando? Fala sério! Aquela branquinha cujos cristais brilham… Não quero te falar nada não, mas essa não é a 100% do Comando — se te disseram que é, só lamento.
Faltava oportunidade para vir falar para você sobre essa super droga, de edição limitada e de fabricação e distribuição controlada pelo alto escalão do PCC, mas agora, graças à pesquisadora Iara Flor Richwin Ferreira, vou tratar desse assunto.
“… os usuários de crack, apesar de alimentarem o comércio de drogas, são humilhados, escarnecidos e violentados inclusive pelos próprios traficantes, que consideram que os ‘nóias’ atrapalham as dinâmicas dos pontos de venda com seu constante ir e vir, e, principalmente, os classificam moralmente como degradados que perderam o controle sobre o próprio corpo, sobre o próprio consumo, sobre a própria dívida, sobre o próprio caráter”
Iara descreveu com perfeição o que é visto nas ruas.
Nas ruas — especialistas para venda do crack
Não é qualquer biqueira que distribui o crack, e, por algum tempo, o Primeiro Comando da Capital tentou retirar das ruas essas drogas, mas a demanda não pode ser reprimida, então, antes de perder o monopólio, voltou ao mercado.
No entanto, nem todos os comerciantes trabalham no varejo com esse tipo de cliente. Para atender aos usuários de crack, o vendedor tem que ser diferenciado. São: os mais violentos; aqueles que ainda não conquistaram espaço para atender a um público mais selecionado; alguém que está pagando uma dívida — alguns vendem por opção comercial, mas são minoria.
Nas trancas — nada de crack
Iara continua…
“Também nas cadeias controladas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), é possível observar a estigmatização e depreciação moral em relação ao crack, onde o fim da circulação e consumo dessa droga teve alcance. O que está na base da justificação da ‘extinção’ do crack nessas cadeias, […] relaciona-se ao seu grande potencial de promover a contração de dívidas e desencadear conflitos, mas […] também está estreitamente associada ao limite moral que o crack representa. ‘Degradação’, ‘falta de controle’ e ‘droga que faz o cara roubar a mãe, matar a mãe e tudo mais’ são os argumentos levantados por Marcola…”
A pesquisadora faz um diagnóstico preciso, irretocável, expondo casos de dentro do sistema, mas faço uma correção — se a cadeia é “controlada pelo Primeiro Comando” não há crack em hipótese alguma. Em determinadas unidades penais, o Primeiro Comando está presente e pode até ser maioria, mas, se existe comércio e consumo de crack, a facção ainda não está no controle da tranca.
Quando eu era criança achava que os usuários de drogas e alcoólatras saiam do Sistema Carcerário limpos, já que com tanta polícia e com tanta muralha não teria jeito de se comprar drogas.
Quando crescemos, aprendemos que as regras impostas pelo Estado de Direito nem sempre são levadas a sério, principalmente nas periferias das grandes cidades e dentro do Sistema Prisional. Mas nos presídios sob o controle efetivo da facção o crack não entra, pois está proibido no Regimento Interno do Primeiro Comando da Capital, conhecido como Dicionário do PCC, e esse funciona de verdade:
Se você não está dentro do Sistema, e em uma das unidades em que estão autorizadas a entrada da 100% do Comando, só lamento, mas vai morrer sem experimentar.
Vou te contar: nessas unidades, até os ASPENs sabem quando ela chegou, pois a tranca fica agitada e parece que vai virar, mas é só saírem da frente e esperarem a normalidade voltar. A 100% do Comando — amarela e opaca — é uma super cocaína sem os efeitos colaterais trazidos pelo crack, uma droga especial, de edição limitada e de fabricação e distribuição controlada pelo alto escalão do PCC.
Antes de terminar, retiro o acordo que lhe propus.
Se você postar a fórmula da Coca-Cola, vai ser processado e fica por isso mesmo, mas eu, se postar a fórmula da 100% do Comando, vou ter que responder a um Salve — fala sério! Não é uma troca justa. (adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Não precisa ser um antropólogo ou um sociólogo para saber que a sociedade é dividida em grupos que têm apenas em comum o ódio por quem pertence a outro grupo, e as redes sociais são, atualmente, o principal meio de difusão dessas ideias.
Claro que, exceto eu, ninguém postaria “kkk mais um preto morto kkk” — todos são pessoas civilizadas. Mas tenho recebido notícias de dezenas de bandidos mortos pelas forças policiais nos últimos dias com “kkk” acompanhando.
Você também deve ter recebido, não? Legal, então busque no Google imagens de “bandido morto no Rio de Janeiro” e conte entre os cadáveres quantos são negros e pardos e quantos são brancos — cada um que clicar terá um resultado diferente, experimente o seu resultado → clicando aqui ←!
No meu caso apareceram 52 defuntos, 8 brancos e 44 negros e pardos. O que isso quer dizer? Que o negro é mais bandido que o branco, e, como “bandido bom é bandido morto”, é natural que surjam entre os resultados mais negros e pardos do que brancos (kkk) — ou será que existe outra explicação para esses números?
A História se repete bem em frente aos nossos olhos.
A soma dos dois textos e as fotos que têm circulado nas redes sociais me levam a crer que estamos hoje repetindo o momento histórico narrado por Coutinho, no qual Churchill se contrapôs ao Lord Halifax e a Neville Chamberlain.
Naquele tempo havia dois grupos, um que pretendia seguir negociando e buscando soluções que evitassem o confronto com um povo que foi oprimido pelo Tratado de Versalles, empobreceu e lutava por sua sobrevivência.
Uma guerra contra a Alemanha significaria matar milhares de pessoas inocentes no país e que não mereciam ser sacrificadas por viverem em uma região dominada por alguns criminosos.
É um crime contra o estudo da história comparar duas realidades em dois momentos históricos diferentes e em duas sociedades distintas e tentar fazer uma análise — mas será mesmo?
Nós somos como os ingleses, só não sabemos disso.
Boa parte da população brasileira, hoje, está reagindo da mesma forma que a maioria dos britânicos reagiu naquele tempo — preferindo medidas policiais investigativas e ações sociais sem intervenção militar.
Uma intervenção militar nas favelas cariocas significaria matar centenas de pessoas inocentes que não merecem ser sacrificadas por viverem em uma região dominada por alguns criminosos.
O pesquisador canadense Graham Denyer Willis, afirma que esse tipo de ação reforça ainda mais a subvalorização, dentro da polícia, dos agentes que trabalham na investigação dos homicídios…
“…porque as vidas que investigam em geral não têm valor, são pessoas de partes pobres da cidade [já] os batalhões especializados em repressão, como a Rota e a Força Tática da Polícia Militar têm carros incríveis, caveirões, armas de ponta. Isso mostra muito bem a prioridade dos políticos, que é a repressão física a moradores pobres e negros da periferia. Não é investigar a vida dessas pessoas quando morrem.”
Churchill, ao contrário da maioria pacífica da população britânica, apostou na guerra, no enfrentamento armado, com batalhões especializados, táticas militares, tanques de guerra, armas de ponta, e com milhares de inocentes morrendo — mas derrotou a Alemanha e se tornou herói.
Temer e aqueles que optaram por apoiar as ações militares seguem essa mesma linha de raciocínio e, se forem vitoriosos, serão lembrados pela história como tendo sido aqueles que ousaram enfrentar o Crime Organizado de frente.
As redes sociais e a rede social da facção PCC 1533
Imagino que se na Segunda Grande Guerra houvesse redes sociais, os americanos estariam postando foto dos garotos alemães e japoneses mortos durante as batalhas acompanhados dos três potássios: kkk, assim como os alemães dos judeus no campo de concentração com a frase “um lixo a menos kkk“, mais ou menos como acontece hoje.
Mas que alternativa tiveram aqueles que morriam — não importa kkk!
Karina Biondi, por outro lado, mostra como a situação é muito diferente nos domínios do Primeiro Comando da Capital.
Até o final do ano passado era proibido o uso de armas nas biqueiras paulistas, e ostentar arma na comunidade era o mesmo que assinar uma sentença de morte.
Todos os problemas são resolvidos dentro de uma estratégia de negociação, a chamada “troca de ideia”, e mesmo o que corre pelo errado tem chance de se explicar e se adequar para ficar dentro da ética da comunidade.
Ética do Crime — por favor, se não concorda com o termo leiam os trabalhos de Biondi e mandem as críticas para ela, aqui eu apenas apresento a todos, que podem concordar ou não com o seu uso.
A forma de agir da facção paulista é algo que qualquer cidadão branco, intelectual e iluminista diria que é como o Estado de Direito deve agir para manter a paz social, se contrapondo à política de invasão militar.
“… a redução[da taxa de homicídios] ocorreu de forma generalizada, ou seja, em todos os grupos etários, de cor e sexo, bem como em todas as áreas do município de São Paulo, classificadas conforme diferentes graus de exclusão social. Contudo, foi ainda mais acentuada entre a população masculina, entre jovens (de 15 a 24 anos) e moradores de áreas de exclusão social extrema.”
A história mostra que não existe certo ou errado, apenas pontos de vista opostos, que serão louvados ou condenados pela história, enquanto a nós cabe apenas aplaudir a morte dos pretos e pardos ou nos contrapor ao genocídio seletivo, deixando para o futuro o julgamento de nossos atos baseados na lógica do vencedor. (adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
A Queda da Bastilha, a Proclamação da Independência, o fim do Regime Militar, o massacre do Carandiru e o assassinato de Jorge Rafaat Toumani, foram apenas momentos onde a tensão atingiu seu ponto de ruptura, marcando o ponto onde uma força, que aos poucos crescia passou assumiu uma posição. Com a facção Primeiro Comando da Capital não poderia ser diferente, e para quem estuda a história da facção o momento é de muita atenção, se não tensão.
Enquanto pessoas que não tem a mínima condições de entender o que está acontecendo postam “kkk um a menos”, a história está tomando um outro rumo, e ninguém pode com certeza para qual direção seguirá.
Pessoas morrerão nos próximos anos por que Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue e Fabiano Alves de Souza, o Paca, morram, por outro lado, outras que morreriam vão ser poupadas.
Não fique certo que você ou alguém que você conheça talvez não viva ou morra por isso, pois todos nós estamos no mundo sob a influência do que aconteceu durante a Queda da Bastilha, da Proclamação da Independência, do fim do Regime Militar, do Massacre do Carandiru e do assassinato de Jorge Raffat Roumani.
Alguns apenas não tem consciência disso, mas esses fatos históricos ditam querendo ou não o dia a dia de todos os brasileiros e influência parte das decisões política e de segurança pública de vários países latino-americanos.
Apenas mudanças de logística e comando.
A morte de Gegê do Mangue, a princípio trouxe a todos a certeza que havia sido uma decisão dentro da organização criminosa, apenas mais um acerto de lideranças entre os lobos, mas que a alcateia seguiria o mesmo caminho.
Mas “um coisa” talvez tenha mostrado que há algo mais.
“Coisa” é o nome dado a quem não tem moral dentro da organização. São os excluídos, os pederastas, talaricos, policiais presos, enfim, tudo que não presta. Nos presídios, os “coisas” não ficam junto com os presos, é assim em todo o sistema paulista, inclusive em Venceslau, e em geral são eles quem fazem a faxina.
Não se perdem bilhetes como esse, ele foi entregue por alguém por alguma razão, ou pelo menos deixou para que fosse encontrado pelo “coisa“. Claro que isso é apenas especulação que entre quem não tem o que fazer enquanto espera os dias passarem, e que em Venceslau, hoje sejam funcionários públicos concursados que peguem no cabo da vassoura e varram o chão sob uma câmara de vigilância, mas… eu acho que não. O bilhete segue as normas da facção, o que dá credibilidade:
O irmão Cabelo Duro é Wagner Ferreira da Silva, liderança do PCC no litoral paulista, e foi morto poucos dias depois da divulgação do bilhete em frente ao Hotel Blue Tree Towers em São Paulo.
A polícia trabalha com a hipótese de que Cabelo Duro tenha sido morto por aliados de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e de Fabiano Alves de Souza, o Paca.
Se confirmada essa hipótese, talvez estejamos assistindo um daqueles momentos da história onde a tensão atingi seu ponto de ruptura, marcando o ponto onde uma força, que aos poucos crescia passou assumiu uma posição.
Se de fato a morte de Cabelo Duro foi armada contra a vontade da liderança que se consolidou no comando do Primeiro Comando da Capital, mesmo após a morte de Gegê e Paca, existe a possibilidade de que parte da facção esteja disposta ao confronto ou a troca de camisa.
Algo assim pode chegar as ruas trazendo violência e mortes nas biqueiras, entre a população das comunidades, e policiais. Até o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Mágino Barbosa, veio a público para falar sobre essa possibilidade.
Essa declaração reforça a hipótese de que Cabelo Duro tenha sido morto a mando da liderança por ter vazado a informação de que ele próprio a mando do seu padrinho Marcola teriam executado o Gegê e Paca. O repórter Luiz Adorno jura que não vai contar qual foi o promotor de justiça que lhe garantiu que:
Karina Biondi, talvez um dia escreva algumas linhas em uma nova edição de seu livro, ou talvez abra um novo capítulo, descrevendo que a morte de Gegê transformou a facção em algo totalmente diferente da que conhecemos hoje… … assim como aconteceu no passado, com a morte de Jorge Raffat Roumani e a transformação, do dia para a noite do Comando Vermelho (CV) de fiel aliado para inimigo mortal. Enquanto esperamos para saber o que será, acompanhamos a investigação sobre o caso Gegê, que parece ser prioridade para as secretarias de segurança pública, já tendo sido decretada a prisão preventiva de cinco suspeitos do assassinato: Francisco Cavalcante Cidro Filho, José Cavalcante Cidro, Samara Pinheiro de Carvalho, Magna Ene de Freitas e Felipe Ramos Morais. (adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Não há quem acredite em outra hipótese para a morte de Gegê do Mangue que não a de uma disputa dentro da estrutura do Primeiro Comando da Capital, a facção PCC 1533. Há divergência quanto as razões, mas não quanto aos possíveis mandantes.
O que representa essa morte para futuro político da facção?
O texto a seguir já estava pronto antes do assassinato, trata em resumo da tendência do Primeiro Comando de se infiltrar discretamente e utilizando contatos pessoais na estrutura política, administrativa e social — com a retirada de Gegê do tabuleiro, essa tendência da facção paulista ficaria fortalecida, se contrapondo as ações de guerrilha.
Essa é a chamada Terceira Geração do PCC
Artemiy Semenovskiy, Luis Carlos Valois, Geraldo Alckmin e eu temos ligações com o PCC — pelo menos é o que aqueles policiais comentavam nos grupos de WhatsApp e Facebook; no entanto a diferença entre nós e eles é que nós continuamos em liberdade, e eles, agora, estão presos.
Diorgeres de Assis Victorio foi a primeira pessoa que tenho conhecimento de ter dado destaque ao termo Terceira Geração do PCC, em 24 de janeiro de 2018, no artigo PCC: Terceira Geração, no site Ciências Criminais. No dia seguinte, no site Small Wars Journal, os pesquisadores John P. Sullivan, José de Arimatéia da Cruz e Robert Bunker publicaram a matéria Third Generation Gangs Strategic Note No. 9.
O texto do Ciências Criminais apresenta a mudança que se deu com a elaboração do chamado Terceiro Estatuto do PCC para uma nova realidade, menos confrontante e mais voltada ao lucro, à estruturação organizacional e às relações com a comunidade. Já o texto do Small Wars Journal atenta para a estratégia de infiltração na política e na estrutura social adotada pela facção paulista. A ligação entre os dois trabalhos é a Cartilha do PCC — documento chave da organização, que instiga seus membros e suas famílias a estudar e buscar apoio da sociedade para as justas reivindicações da facção:
Aposte e acredite no aperfeiçoamento e na conscientização para diminuir as perdas nas lutas, para vencer procurem estudar, procurem conhecimento e principalmente procurem aprender essa nova mudança, essa nova era.
Os políticos que promovem candidaturas baseando seu discurso no combate ao crime e só constroem presídios como depósitos de homens, mentindo para a sociedade, dizendo que estão acabando com a criminalidade e resolvendo o problema de superlotação. Mentem descaradamente: os governos dos estados, as secretarias de segurança pública, as administrações penitenciárias, os serviços de inteligência da polícia e da promotoria pública, o Denarc e o GAECO.
Acompanhem as trocas dos cargos políticos: quem são são essas autoridades, governos, secretários de segurança, administração penitenciário. Fiquem sempre atentos a política deles pois são essas pessoas as diretamente responsáveis pelo sistema penitenciário. Exponham nossas dificuldades e com isso conquistaremos nossos direitos como presos usando as mesmas armas que eles usam contra nós.
A propaganda, a divulgação, a mídia vamos maciçamente nos expressar à sociedade, mostrar esse lado esquecido, em cenário de tantas injustiças e violência.
Artemiy Semenovskiy, um russo que certa vez esteve preso em COMPAJ, ninho do Comando Vermelho (CV), lembrou-me que o juiz Dr. Luis Carlos Valois, que negociou com o FDN e CV o fim das matanças nos presídios de Manaus e hoje é ameaçado de morte pelo PCC, o governador Geraldo Alckmin, que bateu todos os recordes de prisão de PCCs, mas que a oposição lhe atribui um acordo com a facção, e eu estamos no mesmo barco…
… nós temos ligações com o Primeiro Comando da Capital.
Já alguns daqueles policiais que comentavam nos grupos de WhatsApp e Facebook sobre nós estão presos por corrupção e envolvimento com a facção criminosa. Como isso se deu?
Nós e nossas verdades vivemos em um mundo imaginário.
Para entender o mundo todos nós analisamos os fatos que nos chegam utilizando nosso raciocínio, mas ele não consegue dar significado às conclusões; para isso utilizamos uma outra ferramenta que temos: a imaginação — não vou me alongar nesse ponto, em caso de dúvidas procure Gilbert Durand.
A leitura do artigo do Small Wars Journal reflete a realidade do envolvimento do crime organizado na política como é apresentado em todas as culturas: filmes como o brasileiro Tropa de Elite II, os indianos Raees e Kabali, o francês Marseille, o russo Ladrões na Lei [Воры в законе (фильм)], e séries de TV como a Brigada (Бригада).
No entanto, aqueles policiais que foram presos enquanto nós outros ficamos em liberdade não se conformam, afinal, eles não tinham envolvimento com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, e, sim, nós — pelo menos dentro do imaginário que nossa sociedade criou através de suas produções cinematográficas.
A vida é diferente do que nos mostra o cinema.
Em verdade, a facção Primeiro Comando da Capital não organiza ações políticas como são mostradas no cinema e no artigo citado. Não existe um poder controlador supremo que articula as candidaturas: pela própria natureza e estrutura da organização o envolvimento com a política se dá de outra forma, muito mais celular, muito mais pessoal…
Os policiais foram presos por aceitarem uns trocos de conhecidos para passarem informações ou pegarem dinheiro de garotos ou de gerentes de biqueira. Eles jamais imaginariam (pois não faz parte do imaginário popular sobre o envolvimento com uma organização criminosa) que seus nomes seriam lançados na contabilidade da facção — o mesmo se dá com alguns políticos, mas isso rende outro artigo.
Tem muita gente que é a favor de que as “pessoas de bem” se armem para se defenderem, afinal não se pode mais confiar na polícia para sua proteção.
Eu só não entendo quando um policial defende essa tese, é como assinar um atestado que não tem condições de fazer seu trabalho e quer que cada um cuide de seu próprio traseiro – além de ser um tiro no pé para quem faz bico (bravo).
No mundo do crime não é diferente, durante muito tempo os moleques e gerentes das biqueiras confiaram sua segurança a proteção da facção e de seus disciplinas, depois da ameaça de ataque (e alguns sofreram na pele) dentro do estado de São Paulo, o clima de insegurança chegou até as quebradas.
A molecada que antes trabalhava desarmada começou a andar trepada. Agora a polícia paulista começa a sentir o efeito. Sempre que chegava em uma biqueira não encontrava resistência, agora já não é bem assim, pelo menos é o que conta Marcelo Godoy na reportagem:
Lembrando, que ao contrário dos polícias que defendem que a população ande armada, a facção não retirou o salve para , moleque ficar mostrando arma para a população, e se tiver morte não autorizada…
“Em São Paulo, … há um oligopólio oferecendo proteção às biqueiras: o PCC.” Michel Misse professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em Segurança Pública.
Só para lembrar a fita de como era antes do PCC resolver o caso das armas em São Paulo…
Se tá de sacanagem né, você acha que o Primeiro Comando da Capital é putaria? Entra quando quer, sai a hora que quer, de boa? Não é bem assim não, se virou crente e quer tirar a camisa, ou tem alguma coisa com tua família…
Vou falar pra você, essas são as perguntas que mais aparecem por aqui, e eu falo para procurar o sintonia e trocar ideia, é assim que se faz.
Mas por que não escrevi sobre isso antes? Por que eu fico na minha, só que agora fui cobrado, alguém leu no site do Terra que é putaria e acharam que fui eu:
Quando sair, tem que rasgar a camisa e ficar de boa”, diz um homem por telefone, após ser retrucado por uma mulher investigada: “Não tem que rasgar a camisa, não; tem que arrancar a cabeça dele”
Meu, quem falou essa idiotice foi o site Terra que começa mais ou menos assim:
“Pela primeira vez desde que surgiu nas prisões paulistas, no início da década de 1990, a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) permite que seus integrantes deixem a facção sem sofrer retaliações. A informação consta em um salve – carta endereçada a seus participantes -, apreendida em uma penitenciária no interior do Estado.”
A reportagem é boa, fala muita coisa certa e outras que já não valem mais, diz por exemplo que a facção “decretou perseguição aos homossexuais“, pare, é verdade que a facção não aceita gay como irmão, mas não tem perseguição não.
O cara que quiser seguir esse caminho e viver a sua vida, desde que: tenha respeito dentro do sistema sem ficar se insinuando ou praticando o que não deve, ou faltando com respeito na hora das visitas, ou nas ruas denegrindo o nome da facção.
Então não tem isso que falou na reportagem não.
O que é verdade é só que tem que chegar no sintonia, aí ele vai consultar quem tem que consultar e vai te dizer se pode ou não seguir sua caminhada tranquila, e também é verdade que se ele deixar sair não tem volta não. Já era, no PCC e no mundo do crime.
Se pensa em sair da facção e continuar nos corres, esquece, vai ser chamado para conversar, primeiro de boa, depois nem tanto. É assim que funciona, e se triscar do lado errado da vida errada, a conversa é de alto nível, é assim que funciona.
Mas pensa bem antes de procurar o sintonia, por que ele não vai esquecer que você foi falar com ele, e se depois você resolver sair pela porta dos fundos, a pilantragem vai ser cobrada.
Tem alguns irmãos que resolveram sair pela porta dos fundos, vou te explicar como se faz isso, mas cada um sabe o que pode acontecer se der errado.
Para sair só tem dois jeitos, ou o sintonia libera ou se é expulso.
Tem ladrão que entra no PCC para usar a máquina, os contatos, aí ganha dinheiro e quer sair, como sabe que o sintonia não vai liberar, o irmão passa a contrair dívidas com aliados e companheiros, daí não paga, foge da responsabilidade, deixa de atender os chamados dos outros irmãos, ou dar explicação para o disciplina.
O prejudicado, mesmo não sendo irmão, pede para o disciplina ou para o sintonia providência, e como o cara não responde os contatos é excluído. Tem outras formas de ser excluído sem que haja uma cobrança muito rígida em cima do irmão, e é esse caminho que muitos tem feito.
Virei crente e quero sair da camisa.
Não é bem por aí, a facção aceita que alguém que virou evangélico deixe de boa depois de acertar suas contas, mas sabe que nunca mais vai poder entrar na vida do crime, de nem um jeito, se Deus vai cuidar da alma do cara, o PCC vai cuidar que ele não se desvie ou poderá seguir mais cedo para o seio de Abraão.
Meu filho nasceu e quero sair da facção.
Aqui é Crime Organizado, é o respeito no mundo do crime, se vestiu a camisa tem que honrar, a família de quem entra na Família 1533 é a família 1533, tua família de sangue tem todo o respeito, mas quem sustenta ela é o crime, então pensa bem antes de sair, pois quem vai sustentar ela se você morrer ou ficar sem emprego?
Tudo passa pelo sintonia
Eu nem ia escrever aqui sobre isso, mas como a matéria do Terra está dando ideia errada eu vim esclarecer, essa não é a voz da facção, se quer ouvir o que ela diz vai perguntar para o Marcola, eu só falo o que está aí e todo mundo sabe.
Tem muito moleque que quer entrar no crime, sai fora, o crime é um lixo, todo ladrão sonha em sair do crime mesmo quando está em liberdade, sonha em ter uma vida normal, chegando em casa e vendo seus filhos crescerem, e quando estão dentro das muralhas é só sofrimento.
Nem entra, pois o mundo do crime não tem volta, taí disse, agora vou deixar para outro cara terminar, alguém que você deve conhecer e tem que respeitar, por que ele sabe do que fala e só fala a verdade:
O amanhã chegou. Bem, na realidade ele forçou a entrada, e eu percebi isso quando ouvi algo que me soou assim: “até 1995 ou 1996, o carcereiro chegava e vendia o preso por, digamos, cinco mil reais para ser escravo sexual.”
Não sei se você conhece o podcast paranaense Salvo Melhor Juízo, deThiago Hansen, Carolina de Quadros e Gustavo Favini, mas, se não, conheça. Os jovens organizadores e apresentadores “proseiam” sobre questões de direito, cidadania, vida e cultura carcerárias – conversando informalmente transmitem conhecimento profundo.
Há tempos acompanho o trabalho do trio e sempre digo a mim mesmo que “amanhã vou escrever sobre eles aqui”, mas o amanhã não chegava, sempre acontecia algo; por vezes fazia sol, outros dias chovia, e quando não acontecia nem uma coisa nem outra o tempo ficava nublado, então deixava novamente para amanhã.
Essa semana não seria diferente, até que Renato Almeida Freitas Júnior começou a contar como era a situação dentro dos presídios paranaenses, antes e depois do domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC 1533). Não deu mais para esperar o amanhã, tinha que ser agora, já, nesse momento, e aqui estou eu.
Renato se aprofundou sobre a realidade carcerária para concluir seu trabalho de mestrado para o Núcleo de Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa da UFPR, sob o título: Prisões e Quebradas: O campo em evidência ou A prisão diluída: uma análise das relações entre a prisão e os bairros periféricos de Curitiba.
O trecho que fez finalmente chegar para mim o dia de amanhã começa com Thiago Hansen propondo uma questão pra lá de complexa, algo mais ou menos assim:
“O tópico de hoje é o Mundo Carcerário, […] mas a questão é:
O que que acontece dentro das cadeias?
O que acontece dentro dos presídios?
Qual é o cotidiano das pessoas que estão dentro do sistema prisional?
Como é a vida dos indivíduos encarcerados?
Os presos acordam e fazem o quê?
Quais são os gestos, as linguagens, e as gírias do detentos?
Como eles constroem seu próprio mundo?
Em uma palavra: qual é a cultura carcerária no Brasil?”
E, entre outra coisas, o Renato Almeida respondeu mais ou menos assim (se quiser saber exatamente como foi vai ter que ouvir o programa):
“Começamos a reparar que o sucateamento, a invisibilidade e o desconhecimento do que ocorre dentro do cárcere, a menos que sejamos clientela dele, é exatamente por ser essa uma política de Estado. E não é acidentalmente mantido assim, é ativamente mantida assim, para dificultar a organização política e as lutas sociais nesse meio. Aí a gente tem verdadeiros códigos, verdadeiras manifestações normativas subterrâneas, que não tem qualquer relação com o que está na lei. Tem duas respostas, já entrando na discussão sobre o crime organizado dentro da cadeia, se você entra dentro de um presídio onde o controle está com o PCC, pelo menos na capital Curitiba, o tratamento recebido pelo peso é muito diferente daquele que existia antes dele ser hegemônico, o que aconteceu por volta dos anos 90. Houve um ganho qualitativo. Suponha que uma pessoa branca, estudante universitário, com boa aparência entrasse em um presídio até 1996, antes do PCC assumir no Paraná, o que acontecia era que o agente penitenciário pegava essa pessoa, colocava na triagem, como acontece até hoje, só que antes de levar a pessoa para dentro, ele avisava o preso que tinha mais dinheiro e oferecia, e dizia: ‘eu vendo ele por’, digamos, ‘por cinco mil reais’. Fechado o negócio, a pessoa era levada para a cela de quem pagasse mais, e todo mundo sabia quem era o dono do garoto. Era uma relação muito louca! O preso que comprou usava do garoto como achasse melhor, geralmente sexualmente, até o novato ficar “bagunçado”, daí ele era vendido para outro preso, e daí como ele estava totalmente zoado era usado como ‘cofre’ (ou ‘garagem’ para esconder drogas ou celulares no ânus quando havia revista nas celas). Era a lei do mais forte. Depois do PCC isso mudou radicalmente, e é o que faz que tivesse tanta adesão ao grupo. Aqui fora a gente vê pela mídia o processo de demonização, e outros mais inocentes fazem a romantização, o fato é que ninguém de fato sabe o que acontece ou como se comportam os presos. Por que que tem tanta adesão? Por que não foram suprimidos pela massa carcerária? Os oito, dez, vinte que vieram para cá organizaram uma massa, e hoje tem pelo menos umas dez mil pessoas, dentro e fora do sistema, ligadas ao Primeiro Comando da Capital. O código ético implantado pelo crime organizado é a mudança radical, onde não é aceito nenhum tipo de opressão nos presídios, onde você resguarda o mais pobre e o mais fraco.” (adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});