O Sistema Prisional e as soluções estrangeiras

Adaptar a solução jurídica escandinava à realidade latino-americana é a proposta de dois professores chilenos que estudaram o sistema nórdico de penalização.


Você acredita que não seria possível adaptar para o Brasil a experiência nórdica?


Podemos nos comparar com os outros?

Concordo com você, não tem como comparar uma coisa com a outra: nem o sistema prisional escandinavo, nem o americano podem ser usados como modelo para o latino-americano. As condições econômicas e a forma de organização social são diferentes e impedem que utilizemos aqui essas experiências que foram aplicadas com sucesso lá.

Ana María Munizaga e Guillermo Sanhueza, no entanto, acreditam que é possível o modelamento escandinavo. É o que afirmam no artigo Una revisión del modelo carcelario escandinavo con notas para Chile, publicado na Revista TS Cuadernos de Trabajo Social, da Facultad de Ciencias Sociales y Humanidades, da Universidad San Sebastián.

Talvez seja difícil trazer para nossa realidade a experiência escandinava, mas a chilena, nem tanto.

“[…] as deploráveis condições de vida nos estabelecimentos penitenciários do país, aliadas à falta de uma política carcerária, não permite a reinserção social dos internos; […] celas abarrotadas, sem higiene, ventilação, e luz; […] os tratos cruéis e as situações indignas a que são submetidos os reclusos […]”

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Segurança para os Aspen e para os internos

Essa descrição feita pela fiscal da Suprema Corte chilena, Mónica Maldonado, poderia ser utilizada para qualquer instituição carcerária brasileira, então, realmente, não somos tão diferentes de nossos irmãos andinos — a opressão do Sistema não respeita fronteiras.

Os articulistas ressaltam que a busca pela adaptação ao modelo externo tem como finalidade não apenas o aumento do índice de ressocialização e das condições dos internos, mas também elevar a segurança e melhorar as condições de trabalho dos agentes penitenciários, além de beneficiar toda a sociedade. Pode ser que estejam sonhando de mais, pode ser que não.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, no entanto, acredita que é possível o modelamento segundo o sistema americano, por meio de sua proposta de introdução, aqui, da visita monitorada: o preso fala com seu advogado, parente, ou visita autorizada, separados por um vidro, através de um telefone, com a conversa gravada.

Se você acredita que não é possível adaptar a nossa cultura àquilo que foi utilizado com sucesso pelos nórdicos, deve pensar também que não é possível adaptar a nossa cultura àquilo que foi utilizado com sucesso pelos americanos.

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Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, ressaltou nossa característica cultural de agirmos com emoção. Emoção essa que faz com que eu e você nos decidamos se devemos ou não aceitar como possível a utilização, em nosso país, de uma experiência estrangeira deixando de lado uma análise racional, afinal, somos culturalmente emotivos.

A proposta escandinava, se bem aplicada e fiscalizada, economizaria rios de dinheiro para os cofres públicos ao colocar em liberdade uma massa de presos, que é o sonho do PCC 1533, sua proposta de vida, mas também é o seu maior pesadelo, pois ele se fortalece e se reproduz dentro das prisões superlotadas — quanto mais duro o sistema, mais forte ele fica.

A proposta americana, por sua vez, se bem aplicada e fiscalizada, economizaria rios de dinheiro para os cofres públicos ao evitar os crimes que ocorrem fora dos presídios, e também tornaria mais dignas as visitas, que não teriam que passar pelas vexaminosas revistas íntimas, que é outro sonho do PCC 1533 — mas que, assim, deixaria a facção sem as drogas e os celulares trazidos pelos visitantes.

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Somos brasileiros e não agiremos com a razão, e sim com a emoção

Aqueles que acreditavam antes de ler esse texto que o melhor é endurecer as penas e isolar os presos, acreditará que a solução americana será a melhor e deverá ser aplicada em nosso país — mesmo que os pesquisadores chilenos e a experiência escandinava provem o contrário.

“A superlotação de presídios alimenta o grupo, segundo apontam especialistas em segurança pública.”

Aqueles que acreditavam antes de ler esse texto que o melhor é humanizar as penas e socializar os presos, acreditará que a solução escandinava será a melhor e deverá ser aplicada em nosso país — mesmo que o atual governo e a experiência americana provem o contrário.

“No sistema tradicional, a sociedade já perdeu a guerra contra o crime. O sistema prisional comum é uma grande universidade, onde os antigos no crime ensinam os mais jovens e vão utilizá-los lá fora. O melhor local para se fazer um exército de marginais, de pessoas carentes e sem perspectivas, é a cadeia.” — Marcos Valério Fernandes

Curiosidade: os chilenos utilizaram a dissertação Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista, da doutoranda Camila Caldeira Nunes Dias, na elaboração de seu artigo, afinal, eles são chilenos, e não têm que se basear em suas emoções, e sim em sua razão.

Pedro Rodrigues da Silva, o Pedrinho Matador, conhece o sistema prisional de São Paulo como poucos. Ele ficou sem ver a rua de 1973 até 2007 e de 2011 até 2018 — viveu mais de 40 atrás das grades e por lá, ele conta que viu mais de 200 presos serem mortos enquanto esteve por lá, sendo que mais de 100 foram ele mesmo que matou.

Viveu no cárcere no tempo do Regime Militar, da redemocratização e dos governos com leve viés progressista, mas mudança mesmo, houve quando a facção paulista despontou como hegemônica, acabando com as diversas gangs e grupos dentro das cadeias e presídios.

Sobre o Primeiro Comando da Capital ele afirmou durante uma entrevista:

“Fui [convidado a entrar no PCC], mas não entrei. Ali é o seguinte: depois que surgiu o partido, você vê que a cadeia mudou. Não morre ninguém porque o partido não deixa. É paz. Paz para a Justiça ver. Se começa uma briga, eles seguram. Eles também ajudam quem sai, arrumam trabalho.”

transcrito por Willian Helal Filho para O Globo

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